Era uma manhã de inverno, com frio de uma estação e sol de outra. O clima estava confuso. Os jornais não falavam mais de inverno, senão de ondas de frio. O frio se tornou um estágio e a regularidade da estação parecia não existir mais. Num desses dias confusos, Oleg estava sentado em um banco de praça, desses de ferro, pouco confortável que esfriava o corpo. Olhava ao longe, para o nada... Esquecera-se! Quando se deu conta de si, percebeu ao lado um homem também pensativo. Orif tinha um livro em suas mãos, fechado e preso com vigor entre o polegar e os outros dedos. A obra tinha capa verde e mais grossa que o normal, o título em letras douradas. Duas pessoas num mesmo local que pareciam não estar ali.
Curiosidade é algo mais forte que contenção pessoal. Oleg não conseguiu se deter e cedeu um “Bom dia!” Como o frio do banco, Orif retribuiu: “Bom dia, mas hoje parece um dia estranho! Desculpe-me!” Orif tinha presenciado uma maneira que não considerava correta de um candidato se manifestar. O fato, descrito por Orif, desenhava a compostura de um manipulador, envaidecido de sua existência, que pedira voto em troca de promessas pouco aferíveis em realidade. O passado do candidato também era de dificuldades éticas, envolvido em tramas desonestas com o dinheiro público.
Orif, um estrangeiro nascido em país com maturidade democrática, com experiências de lutas frente aos direitos humanos, acreditava que o eleitor era resultado de uma conquista de cidadania. Depois de votar o eleitor manteria a condição de cidadão. Pelas promessas e os jeitos do candidato que presenciara há pouco mais de uma hora, o eleitor era um voto, sem poder se pronunciar como cidadão. Para Orif, cidadania era a marca de um ser social na condição política. Mas o tal candidato dizia que precisaria ser eleito para defender sua história. Orif tinha a convicção de que um cargo público jamais deveria servir para uma ação pessoal. O campo para o tal candidato se defender deveria ser exclusivamente o dos tribunais.
Oleg ficou sensibilizado. A filosofia lhe tornara dócil aos afazeres da empatia e os livros ensinaram a compreensão genérica de como se constitui um grupo social. Ser-eleitor é um fato que nasce da cidadania. O ser político, para Oleg, sempre seria maior que o eleitor. Cidadania é uma caminhada na eternização de direitos, enquanto o voto é um passo vigoroso da caminhada.
Oleg e Orif tinham concordâncias e desencontros, diferenças e inquietudes. Por cidadania, se respeitavam nas diferenças e se confundiam nos direitos mútuos. Não entendiam como alguém, após votar, teria que esperar para ser importante somente em uma próxima eleição. Não entendiam como, depois de eleito, o político ganhava independência do eleitor. Naquele momento, ao invés de se projetar direitos, o voto seria projeção de luz que acende e apaga e mais confundia o caminho do que clareava a política. O voto tem consequências públicas e coletivas, muito embora seja um ato sigiloso e particular. Do voto se extrai educação e saúde, planejamento e organização, ética e justiça social. O voto não apaga a luz da cidadania!
O candidato dissera que a necessidade de ser eleito serviria para defender a própria honra, mas deveria servir para fazer em nome de todos os outros e não em sua vontade de eleito. Oleg comentou que, desse jeito, a eleição serviria ao personalismo e não à cidade, ao cidadão! Era uma manhã de inverno, com frio de uma estação e sol de outra.