João: Não atrapalhando, já ajuda bastante. Quando fizemos a opção por Santos, precisávamos de um grande parceiro. Precisávamos da capacidade financeira e da capacidade técnica que o Porto de Santos nos oferecia. O porto estava quebrado, parado, sem linhas, sem carga, os trabalhadores panfletando na rua. Em pouco tempo, conseguimos fazer o porto voltar a funcionar e operar com um volume de cargas bastante interessante. Acho que foi um acerto. Nosso faturamento supera o passivo herdado e as despesas correntes do mês. Começamos a reivindicar uma certa autonomia gerencial também. No ano passado, no apagar das luzes, foi firmado um convênio com o município para aproveitar a mão de obra e a estrutura da SPI. Esse convênio dava liberdade para que a SPI continuasse funcionando. A diferença era que a indicação para os cargos comissionados vinha do governo federal. Depois que fui convidado, demorou três meses para que eu assumisse. Ficou uma demora, um vácuo, sem superintendente. O [André] Bonini foi nomeado de forma interina e, três meses depois, me chamaram. Antes que eu chegasse ao porto, foi firmado um segundo termo aditivo com a prefeitura e, realmente, amarrava muito as atribuições do superintendente, nos tornando muito dependentes de Santos. Esse segundo termo não haverá com a Codeba. Essa é a garantia de que teremos mais liberdade. [Por que havia necessidade do segundo aditivo e agora não mais?] Eu não estava lá e não concordei com isso. Sei que isso dificultou muito, porque algumas questões que poderíamos resolver em Itajaí iam para Santos e demoravam – e ainda demoram. Lembrando que temos um quadro de 75 valorosos servidores da escola do Heder, gente pós-graduada, que vive disso e tem conhecimento. Não dependemos de mão de obra alienígena para tocar o porto. Não vamos ter esse segundo termo aditivo. Além disso, o pessoal de Santos nomeou metade da equipe aqui. Isso também não vai acontecer. Eles terão um indicado, um comissionado e um servidor cedido. [Todos os funcionários cedidos ao Porto de Itajaí já retornaram para Santos?] Mudaram de status. Os diretores foram colocados em cargos mais baixos para que pudéssemos fazer a transição para a Codeba e para os novos diretores até o dia 30. A partir do dia 30 deste mês eles serão exonerados.
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"Não dependemos de mão de obra alienígena para tocar o porto"
Já existe diálogo pra definir como ficará a situação dos funcionários da SPI ligados ao município?
João: O porto precisa de gente para funcionar. Esse pessoal é quem mais conhece o porto. Temos um zelo muito grande com os funcionários e um compromisso com o Sindicato dos Trabalhadores. Criando a Docas Santa Catarina, manteremos o convênio com a SPI e vamos realizando concurso público conforme os funcionários da SPI forem se aposentando. Dessa forma, vamos preenchendo os cargos sem deixar o nosso pessoal – que está na SPI – desassistido. [Por que trocar APS pela Codeba?] A parceria com Santos acabou ficando pesada para nós. Fomos obrigados a operar fertilizantes. Oferecemos resistência a uma série de decisões que Santos queria implementar em Itajaí e com as quais nós, que conhecemos a cidade e o porto, não concordávamos. Não estou falando mal de Santos. Santos tem todo um gigantismo. Estamos falando do maior porto da América Latina, com 64 berços de atracação. Aqui, temos quatro. Aquilo que, para nós, era urgentíssimo, para eles era mais uma pauta. A Codeba é uma empresa de porte parecido com o nosso.
"A Codeba é uma empresa de porte parecido com o nosso"
A partir de janeiro, como serão transferidas as licenças e autorizações atualmente sob responsabilidade da APS, como licenciamentos ambientais, alfandegamento e ISPS/CODE, para a Codeba?
