Zaara não fala, mas quem a conhece sabe que ela sente. Sente o cheiro do perigo, o desespero de uma família, a urgência de um resgate. Mas sente também o cansaço, o peso das tragédias e, principalmente, o vínculo com quem esteve ao seu lado em cada missão. Depois de nove anos de atuação nas maiores ocorrências do país, a cadela do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC) se despede da linha de frente e entra em uma nova fase com tranquilidade ao lado do sargento Carlos Alexandre de Souza, que contou com exclusividade ao DIARINHO os bastidores dessa trajetória marcada por coragem e companheirismo.
Continua depois da publicidade
A decisão foi tomada com planejamento. Em novembro, Zaara completa 10 anos — idade limite para cães operacionais da corporação. “Para manter a sua saúde atual e seu bem-estar foi optado em afastar ...
A decisão foi tomada com planejamento. Em novembro, Zaara completa 10 anos — idade limite para cães operacionais da corporação. “Para manter a sua saúde atual e seu bem-estar foi optado em afastar a Zaara da atividade operacional de busca e resgate. Mas ela continua trabalhando na instituição realizando a missão de cinoterapia e projetos sociais”, explica o sargento.
Continua depois da publicidade
Quando tudo começou
Desde os três meses de vida, quando foi adotada por De Souza, Zaara passou por treinamentos diários e ganhou destaque nacional e internacional por sua atuação. Foi pioneira ao integrar o Grupamento de Busca e Resgate com Cães da 3ª Companhia do CBMSC, em Brusque, onde conquistou sua primeira certificação em 2018, após uma prova técnica realizada em Três Barras. Ela é filha do lendário cão Ice, o primeiro salva-vidas canino de Santa Catarina, que atuava em Itajaí. Os irmãos de Zaara — Chewbacca, Barney e Bravo — também se tornaram cães de busca em outras cidades do estado.
Com o sargento Carlos, Zaara viveu treinos intensos, alojamentos improvisados, voos comerciais — foi a primeira cadela de segurança pública autorizada a embarcar ao lado do condutor em missão oficial — e de muitas noites sem dormir. “A Zaara sempre foi um ser que entrou em minha vida para me transformar pessoalmente e profissionalmente. Evoluímos juntos durante toda esta trajetória. E continuará ao meu lado e da minha família recebendo todo amor, atenção e assistência que necessita até o final de sua vida. Com total merecimento por tudo o que ela fez e continuará fazendo.”
Continua depois da publicidade
Missões que marcaram
Entre as muitas ocorrências, duas missões ficaram marcadas: o desastre de Brumadinho (MG), em 2019, quando Zaara atuou por nove dias ao lado do sargento no resgate de vítimas da barragem da Vale, e as operações no Rio Grande do Sul. Ela também esteve presente nas chuvas de Petrópolis (RJ), em enchentes em Pernambuco, no ciclone bomba que atingiu Presidente Getúlio e Rodeio, em SC, além de outras tragédias nacionais.
Em uma das ações, Zaara surpreendeu a equipe ao localizar uma senhora desaparecida em apenas 15 minutos, em Botuverá. Para De Souza, foi mais uma das muitas provas de que ela sempre ultrapassou o que se espera de um cão de resgate. “Ela dava o melhor, em qualquer cenário.”
Laço além do serviço
Houve também os bastidores. Os momentos de silêncio e cansaço em que um sustentava o outro. Em terrenos desafiadores e condições extremas, a conexão entre os dois era mais do que treinamento. “Nas operações de grandes desastres em que ficamos dias trabalhando juntos, eu e a Zaara nos mantemos fortes e unidos, um dando força ao outro. Pois se eu demonstro cansaço e desânimo, ela sente. Sempre tenho que manter os cuidados da saúde e cuidados após a operação para ela estar pronta para atuar e estar bem para o próximo dia de missão. Com esta sinergia, eu e ela sempre demos forças um para o outro.”
Nova missão, mesmo propósito
Com a aposentadoria da função de busca e salvamento, Zaara passa a integrar ações de cinoterapia e projetos sociais do CBMSC. O ritmo agora é outro, respeitando seus limites. Mas o propósito de ajudar continua. “Sentimentos de missão cumprida, de objetivo alcançado. Vazio, tristeza, sim, por saber que ela não estará mais no cenário operacional. Mas feliz e grato por tudo o que ela fez e continuará fazendo. E agora minha missão é continuar a dar à Zaara todo amor, carinho, respeito e assistência que ela necessitar até o final de sua vida.”
Uma lenda do CBMSC
Zaara encerra o ciclo como uma das cadelas mais importantes da história da corporação. Reconhecida internacionalmente, possui certificações da Organização Internacional de Cães de Resgate (IRO), além de títulos nacionais e estaduais. Para o CBMSC, ela deixa um legado de referência. “Zaara representa um exemplo inspirador de amor, bravura e lealdade. Uma verdadeira veterana que deixa um legado inestimável para o CBMSC e para todo o Brasil”, afirmou o major Alan Delei Cielusinski, presidente da Coordenadoria de Busca e Resgate de Salvamento com Cães.
Legado garantido
Para o sargento De Souza, a história não termina aqui. “Onde conseguimos chegar foi tudo graças a Deus, ao nosso esforço, ao apoio da minha família, a inúmeras pessoas que nos ajudaram e nos apoiaram de uma maneira ou de outra. O que mais me emociona e me deixa feliz é saber que a Zaara conseguiu fazer a diferença na vida de tantas pessoas e em variadas ocorrências e cenários. Acredito com certeza que ela abriu caminhos para outros cães e condutores em Santa Catarina.”