COMUNIDADE QUILOMBOLA

BC tem área remanescente de quilombo mais antiga que a cidade

Moradores descendentes de escravizados ocupam área no atual bairro Nova Esperança

Primeiras famílias chegaram nos anos 1950; reconhecimento oficial só veio em 2023 (Foto: João Batista)
Primeiras famílias chegaram nos anos 1950; reconhecimento oficial só veio em 2023 (Foto: João Batista)
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Balneário Camboriú tem uma comunidade quilombola mais antiga que a emancipação da própria cidade e a abertura da BR 101. A rigor, o reconhecimento oficial da área de 10 hectares como remanescente do Quilombo Morro do Boi veio só em 2023, com a regularização fundiária pelo Incra, mas a ocupação se formou a partir dos anos 1950, por descendentes de negros escravizados, em lugar conhecido como Rua dos Negros, hoje bairro Nova Esperança.

Os primeiros moradores eram de famílias vindas de outras comunidades negras da região, como do Quilombo Sertão do Valongo, no interior de Porto Belo. Alguns relatos dão conta que os moradores mais antigos teriam chegado no morro em 1956. Os pais deles tinham vivido a escravidão. Não há registro documental dessas famílias, dependendo muito da memória dos moradores.

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A comunidade foi se formando com novos grupos e hoje chega a 11 famílias, com cerca de 30 pessoas da população quilombola. O reconhecimento da área como terra de Quilombo começou em 2007, com a mobilização de moradores e a criação da Associação Quilombola Morro do Boi pra tocar os trâmites. A luta foi liderada pelos filhos de Margarida Leodoro, matriarca da comunidade que faleceu em fevereiro, aos 93 anos.

A primeira presidente da entidade foi Sueli Marlete Leodoro, uma entre os 10 filhos da matriarca e que está de volta à liderança da comunidade. A família Leodoro foi pioneira no local. Sueli diz que a bisavó Catarina, que teria falecido com 110 anos, e o bisavô, teriam sido os primeiros moradores. O nome do pai de Sueli, Almiro Leodoro, nativo do morro, identifica a rua da comunidade, que adentra o morro a partir da BR 101.

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Da certificação ao reconhecimento

O primeiro avanço no processo de reconhecimento veio em 2009, com a Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, dando o “Certificado de Autodefinição” como remanescente de Quilombo conforme o autorreconhecimento dos moradores. O processo seguiu com identificação dos imóveis pra regularização fundiária até a titulação pelo governo federal, em 2023, garantindo a posse da terra às famílias quilombolas e o acesso a serviços públicos.

A autossuficiência foi base da comunidade, com atividade agrícola, uso de recursos naturais e artesanato, mas hoje as famílias vivem do trabalho na cidade, como em mercados, hotéis e restaurantes. Sueli é merendeira da rede municipal e trabalha na escola de Taquaras. Ela ainda faz as bonecas Abayomi, um símbolo da cultura negra e marca da raiz africana da comunidade do Morro do Boi. A confecção atende encomendas e são vendidas em feiras e eventos.

As plantações perderam espaço após a construção da BR 101, em 1970, que dividiu o Morro do Boi, desapropriou terrenos e facilitou o acesso pra exploração de pedras. As obras de duplicação da BR e do túnel do Morro do Boi, a partir de 1997, também impactaram a comunidade, com a ampliação da retirada de granito, encerrada só em 2007, e com danos nas casas, até hoje com indenizações pendentes.

Famílias descendem de casal escravizado

Conforme o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (Rtid), documento do Incra pra regularizar territórios quilombolas, a área do Morro do Boi coincidia com parte da APA Costa Brava, um terreno particular e com o traçado da BR 101. O estudo sobre as características sociais e históricas do local indica que as famílias residentes descendem do casal de escravizados Delfino e Joaquina.

No período pós-abolição da escravidão, eles ocuparam as proximidades do antigo caminho do Morro do Boi. A propriedade dos escravizados, que possuíam o mesmo sobrenome de quem foi seu senhor até 1874, consta no inventário de João Machado Airoso, dono de terras de Tijucas e na região do Morro do Boi, e nos registros de batismos das paróquias locais.

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Segundo estudo da Udesc, o nome Morro do Boi é visto em documentos oficiais, pela primeira vez, em carta do presidente da Câmara de Florianópolis, datada de 1835, em referência à estrada ligando Porto Belo ao povoado de Camboriú. Pertencente ao distrito de Tijucas, no século 19, Porto Belo foi o local de onde migraram, para o Morro do Boi, Delfino e Joaquina, ascendentes dos atuais moradores da comunidade quilombola.

Famílias seguem na luta por obras e serviços 

Após o reconhecimento da área, a comunidade segue na busca por melhorias do município. Sueli destaca que as conquistas são lentas e demandam cobrança contínua. Com a nova gestão da prefeita Juliana Pavan (PSD), a associação ainda espera por uma reunião pra apresentar as principais necessidades, o que é esperado pro segundo semestre.

“De 2023, pra cá, a gente teve mais reconhecimento, com a titulação de ponto de cultura, o que é muito importante pra nós e pra própria cidade, mas é uma luta constante. Entra gestão [municipal] e sai gestão e não funciona muito bem para nós. A gente fica à mercê dos prefeitos da cidade”, diz Sueli.

Entre as prioridades está o asfalto da rua, que tem só o trecho inicial pavimentado. A obra foi prevista no plano de governo da prefeita durante a campanha eleitoral. “A gente está esperando pra conversar com ela pra ver essa questão. Porque não é só fazer asfalto, precisa arrumar bem essa rua pra não ter problemas”, conta. 

Outra necessidade é ampliar o transporte público. O trajeto passa na BR 101, sem entrar na comunidade, da linha que vai até o Estaleirinho. Sueli relata que pega o primeiro horário da manhã, às 6h, mas não tem opção pra voltar pra casa ao sair do trabalho, às 13h, em Taquaras. A alternativa é com carona, a pé, mototáxi ou app.

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As mesmas dificuldades são enfrentadas por outros moradores. “Os horários são horríveis e não atendem à demanda da comunidade. Porque nem todo mundo trabalha no centro de Balneário. Todos trabalham nos bairros, então tinha que ter linhas que passassem pelo Nova Esperança e pelo Estaleiro”, destaca.

Com o credenciamento da associação como ponto de cultura, a comunidade também reivindica a construção de um espaço pra abrigar a sede da entidade e pra realização de reuniões, eventos, oficinas e outras atividades. Há um terreno para a obra, mas a viabilização do projeto esbarra na falta de recursos. 

Apesar das dificuldades e desafios, Sueli gosta da correria em busca de melhorias pra comunidade, com participação em reuniões, organização de atividades e mobilização das famílias. Segundo ela, sem nenhuma cobrança aí é que os avanços não virão. “Acho que, se eu parar, eu morro. Eu acho que é uma coisa boa de estar em reuniões, discutindo, batendo boca com políticos. Isso faz parte da luta”, afirma. 

Remanescentes de comunidades quilombolas

De acordo com o decreto federal 4.887/03, os remanescentes das comunidades dos quilombos são grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica. Em Santa Catarina, segundo pesquisa da UFSC de 2023, são 19 comunidades reconhecidas. O Censo 2022, do IBGE, registra 4447 quilombolas no estado, distribuídos em 28 municípios, entre eles Balneário Camboriú, com 40 pessoas.

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