PRESERVAÇÃO
Engenho de farinha mantém viva tradição centenária em Balneário Camboriú
Último engenho artesanal da cidade será desmontado e reconstruído para preservar história e cultura local do aniversário de BC
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]




A produção de farinha de mandioca é uma tradição milenar herdada dos povos originários, aprimorada no Brasil pelos colonizadores açorianos que povoaram o litoral. Em Santa Catarina, os engenhos de farinha tiveram papel importante entre os séculos 19 e 20 e, em casos raros, resistem ao tempo — até mesmo em cidades como Balneário Camboriú, uma das mais urbanizadas do país.
O historiador Isaque Borba Corrêa lembra que, no início da colonização da cidade, era comum que famílias de posses tivessem seu próprio engenho. “Havia muitos engenhos em Balneário Camboriú. Além das praias agrestes, que viviam da pesca e da agricultura de subsistência, a cidade tinha engenhos em várias localidades, como Barra Sul, Ariribá e o canto da praia”, relata.
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Isaque conta que, inclusive, as famílias de seus avós maternos e paternos tiveram engenhos de farinha em Balneário Camboriú. “Cheguei até a trabalhar em um dos engenhos de meu pai, no Ariribá, próximo à fonte de água mineral Rio do Ouro”, relembra.
Hoje, resta apenas um: o engenho da família Alexandri, no bairro Taquaras, preservado há mais de um século. A produção, ainda que modesta, segue ativa. Parte da farinha é distribuída entre familiares e amigos, mantendo viva a tradição do patriarca da família. O restante é vendido por Eulália Maria Alexandri, a dona Lala, de 67 anos, que vê muita gente da região ir até o bairro só para adquirir a iguaria.
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Mudança de lugar para manter a tradição
No entanto, o engenho está parado desde 2023. Parte do telhado cedeu e a estrutura, espremida entre construções residenciais, será desmontada e reconstruída numa área pública próxima, onde também está a Associação de Moradores de Taquaras. “O pessoal da prefeitura já esteve aqui. Vamos desmontar e remontar exatamente como ele é, para continuar nossa produção e a tradição do engenho”, conta Lala.
Ela e o marido, Raul Alexandri, de 74 anos, nasceram e cresceram em Taquaras, filhos de agricultores e pescadores. O engenho pertencia ao pai de Raul, mas a família de Lala também mantinha tradição na produção. A fabricação acontece uma vez por ano, durante a colheita da mandioca. Até 2022, o casal ainda cultivava parte da matéria-prima, mas por restrições ambientais, hoje compra todo o tubérculo.
Para produzir cerca de cinco sacas (aproximadamente 250 kg), é necessário processar uma tonelada de mandioca. A produção anual varia entre 500 e 600 quilos. A mão de obra é familiar: quem ajuda fica com parte da farinha e a revende em casa. Mas esse grupo vem diminuindo com o tempo. “Muitas pessoas faleceram, outras seguiram outros caminhos. Somos poucos tocando o engenho”, lamenta Lala.
A última safra foi em 2023. A próxima está prevista apenas para 2026, após a reconstrução. O engenho é o último em funcionamento na cidade e guarda mais do que uma técnica centenária: preserva a identidade de Taquaras. “Muitas famílias venderam suas terras, outras foram para a pesca. As novas gerações estudaram, buscaram outras profissões. E muitos que tinham essa tradição já partiram”, diz Lala.