João: Temos um contrato temporário de dois anos, que foi prorrogado por mais dois, com nosso parceiro JBS. Além do arrendamento dos dois berços atualmente em operação, a JBS conseguiu o adensamento de 100% da nossa área. Nossa ideia é, antes do fim do ano, transferir o alfandegamento de toda essa área para a JBS. [Vocês eliminariam a figura de dois recintos alfandegados, ficando só com um?] Na prática, é isso. A JBS conseguiu o adensamento e pretendemos concentrar o alfandegamento em um único recinto — ampliando o que a empresa já possui — o que nos dá uma certa tranquilidade. Nesse aspecto, o controle de acesso da JBS é muito melhor do que o nosso.
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"O porto público tem uma missão que vai além do ganho do seu titular: geração de emprego e distribuição de renda"
O adensamento dos berços 3 e 4 pela JBS não configura uma forma velada de privatização?
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João: Desde 1993, o poder público não explora diretamente a atividade portuária no território nacional. Isso não é uma invenção nossa, nem uma decisão tomada por nós. E como é que se explora? Por meio de empresas públicas ou arrendatários. Estamos trabalhando na criação de uma empresa pública. No governo Bolsonaro, nenhuma foi criada. No governo Lula, a única em gestação é a nossa. Para ilustrar a diferença entre o que é público e o que é privado: você não verá nenhum navio de cruzeiro atracando em Navegantes. Tampouco verá navios de carga geral em Navegantes ou Itapoá. Por quê? Porque a atividade de contêiner é mais rápida, mais rentável, mais eficiente e tem maior retorno de ICMS. Essa é a diferença de um porto público. [Qual espaço a carga geral ocupará?] A carga geral pode ocupar qualquer um dos quatro berços. Quando a JBS conseguiu o adensamento, assumiu o compromisso de manter a operação da carga geral.
"Temos um modelo de concessão do canal que deve ir ao mercado em fevereiro"
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Sobre os contratos vigentes, em especial o de dragagem, como a Codeba pretende garantir a renovação e os pagamentos?
João: O pagamento quem garante somos nós, com o nosso faturamento. Santos nos adiantou R$ 28 milhões dos R$ 50 milhões que herdamos em dívidas. O restante fomos pagando, e já estamos amortizando inclusive os R$ 28 milhões antecipados por Santos. Agora, temos que realizar a concorrência para a exploração. Temos um modelo de concessão do canal que deve ir ao mercado em fevereiro. Mas não podemos depender apenas disso, porque será só a partir de fevereiro. Vamos fazer a licitação. Já pedi isso a Santos em três expedientes — pedi que fizessem ou que me deixassem fazer. Não fizeram e também não permitiram que eu fizesse. Agora, eu vou fazer.
"Se não tivéssemos herdado o passivo que herdamos, teríamos hoje, segundo a APS, mais de R$ 60 milhões disponíveis para investimento no caixa do porto — só considerando o período em que estou à frente da administração"
Como será feito o pagamento ou ressarcimento dos investimentos e passivos assumidos pela APS em Itajaí, como precatórios e custos com dragagem?
João: As contas estão em dia. Se não tivéssemos herdado o passivo que herdamos, teríamos hoje, segundo a APS, mais de R$ 60 milhões disponíveis para investimento no caixa do porto — só considerando o período em que estou à frente da administração. Tudo parte da dragagem. É uma atividade que dá lucro, não prejuízo. [Aproximadamente R$ 18 milhões é a atual receita do porto...] Já chegamos a R$ 22 milhões, já foi R$ 14 milhões, mas uma média seria essa. [As receitas atuais são suficientes para cobrir custos fixos como dragagem, folha de pagamento e demais despesas operacionais?] E também as dívidas herdadas e os precatórios. Sem contratar ninguém. Sem realizar nenhuma obra estruturante. A parceria com a JBS tem sido muito importante. Fazendo o ordinário, o porto anda com as próprias pernas. O governo do estado fez um grande investimento na nova bacia de evolução, e ali foi descoberto o soçobrado navio Pallas. Devemos confirmar, nos próximos dias, a contratação da Univali. É esse soçobrado que hoje impede a operação regular de navios de 366 e 400 metros.
