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Pesadelo “tupiniquim”


Era uma daquelas típicas manhãs de outono... Manhãs em que o tempo parece parar. O silêncio só era quebrado pelos passarinhos, se deliciando com as frutas no pomar. Foram eles, os passarinhos, que me motivaram a cavar a terra e a plantar as mais variadas mudas de árvores frutíferas no quintal. Intimamente, sonhava com a companhia deles. Sentado em uma cadeira de balanço, com a janela entreaberta, eu observava. Estávamos sozinhos no mundo!

A paz era tanta que comecei a cochilar, enquanto um casal de sabiá ensaiava a dança do acasalamento.

...

- Juíza: Declaro aberta a sessão deste Tribunal do Júri. Senhores, queiram ocupar seus lugares. Com a palavra a promotora de acusação.

- Promotora: Senhores, senhoras, meritíssima juíza, senhores jurados. O que buscamos aqui, hoje? Buscamos fazer com que a justiça prevaleça. E a forma de fazermos com que a justiça prevaleça é expormos a verdade à luz. Trazer à tona a verdade, resgatando-a do pântano escuro e profundo das dissimulações. Esse é o meu papel. Pretendo demonstrar ao júri, que o réu Ascânio Assunção é culpado.

- Advogado de defesa: Protesto, meritíssima.

- Juíza: Protesto negado. Prossiga, promotora.

- Promotora: Obrigada, meritíssima. Dizia... Que o réu é culpado. Por um capricho meu? Não! O réu é culpado por estar impregnado de boas intenções, como pretendo demonstrar aos senhores jurados.

- Juíza: Com a palavra o advogado de defesa.

- Advogado: Senhores; senhoras; meritíssima juíza e senhores jurados. Vamos pensar juntos. Quero pensar...

- Juíza: Com a palavra a promotora.

- Advogado: Mas, meritíssima, eu mal comecei a falar...

- Juíza: O senhor disse claramente: “Quero pensar”. Enquanto o senhor pensa, a promotora fala. Com a palavra a promotora de acusação.

- Promotora: Obrigada, meritíssima. Convido para depor, perante os membros deste Tribunal do Júri, a primeira (e única) testemunha do dia. Sr. Prudêncio, por favor, queira ocupar o seu lugar. Antes de dirigir-me ao Sr. Prudêncio, devo fazer uma breve elucubração: vivemos em tempos negros. A escuridão brota das fendas enfumaçadas da terra, encobrindo o céu e assassinando o sol. Este é o cenário que temos. A paisagem que merecemos. A parte que nos toca neste butim. Por quê? Evidentemente, porque somos seres inconclusos! Não atingimos, ainda, o estágio evolutivo que nos é reservado. O Sr. Ascânio Assunção esta sendo julgado porque inviabiliza nosso presente, antecipando nosso futuro. Um futuro onde todos seremos bons. Quer subverter a ordem. Não somos bons. Não, ainda! Por isso, todo o meu empenho pela sua condenação. Sr. Prudêncio, ouvi dizer que o senhor é uma pessoa prudente. E é bom que seja mesmo. Vou lhe fazer uma pergunta e espero prudência em sua resposta. Ou então vou ficar muito zangada. Não sou uma pessoa boa. Não somos bons. Sr. Prudêncio, o senhor conhece o réu? Fale-me sobre ele, por favor.

- Advogado: Protesto, meritíssima.

- Juíza: Protesto negado. Que fale a testemunha.

- Testemunha: Sim, conheço o réu. Trata-se de pessoa de bem. Ético, solidário, fraterno, amigo, enfim. Tem um sonho. Desenvolver uma espécie de “rede social” para amparar as crianças abandonadas. Na outra ponta, planeja, com o apoio da sociedade civil organizada, fortalecer nossas instituições. É extremamente obsessivo. Sua obsessão? Um país livre de políticos corruptos, “sanguessugas” do dinheiro público. Que Deus o proteja. Era o que eu tinha a dizer, promotora.

- Promotora: Obrigada, Sr. Prudêncio. Estou satisfeita, meritíssima.

- Juíza: Com a palavra o advogado de defesa.

- Advogado: Obrigado, meritíssima. Eu não quero...

- Juíza: Com a palavra a promotora.

- Advogado: Protesto, meritíssima. Eu não concluí...

- Juíza: Eu lhe dei a palavra e o senhor disse claramente que não queria. Se o senhor não quer, a promotora quer. Com a palavra a promotora de acusação.

- Promotora: Obrigada, meritíssima. Senhores jurados, o que dizer sobre isto? Os senhores ouviram o relato da testemunha. O Sr. Prudêncio, imprudentemente, acabou por fazer uma defesa apaixonada do réu. E... acabou por comprometê-lo ainda mais. Vou ser breve. Do que estamos tratando, aqui? Lembrem-se de que a criminalização do virtuosismo do réu é, exatamente, a razão de ser deste julgamento. Portanto, o réu foi acusado pela própria testemunha. E será julgado pelos senhores. Resta-me pedir a sua condenação. Obrigada.

- Juíza: Silêncio! Ordem no tribunal. Vou ter que evacuar... Silêncio! Repito: vou evacuar. Ordem no tribunal. Peço aos jurados que se retirem para deliberar. A sessão deste Tribunal do Júri está suspensa, até que os jurados deliberem.

- Juíza: Já temos o veredicto. O réu Ascânio Assunção foi considerado culpado. Conforme decisão soberana do júri, o réu foi condenado a ingerir, durante seis meses, três vezes ao dia, uma colher de sopa de emulsão Scott. Exatamente. Aquele óleo extraído do fígado do bacalhau.

Nãããã... Nããã... Isso não, meritíssima! Nãããão...

Banhado em suor, despertei; enquanto um casal de bem-te-vi ensaiava a dança do acasalamento.

* o autor é jornalista


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