O coral mais antigo em atividade é o da associação Villa-Lobos, regido por Jair Maciel Rosa, 63 anos. Ele conta que era recém-chegado na cidade, em 1974, depois de cinco anos no Seminário de Azambuja, em Brusque. Como a maioria dos regentes, Jair aprendeu a gostar de música dentro da instituição católica. E isso não é coincidência. Apesar dos registros mais antigos sobre os corais remeter à pré-história, foi justamente nos mosteiros europeus, a partir do século 10, que os corais se consolidaram como forma de louvar a Deus através do canto.
Eu sempre tive essa ligação com a igreja. Quando pequeno, fui coroinha, e mesmo fora do seminário, fazia parte do coro litúrgico da igreja de N.S. da Paz, na Vila. Quando formamos o coro, que contava com umas 15 pessoas, não tínhamos onde ensaiar, então íamos ao colégio Nilton Kucher ou Salesiano, relembra Jair. Hoje, o coro tem 27 pessoas, sendo a mais jovem com 15 anos e o mais velho com 70. A maioria é mulheres. São 16 moças e nove rapazes.
Eles ensaiam uma vez por semana na sede da instituição, ao lado da Igreja da Vila, e costumam se apresentar em festivais de corais e em igrejas na época de Natal. Neste ano, eles fizeram a alegria da comunidade Luterana de Itajaí no último dia 21, e na igreja Matriz de Camboriú, no dia 13, com sua Cantata de Natal. No repertório, que é bem eclético, tem desde Adeste Fidelis (hino em latim) a Um Feliz Natal, de Ivan Lins.
Carpe Diem
Atravessando a praça da igreja, ensaia outro coral que faz bonito nesta época, além de levar o nome de Itajaí em encontros nacionais e internacionais: o Carpe Diem, regido por Paulo Sezerino, 69 anos, da escola de música Imcarti. O maestro, formado na Udesc, conta que o Carpe Diem é o único coro-escola da city, que aceita pessoas de qualquer idade, independentemente se tenham talento em especial, crianças e adolescentes. Não ensinamos aqui apenas a cantar, mas a ter disciplina, se qualificar pro futuro. Musicalidade é uma coisa muito ampla e vai além do fazer artístico, explica.
O Carpe Diem foi criado em 1986 e já teve 70 integrantes, mas hoje conta com 25 vozes, sendo apenas seis homens, o mais jovem deles com oito anos. Paulo explica que é possível compensar essa defasagem, já que a voz dos homens é mais forte do que a das garotas, e que a rotatividade é normal. Muitos saem depois que se formam na faculdade e acabam arranjando emprego em outra cidade. O pior é que saem em dupla porque, geralmente, são casais, relata.
Paulo Sezerino completou, em 2011, 50 anos de atividade musical, motivo pelo qual recebeu uma comenda do governo alemão. Ele estudou no seminário de Lontras, no Alto Vale, e veio para Itajaí reger o coro da igreja de N.S. da Paz, na Vila, em 1961. Ele conta que, naquela época, o único coral da cidade era o Santa Cecília, na igreja Matriz. Não havia organistas em Itajaí, tive que trazer gente de fora, porque a cidade não tinha tradição em música. Paulo também ajudou a formar o coro da paróquia do bairro São João. E conheceu a atual mulher regendo o coro.
Com o Carpe Diem, Paulo Sezerino já levou música e alento a pacientes em hospitais e asilos, e ao povão, em apresentações ao ar livre. No repertório, ele dá preferência a versões em português de clássicos como Ave Maria e Magnificat e tem espaço para Noite Azul, de Simone. Gosto de mesclar o clássico e o popular, porque a música clássica, no tempo em que foi concebida, era popular. E acredito que se as pessoas sabem o que estão ouvindo, vai lhes tocar muito mais.
O coral chegou a ter um festival com duração de 15 dias chamado Carpe Verão, que durou até 2002, e teve nove edições. Os garotos já levaram o nome de Itajaí entoando cânticos em Bariloche (Argentina), Valparaíso e Santiago (Chile) e Assunção (Paraguai).
