Denúncias
Transferências de mais de R$ 1 milhão em negociação de futuras licitações de BC e Camboriú
Áudios vazados após a prisão de um suposto operador do esquema com R$ 100 mil em dinheiro, envolvem a família Pavan e viraram notícia nacional
Franciele Marcon [fran@diarinho.com.br]
Conversas de WhatsApp entre o empresário Glauco Piai, preso durante uma operação da Guarda Municipal de Balneário Camboriú com R$ 100 mil em dinheiro, e o ex-senador, ex-governador, ex-prefeito de BC e atual candidato à prefeitura de Camboriú, Leonel Pavan (PSD), revelam um suposto esquema de corrupção envolvendo futuros contratos com as prefeituras de Balneário Camboriú e Camboriú. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SC) informou que ainda não recebeu representação sobre o assunto. O promotor Alan Boettger, do Ministério Público, também não recebeu a denúncia oficialmente.
O esquema, segundo a denúncia, teria como objetivo arrecadar dinheiro para o caixa 2 das campanhas de Juliana Pavan (PSD) e Leonel Pavan (PSD), candidatos à prefeitura de Balneário Camboriú e Camboriú, e que lideram pesquisas eleitorais divulgadas nas duas cidades.
Glauco,apontado como o operador do suposto esquema criminoso, foi preso na semana passada com R$ 100 mil, transitando em uma Land Rover na avenida do Estado Dalmo Vieira, no centro de Balneário Camboriú. O celular de Glauco foi apreendido pela GM e está sendo periciado pela Polícia Civil que, até o momento, não confirmou crimes eleitorais. Após a prisão, porém, começaram a vazar conversas privadas que o empresário mantinha com sócios, empresários, políticos e candidatos da região.
Segundo as conversas divulgadas a que a reportagem do DIARINHO teve acesso, o esquema de oferta de futuros contratos das prefeituras de Balneário e Camboriú estaria em andamento desde o ano passado. A proposta seria garantir contratos ao grupo de Glauco em futuras licitações lançadas pelas duas prefeituras a partir da suposta eleição de Pavan e da filha Juliana. Os contratos negociados seriam da área de saúde, coleta de lixo, uniformes, obras, compras, TI e parcerias público-privadas em áreas públicas.
Secretário de governo
“Já consegui, isso aqui entre nós, 500 K [R$ 500 mil] pra ele [Pavan] do ‘Turquinho’, 26 de uma empresa de tecnologia e 26 de outra empresa de tecnologia. O cara da merenda eu fiz uma conversa com ele, tá vindo pra cá também. Tem você e, agora, o cara de seguros”, diz Piai em um dos áudios, enviado em fevereiro ao intermediário de um empresário de São Paulo. Na conversa, ele ainda afirma: “Eu vou ser o secretário de governo [Pavan] para garantir a promessa”.
Dinheiro e comprovante enviados ao "chefe"
Arquivos de mídia mostram comprovantes de operações em pix ou depósitos no valor de R$ 1 milhão e 100 mil da Traccia Construtora e Incorporadora, empresa de Glauco com sede na Praia Brava, em Itajaí, a familiares e à conta pessoal de Leonel Pavan.
Em uma das conversas, uma pessoa que seria sócia de Glauco lista a divisão de pastas com empresários que fazem as transferências de dinheiro: “Paulinho, gestão de creches; Felipe, obras pequenas; Thiago, parcerias/saúde; Romero, facilities; Fred, cesta básica; Emerson, uniformes; “Amiga”, seguros; Rildo, medicamentos; Miro, merenda do 5º ao 9º ano”.
A divisão das pastas é mencionada em uma conversa na qual Glauco sugere a divisão no período de transição do suposto futuro governo: “Preciso saber o que já foi para Juliana, porque a doutora Grazi está vindo para cá para deixar tudo pronto para a transição de governo,” diz.
Em outras conversas, Glauco envia comprovantes de depósitos para Leonel Pavan, chamando-o de “chefe”. Os depósitos foram feitos tanto na conta pessoal de Pavan quanto na da Leone Construtora, que pertence à família Pavan. Os comprovantes também foram enviados para outros membros da família Pavan, incluindo Edwino Reinaldo Von Borstel Neto, marido de Juliana, e Leonel Pavan Junior, filho caçula de Pavan.
Em agosto de 2024, um depósito de R$ 50.002 foi feito para a Leone Construtora. Em maio de 2024, Glauco transferiu R$ 138 mil em um único dia e complementou com R$ 12 mil no dia seguinte, totalizando R$ 150 mil em cerca de 24 horas.
Voo para conhecer áreas públicas
Também há conversas que mencionam sobrevoos com empresários sobre terrenos em Balneário Camboriú e Camboriú, com o objetivo de conhecer áreas disponíveis para futuros empreendimentos. Empresários de São Paulo e Manaus teriam participado desses sobrevoos de helicóptero, no início de 2024 com a companhia de Leonel Pavan.
