Você nasceu e já havia um mundo ali, aparentemente organizado, supostamente pronto para receber você. Com o primeiro choro você se revela à vida. Nos primeiros anos tudo parece existir porque você está ali. Pessoas lhe declaram amor de muitas maneiras: carinhos, cuidados, conversas, proteção, afagos... Visitas carregam o propósito da importância de sua existência: “como é linda a criança”. No primeiro ano de vida, presentes, comidas, aconchegos, convidados, e uma festa porque você está ali. Você agora tem mais brinquedos, ocupa seu tempo com seus desejos, requer a atenção integral que sempre lhe foi dada. Você é uma dádiva e sua existência é, pela experiência de um ano de idade, o fenômeno pelo qual o mundo existe.
Por vezes surge uma palavra de modo recorrente que até então você ouvira pouco: “não”. O mundo das pessoas parece ter mudado. Você descobre que as pessoas também têm sua própria vida e suas próprias necessidades. “Agora não vai dar”, “Espere um pouco”, “Isso não pode”, “É hora disso ou daquilo”. Você inicia sua trajetória de ser social, e o mundo que lhe servia como escravo agora é o Rei. Você se transformou, seus dentes apareceram, suas roupas são outras, e o mundo está além de você!
Com o passar do tempo você começa a entender que aquele mundo que havia para cumprir os seus desejos inicia um novo tempo: você tem horários a cumprir, outras pessoas aparecem diante de você, sua casa não é mais o único lugar onde você passa o tempo e você precisa compartilhar brinquedos, carinhos, comidas... De repente o mundo não é somente para você! Você é obrigado a se integrar a novas regras: horários, banhos mais rápidos, alimentação em horários determinados, hora para brincar. De agora em diante o mundo que era para você e por você se vira ao contrário e passa a determinar sua vida.
O tempo que você vive já não é sua escolha. A quantidade de “nãos” aumenta extraordinariamente! Você fica atônico, meio tonto. Você vai à escola para ser educado. Você não tem escolhas! Você foi escolhido para cumprir tarefas. Você tem deveres a cumprir todos os dias, em todos os momentos. Há uma inquietação em você: haverá uma luta entre o seu egoísmo natural e sua adesão obrigatória ao mundo social. A conversão do adolescente a adulto!
A escola vai realizar a função de lhe integrar ao mundo, e você nem sabe como vai ser exatamente. Depois disso, ao crescer, suas realizações estarão datadas, os resultados serão avaliados, e você vai acessar o sistema de trabalho. As tarefas e deveres que você aprendeu a cumprir serão praticados em variados sistemas sociais.
Você ganha de presente um relógio que sugere que você controla o tempo. Mas funciona ao contrário: o tempo não é exatamente para você, mas a declaração mais imponente do controle social sobre seu corpo, suas tarefas, atos, deveres, comportamentos. O tempo é o “senhor dos dias”. O tempo contabiliza sua vida. O que você carrega no pulso como indumentária é o símbolo mais intenso de que você foi convertido em ser social, digno de seu trabalho, instrutor dos reconhecimentos.
Mais um pouco e você recebe um conjunto de cartões de identificação e se torna eleitor. Agora você é responsável pelas coisas que vão acontecer em seu município, em seu estado e em seu país. Responsabilidade compartilhada, mas não diminuta! Você foi “engolido” pelo mundo! A revelação de sua vida não será pelo choro primordial!