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O anúncio eternizado pela cantora Simone, que tomou emprestado os versos de John Lennon (So this is Christmas), ecoa pelo país todo no final de ano, como prenúncio de uma época em que as diferenças são deixadas de lado, afinal, 25 de dezembro foi a data escolhida para ser comemorado o nascimento do filho de Deus entre os cristãos. Entre outras coisas, diz-se que Jesus veio para reformular teorias do Velho Testamento, que não tinham mais razão de ser, tipo olho por olho, dente por dente.
Jesus seria hoje visto pelos conservadores como um rebelde revolucionário, contrário à ordem e aos bons costumes, ao ousar defender a paz como forma de luta e resumir todos os dogmas num só: amar o próximo como a si mesmo. Entenda-se próximo não como pai, mãe, filho, sobrinho, mas também o vizinho, o colega de trabalho, o chefe, o cobrador de ônibus, a criança do orfanato, o mendigo, o velhinho do asilo, os animais, as árvores, os pássaros, ou seja, tudo que tem vida. Se, de fato, tivéssemos essa empatia e nos colocássemos no lugar dos outros, grande parte de nossos problemas estariam resolvidos, pois, provavelmente, nunca faríamos mal a nós mesmos.
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John Lennon, antes de ser brutalmente assassinado, em 1980, aos 40 anos, também fez da paz sua bandeira. Depois de conhecer a glória com os Beatles, partiu em carreira solo e teve na artista Yoko Ono a parceira perfeita para defender o lema all we need is love (tudo o que precisamos é amor). Um de seus maiores clássicos, Imagine, corrobora para a máxima de Cristo, com quem ele se comparou no auge da cegueira da fama:
Imagine não existirem posses
Me pergunto se você consegue
Sem necessidade de ganância ou fome
Uma irmandade do Homem
Imagine todas as pessoas
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Compartilhando todo o mundo
Você pode dizer
Que sou um sonhador
Mas não sou o único
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Tenho a esperança de que um dia
Você se juntará a nós
E o mundo viverá como um só
Mas este é um caminho de conscientização longo, e cada um tem o seu ritmo. Por isso, a época natalina serve como incentivo para despertar esse sentimento de solidariedade, que fica esquecido ao longo do ano em meio às demandas do dia a dia. O Caderno de Natal do DIARINHO, este ano, quer ajudar neste processo, mostrando que fazer o bem pros outros é fazer o bem para nós mesmos. Por isso, traz matérias que mostram o trabalho voluntário da galera que une esforços para levar alegria a crianças e idosos, ensaia o ano todo, sem cachê, para encher o ar de alegria através do canto ou reúne a comunidade na expectativa da chegada do Menino Deus.
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Tem também o registro de doces lembranças de natais passados, revelações sobre como devotos de outras religiões vivem o Natal e dicas porretas para deixar a ceia e a reunião em família muito mais gostosa. Venha conosco se enternecer com nossas histórias de Natal, e que todos recebam em 2014 os frutos colhidos neste ano marcado pela defesa dos direitos coletivos. Boas festas!
ARTIGO
Um menino a passear!
* Elaine Tavares
Sou filha do meu tempo e espaço. Nascida numa família cristã, desde pequenina o Natal significou presépio, ou seja, a montagem da hora mágica, na qual um menino veio ao mundo para anunciar uma boa nova. E, com ele, a promessa de que haveria outra aliança e que nossos pecados todos estariam perdoados. Lá em casa sempre demos prioridade a isso. Nunca ao Papai Noel, brinquedos, compras etc. A expectativa era a chegada do Menino. Eu mesma sempre colocava o sapato na janela, mas a mãe explicava: os presentes não são coisas, são sentimentos e desejos. Então, quando o dia amanhecia, eu entendia que um Gurizinho tinha nascido e, por força da mágica da religião, também havia passado pela janela e deixando amor, saúde, alegria e todas essas coisas boas. E recolhia aquele sapato como se fora a coisa mais preciosa do mundo.
Na minha mente de criança, eu imaginava não um velhinho montado no trenó, com renas e todas estas coisas da celebração europeia. Eu acreditava piamente que havia um menino, bem sapeca, magrelinho e sem camisa, que saracoteava pelo mundo, montado numa grande estrela, levando presentes invisíveis aos olhos. E eu esperava o ano inteiro por esta noite de passeio divino. E o legal era que o fato de ser um guri tirava toda a pomposidade do sagrado Filho. Era como esperar um amigo, coisa íntima.
Depois, eu cresci e fui conhecendo outros mitos, outras religiões. Aprendi a dar pago à terra (Pachamama) em agosto, a respeitar o trovão, a folha de coca, as plantas, os animais. Aprendi a honrar Kuaray, Jacy, Ñanderu. Aprendi a reverenciar outras manifestações criadas pelo humano para sustentar suas dores e medos. Porque é disso que se trata quando se fala de deuses. Eles são redes nas quais descansamos de nossos terrores. E esta construção humana me enche de ternura, porque reconheço aí a fragilidade da nossa raça. Isso me emociona.
Mas apesar de tudo que aprendi sobre os outros deuses, o Natal ainda me encanta de um jeito muito especial, talvez porque esteja colado na minha mãe, que já encantou. Então, a despeito de todas as impossibilidades, eu espero o Menino. Às vezes, nos túmulos familiares ou no barulho da festa, pode parecer que eu o esqueci, mas não. Lá no fundo do meu coração, eu o espero. E o vejo chegar, montado na estrela, rindo seu riso de cristal. Também a despeito de tudo, ainda deixo meu sapato na janela e o recolho de manhã com a absoluta certeza de que ali dentro estarão os presentes. Os que verdadeiramente importam.
E assim, neste Natal, como em todos os outros já vividos, meu Jesuzinho haverá de vir passear. E eu estarei esperando...
Que ele passe por aí também!
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