Outro diálogo menciona um empresário de Manaus que é apresentado ao projeto do parque inundável de Camboriú por Glauco, que estaria envolvido na captação de contratos relacionados à futura obra. "Esta semana a Juliana Pavan pegará um projeto de uma obra... na Companhia de Água da Cidade... preciso que você tenha atestação para a empreitada... te passarei o projeto", escreveu Glauco. O empresário responde: "Combinado". Glauco continua: "Vou criar um ambiente in-cloud e compartilharei a senha com você. Tá, o upload de seu time já faz o download". O empresário responde: "Pode mandar que a gente toca".
Nas conversas, o empresário manda comprovantes de pagamentos cobrados com insistência por Glauco. "Consegues me mandar o que já me mandaste no total? Hoje à noite vamos ter reunião com Pavan, já tenho que apresentar isso", avisa Glauco. O empresário responde: "Seis meses já. A primeira foi em 12 de abril". E logo completou: "Todos os comprovantes, amigo. Manda outro abraço para o chefe". Esse empresário aparece na negociação como o responsável pelo lote de "obras pequenas".
Saúde e merenda
Em outro áudio, Glauco e um outro empresário falam sobre a possibilidade de incluir o serviço de telemedicina no plano de governo. “Eu já tirei da cabeça do Pavan aquela empresa que ele foi visitar, não sei o que ele se meteu a fazer naquela empresa de odontologia que não tem nada a ver com saúde. Nós é que vamos fazer a telemedicina. Pode ficar tranquilo que isso aí é nosso, tá? Pode ficar bem tranquilo", dizia Glauco na conversa com o empresário.
Também há negociações para a distribuição de merenda nas duas cidades. A negociação foi com um empresário paulista. A promessa seria de que “Miro” assumiria todos os contratos da área de merenda de Balneário Camboriú e Camboriú. O pagamento pelo contrato seria feito em dinheiro vivo, mencionado a entrega de "sanduíches".
Mesada fixa para Pavan
Também há conversas entre Pavan e Glauco Piai discutindo um repasse de dinheiro de R$ 20 mil semanais para o uso pessoal do candidato e R$ 20 mil mensais para a agência de comunicação da campanha de Juliana Pavan. “Quanto vai para a agência? E quanto para a minha conta?”, pergunta Pavan. Glauco responde: R$ 20 mil e o mesmo valor para a agência. “Depois apague isso, por favor”, diz a mensagem. Pavan responde indicando uma chave Pix para as transferências.
Juliana Pavan e Glauco conversam sobre escolas
Juliana Pavan também trocou mensagens com Glauco, segundo as mídias vazadas. “Boa tarde, prefeita. Sabes de cabeça quantas escolas municipais e quantos alunos temos em BC?”, questionou Glauco. Ela respondeu dois dias depois: “28 NEIs, 14 CEMs, 1 CEJA e 1 CAIC. Dados do Censo de 2022: 14.635 alunos matriculados. Hoje a prefeitura está divulgando que tem mais de 16 mil alunos matriculados”, informou.
Família Pavan chama vazamento de ataque orquestrado; “Negociação é de terreno privado”
Em nota oficial publicada pela assessoria de Juliana Pavan, Leonel Pavan disse expressar “preocupação com a divulgação de denúncias infundadas às vésperas da eleição, evidenciando o desespero da equipe do Partido Liberal”.
“Pavan afirma que os valores recebidos antes do período eleitoral estão relacionados a uma transação imobiliária privada, formalizada de acordo com a lei e com o pagamento dos impostos devidos, conforme contrato assinado em 2024”, diz a nota.
Pavan afirma que o terreno negociado ainda não foi integralmente quitado e que parcelas adicionais estão programadas para pagamento. “Continuaremos firmes na campanha, focando em nossos projetos e permanecendo à disposição para qualquer esclarecimento necessário”, afirmou o candidato.
No esclarecimento, Juliana Pavan também “lamenta as acusações infundadas dirigidas a seu pai e se coloca à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas sobre sua idoneidade e a transparência de sua campanha”.
Na segunda-feira, Leonel Pavan gravou um vídeo ao lado da esposa Bernardete para rebater "os ataques sofridos nos últimos dias". Ele falou de denúncias contra sua família em 2016, na época contra o filho, Leonel Júnior Pavan. Segundo o candidato, agora “a história parece se repetir”, acusando o PL de estar por trás de “armações e montagens de vídeos caluniosos” contra sua família.
Notícia na Folha de São Paulo
As denúncias de caixa 2 na campanha de Pavan em troca de contratos futuros nas prefeituras de Camboriú e BC viraram notícia nacional. Matéria do jornal Folha de São Paulo nesta terça detalhou que áudios e trocas de mensagens sugerem que Pavan teria prometido a empresários contratos de fornecimento de uniformes e merenda escolar nas duas prefeituras em troca de dinheiro pras campanhas. Além de cerca de R$ 1 milhão em pix, também haveria pagamentos em dinheiro vivo.
Na matéria da Folha, o intermediador das negociações, Glauco Piai, alega que as mensagens vazadas são fruto de um roubo de celular e que a veracidade não é comprovada. O DIARINHO não conseguiu contato com Glauco.