O porteiro Fredi Alexandre Bezerra de Menezes, 40 anos, passou a noite em claro na esquina da rua Manoel Pedro Simas, na Vila da Miséria. Alarmado com a possibilidade de enchente e com o aviso da defesa Civil que uma maré alta poderia alagar as ruas da localidade, não conseguiu dormir. E foi a decisão de não pregar os olhos que lhe salvou o carro. A água começou a subir já passava das quatro da madruga, passou pela garagem e chegou à cozinha. Os móveis já estavam levantados, mas o carango rebaixado poderia ter sido atingido. Estacionei ali na Eugênio Pezzini num ponto que demora um pouco mais pra alagar. É um sufoco, mas a gente vai lutando. Eu tô lutando desde 2008, comenta. Ontem à tarde, o porteiro travou mais uma batalha.
Há 11 anos Fredi tá na Vila. Vive com a mulher e dois filhos que, diferentemente dele, não se arriscam a colocar o pé na água lamacenta e espiam da janela. Ele não foi trabalhar domingo e na segunda ...
Há 11 anos Fredi tá na Vila. Vive com a mulher e dois filhos que, diferentemente dele, não se arriscam a colocar o pé na água lamacenta e espiam da janela. Ele não foi trabalhar domingo e na segunda-feira e, enquanto a maré não baixar, Fredi diz que vai ficar em casa. Não tem como sair assim. Até agora só entrou um dedinho na cozinha. Mas se subir mais? Eu tenho que tá aqui pra salvar as coisas, justifica. No quintal a água cobria os pés e os chinelos de borracha do morador até a altura das canelas.
Além da água, a Vila da Miséria tava cheia de crianças brincando nas poças. A gurizada aproveitou o dia de folga da escola e não fez cara feia pra brincar nas áreas alagadas da localidade. De bicicleta, algumas com botas, outras descalças. Valia até fazer pose e tirar foto no celular. Quem não entrou na brincadeira foi Geilsa Cesário do Nascimento, 30. Com os pés firmes em cima de uma lajota, a manipuladora de pescados olhava com reprovação o volume de água que forrava a rua Eugênio Pezzini. Ela tinha acabado a missão de reerguer os móveis dentro de casa, preparada pra alta da maré. No domingo a água entrou só um filetinho, mas Geilsa acredita que se não tivesse erguido os pertences, teria ficado no preju. Isso já virou parte da rotina. Sempre que a maré sobe a gente precisa ficar ligado. Não é só às vezes não. Sempre a água pode entrar, comenta. Com os móveis erguidos, o jeito é torcer pra água não subir mais e ter paciência pra acompanhar o escoar lento das águas.
A rotina de Marcelino de Souza, 40, e dos vizinhos, teve que se adaptar às constantes inundações, já que a Vila da Miséria é sempre um dos bairros mais castigados pelas cheias dos rios. Na casa dele, também na extensa Eugênio Pezzini, todo mundo já sabe como levantar os móveis com agilidade. Não tem mistério, ergue tudo em dois toques e ficamos preparados, revela. Nessas horas, o cachorro é que ganha uma folga e, pra não ficar no terreno molhado, encontra abrigo dentro de casa.
Na rua Ananias Caetano da Silva, um cantão invadido por trabalhadores da reciclagem, a área ficou alagada em cerca de 30 centímetros. O local ficou inacessível pros carangos. Até uma carroça, puxada por um cavalo branco magro e com um homem e duas crianças na condução, teve dificuldade pra percorrer a área. A maior parte dos moradores dessa rua foi pro abrigo montado pela defesa Civil.
Imaruí e Brejo também tiveram alagamentos
O oficial de justiça Marcos Almeida, 33, tomava café da tarde com a esposa e com a filha de sete anos quando a maré alta começou a se exibir no bairro Imaruí. Ele diz que já é de se esperar que a água empoce na sarjeta. Mas uma como a de ontem, que cobriu metade da rua Newton Prado Baião, ele diz que é raro de acontecer em dias de maré. Já a moradora Cleusa Maria Pereira, 45, mora há 24 anos na rua Henrique Pinotti e diz que os alagamentos não surpreendem mais. Já teve vez de eu perder minhas coisas por causa da maré. Hoje não chega a entrar em casa, fica só na rua, conta.
Despreocupados com o caos, as crianças aproveitavam pra correr de bicicleta, fazer ondas na água e respingar lama nos coleguinhas. Na região do Brejo, na parte baixa dos Cordeiros, ao invés da pirralhada brincando nas ruas, motoras nervosos entraram em cena. Por conta dos alagamentos, o trânsito ficou caótico. Nas ruas próximas à Sebastião Romeu Soares, os carangos precisaram reduzir a marcha, desviar dos veículos estacionados, das poças e dos buracos.
A comerciante Lenita Migot, 45, tem uma agropecuária na rua Maurício da Silva e conta que a água começou a subir pelas bocas de lobo, perto das 16h. Ela diz que dificilmente as casas são atingidas pela maré alta, mas como o bairro é populoso, os motoras acabam sofrendo mais. Pra entrar nas casas só com enchente mesmo. Nos outros casos só fica assim, com água pela rua, conta.