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A cultura do chimarrão


Cultura é o conjunto de conhecimentos, crenças e costumes adquiridos pelo homem no convívio com a sua comunidade. A cultura alimenta o homem e ao mesmo tempo é alimentada por ele.

É assim com o chimarrão. No Rio Grande do Sul, é costume até certa idade os filhos ficarem excluídos desse ritual cultural composto pela bebida amarga que passa de mão em mão entre os adultos, normalmente dispostos em círculo, conhecido como “roda” de chimarrão.

Para as crianças, o chimarrão é preparado com leite e canela para vagarosamente acostumá-las ao sabor da erva mate. Normalmente, após os 10 anos de idade, as crianças são incluídas na “roda” de chimarrão adulta, o que lhes confere “maturidade cultural” para entender o ritual. Essa inserção é um momento de muito orgulho para pais e filhos.

A minha inserção ocorreu pelos meus avós, por volta dessa idade. Lembro-me bem do dia em que minha avó, ao final da tarde, anunciou que no dia seguinte eu deveria tomar mate com eles. Era o momento mais esperado na minha vida, aquele em que finalmente eu seria “reconhecido como um adulto”.

Passei a noite em claro, esperando ansiosamente por um ávido raio de luz que entrasse pelas frestas da parede de madeira me trazendo a manhã seguinte. A primeira centelha de sol mal apontou no horizonte, clareando o canto do meu quarto e dando movimento ao quarto ao lado, e eu, com olhos arregalados, já queria sair da cama.

Ouvi os passos suaves da minha avó seguidos pelos do meu avô. Com os olhos inchados por uma noite ansiosa de insônia, saí da cama para preparar-me para o momento sublime.

Minha avó fazia perguntas como “dormiste bem?” e “sonhaste com o quê?”, mas eu não conseguia responder, não me permitia pensar em nada que não fosse em como pegar a cuia, o que conversar. Afinal, estavam me reconhecendo como um “adulto”. Não podia me mostrar nervoso, mas não conseguia esconder a aflição.

Os primeiros minutos se passaram, e a “roda” composta por mim, meus avós e um tio se formou. O primeiro mate do meu avô, o segundo da minha avó. Eu, suando frio. Chega o terceiro para o meu tio e, quase que imediatamente, ouço-o puxando o último gole fazendo a cuia “roncar”. Estava na hora: aqui e agora se separam os homens dos meninos.

A sensação era a mesma que Roberto Baggio, dois anos depois, sentiria ao bater o pênalti da final da Copa de 1994, entre Itália e Brasil. Mas eu não poderia errar, seria rebaixado a condição de criança novamente. Não queria mais tomar mate de leite. Queria ser o mais novo adulto da família.

Meu avô serviu o chimarrão e estendeu sua mão direita entregando-me a bebida quente. Estiquei a minha mão suavemente tocando as curvas da velha cuia morena, agarrando-a logo em seguida. Juntei-a ao peito e sorvi aquele mate esquentando o corpo e a alma.

Aquele momento me fez entender o que é cultura, para que ela serve e como ela mexe conosco. Eu alimento essa cultura até hoje da mesma forma que ela me alimenta.


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