"Tudo isso está atrasado porque herdamos um porto quebrado, parado, com dívidas, precatórios vencidos e não pagos, sem dinheiro para a folha de pagamento, sem recursos para pagar fornecedores, manter o alfandegamento, renovar as licenças ambientais, sem dinheiro para nada"
Além do Pallas, a APS havia anunciado investimentos de R$ 844 milhões, com aquisição de novas áreas, dragagem e modernização (VTMI). A Codeba dará continuidade a esses investimentos?
João: Absolutamente, até porque a maioria desses investimentos não dependia de Santos. O adensamento dependia muito mais da JBS e de nós — e já está em andamento. As aquisições estão sendo feitas por nós e pelo município. Já tem bastante coisa resolvida, e muitas outras ficarão a cargo da empresa que vencer a concessão. Porque não se trata de dinheiro que sairia do caixa de Santos para ser aplicado aqui. [Não corremos o risco de repetir o que aconteceu no final do governo anterior, quando tudo estava encaminhado para o edital definitivo...] Temos quatro frentes: os investimentos que precisam ser feitos, a concessão do canal, a concessão do porto e a criação da empresa pública. Tudo isso está atrasado porque herdamos um porto quebrado, parado, com dívidas, precatórios vencidos e não pagos, sem dinheiro para a folha de pagamento, sem recursos para pagar fornecedores, manter o alfandegamento, renovar as licenças ambientais, sem dinheiro para nada. Provavelmente, não conseguiremos realizar o arrendamento definitivo antes do meio do ano que vem.
Que garantias existem de que eles não comprometeram o trabalho dos operários da carga geral? Lembrando que os navios de passageiros têm prioridade nas atracações...
João: A prioridade para atracação de navios de passageiros é uma imposição de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Nosso porto é diferente dos demais em SC. Só o nosso porto tem essa capacidade. É difícil imaginar que o local de atracação em BC, por exemplo, consiga suportar entrada e saída de suprimentos no centro da cidade. Além disso, temos um novo terminal a ser construído. Há uma Oscip na cidade que já presenteou o município com outros projetos estruturantes e que me procurou assim que assumi. Eles disseram que apresentarão o projeto, e estamos aguardando para lançarmos a licitação. A área destinada é a do CCP, ao lado da Marejada. [O porto mantém um bom relacionamento com o município?] Nossa mão sempre esteve estendida ao município. Temos compromisso com a cidade. Lembrando que mantivemos a mão estendida: pagamos a folha, pagamos os precatórios, assumimos todo o passivo — uma conta que não era nossa, era do município. Se o governo federal quisesse federalizar o porto, como é sua atribuição, e não acolher a mão de obra, não pagar os precatórios, não arcar com a folha de pagamento, ele poderia ter feito isso sem nenhuma consequência para si. A parceria por parte do governo federal sempre existiu, porque o exemplo do presidente Lula, o exemplo do Décio Lima, nunca foi o de fazer exceção com base em quem está no cargo.
"Se o governo federal quisesse federalizar o porto, como é sua atribuição, e não acolher a mão de obra, não pagar os precatórios, não arcar com a folha de pagamento, ele poderia ter feito isso sem nenhuma consequência para si."
A deputada Ana Paula Lima o citou como possível nome para a Alesc. O senhor é pré-candidato a deputado estadual?
João: Ter meu nome lembrado pela deputada Ana Paula Lima é algo lisonjeiro. Qualquer um de nós — seja aqui, no Ministério do Trabalho, nos Correios ou em outros órgãos — que ocupa um cargo de gestão ou político no governo federal, precisa estar à disposição do presidente ou do partido para o desafio que surgir. Quando recebo um desafio, procuro dar o meu melhor. Sou grato pela menção da deputada. Se for convocado pelo presidente, pelo Décio ou por ela, estarei à disposição. Mas, hoje, meu compromisso é com as entregas que o porto precisa. [Caso seja candidato, quem deve assumir a gestão do porto público no seu lugar?] Hoje, se eu tiver a prerrogativa de indicar, o nome é o do 02 do porto, Celso Zuchi. Ele foi funcionário de carreira da Petrobras, é um empresário bem-sucedido, pai de família honrado, foi três vezes prefeito de Gaspar e, atualmente, é meu diretor administrativo-financeiro.