Vozes do Vale
O regente Nilton Silva, 56 anos, está à frente do coral Vozes do Vale desde 1995, depois que se afastou do coral que regia em Camboriú, na Assembleia de Deus. O Vozes do Vale tinha sido fundado no ano anterior por Percy Carlos Stoltz e precisava de alguém experiente para dar forma ao grupo. O perfil do coral, que ensaia duas vezes por semana na Casa da Cultura, é erudito clássico. Atualmente, conta com 40 integrantes, a maioria adulto, mas abriu espaço para um jovem talento de 15 anos. Por falta de vozes masculinas, muitas vezes é preciso excluir algumas peças do repertório, mas Nilton se orgulha de, apesar das dificuldades, já terem encenado quatro óperas no Municipal.
Nilton é formado pelo conservatório Villa-Lobos de Joinville, mas começou a estudar música aos 12 anos. Ele já trampou em escritório de contabilidade, como assessor da prefeitura de Camboriú, e passou a viver exclusivamente de música a partir de 1996. Em 1997, ele montou a escola de música Admita, também na Vila, que durou até 2010. Mas a evasão dos alunos para projetos gratuitos como Arte nos Bairros e o conservatório de Música o forçou a fechar a escola.
Um grande feito da Admita foi o projeto Quatro Estações, que durou 10 anos e realizava quatro espetáculos anuais, baseados na obra de ícones como Vivaldi, Mozart, Bach e Schubbert. Neste ano, o grupo fez três apresentações do Tributo a Händel, também apresentado no concerto de Natal nas igrejas católicas dos bairros Dom Bosco e Fazenda. No repertório, clássicos como Cantique de Nöel (França), We wish you a happy Christmas (EUA) e Stille Nacht (Alemanha).
Nilton também é da opinião que o coral não se resume a uma atividade artística. Aqui se aprende a arte da socialização. O estresse diminui e ainda afasta do fumo, álcool e drogas porque, quando se aprender a cantar, não se deseja estragar a voz, acredita.
Univali
A história do coral da universidade do Vale do Itajaí começou em 1989 graças ao ex-seminarista Normélio Webber, que deixou a função de regente em 2012. Quem assumiu o posto foi Émerson Rosa da Silva, o Juca, também ex-seminarista, que entrou para o coral em 1998, quando era estudante de Direito. Ele aceitou dar continuidade ao trabalho, que já produziu seis CDs, sempre apostando na riqueza sonora da MPB.
O primeiro CD No Novo Tempo rolou quando ele entrou para o coral, em 1998, assim que o grupo comemorou 10 anos de estrada. Em 2000, durante as comemorações dos 500 anos de descobrimento, foi lançado Bem Brasil. Em 2002, veio Metamorfose e, em 2007, um trabalho que instigava a juventude da época, taxada de alienada, Desafio do Vazio, com músicas como Inútil, do Ultrage a Rigor. Foi como um alerta para a apatia, que parece ter chegado ao fim com as manifestações de junho deste ano pelo Brasil, acredita Juca. Depois, vieram Simplesmente Simples (2011) e Simplesmente Simples 2 (2013), que tem uma levada rural.
O coral é formado não só por estudantes da Univali, como também os egressos, funcionários e gente da comunidade do bairro Fazenda, sem vínculo com a universidade. São 53 vozes no total, mas geralmente o coral se apresenta com 35 pessoas. Por ser um coral universitário, há um equilíbrio maior entre homens e mulheres, até porque metade deles canta em troca de desconto na mensalidade.
Além de apostar no repertório de música brasileira, o coral da Univali ainda traz músicas pop, como We are the world de Michael Jackson e So this is Christmas, de John Lennon, que virou Então é Natal na voz de Simone. E clássicos como Sapatinho de Natal e Natal, Natal.
Uma Noite Feliz em 1914
O Natal é uma data tão especial que suscitou algo inédito, em plena Primeira Guerra Mundial, nas trincheiras da Bélgica, em 24 de dezembro de 1914, quando ingleses e alemães estavam frente a frente. Das trincheiras alemãs, ouviu-se um canto. Era Stille Nacht, Heilige Nacht, Silent Night em inglês e Noite Feliz, em português. Quando a música acabou, os ingleses cumprimentaram os alemães, mesmo sem saber sua língua, improvisaram: Good, old Fritz!.
Os Fritz respondem com Merry Christmas, englishmen! Feliz Natal, ingleses!), seguido de We not shoot, you not shoot!(Nós não atiramos, vocês também não). Por causa da trégua informal, rolou um cessar fogo de seis dias ao longo de toda a frente ocidental, mostrando que a paz e a tolerância são possíveis. E em época de Natal, mais ainda.