Itajaí
Marcos Konder é descaracterizada para dar conta de mais carros
A via foi o primeiro eixo norte-sul de Itajaí, ligando o porto à antiga Estação de Trem, e vive dias de caos em projeto de reurbanização controverso
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Por Renata Rosa | Especial para o DIARINHO
A nova cara que a atual gestão quer dar à principal avenida da cidade, a Marcos Konder, já tinha a antipatia de boa parte dos itajaienses, que não se conforma com a retirada do canteiro central e as árvores que aliviavam o calor, renovavam o ar e embelezavam o centro histórico. Nas últimas semanas, porém, o descontentamento atingiu um novo patamar por causa do caos provocado pela retirada das calçadas e faixas de pedestres próximas ao hospital Marieta e Unimed, num trecho frequentado por pessoas debilitadas ou que acompanham pacientes em tratamento.
Uma dessas usuárias é Francieli Soares, 30 anos, que toda semana precisa trazer a filha Laís, de cinco, para fazer fisioterapia. Por causa das obras, no início do mês ela acabou desistindo da consulta por não ter conseguido estacionar. Na última quinta, apelou para carona para não prejudicar o tratamento da filha. A mesma situação vivida pela professora Ana Cristina, 42, que tentava, em vão, atravessar a avenida com Sofia, onde não havia nenhum agente de trânsito.
“Cada semana que eu venho aqui está pior, um verdadeiro caos! Não tem faixa, os motoristas não respeitam a gente, não dão vez, estamos ao deus-dará”, reclamou. Ela trouxe a filha na Unimed, onde a reportagem também conversou com Sonia Santos Silva, 59. Ela veio de Itapema consultar a neta no neurologista e se assustou com o estado da avenida. “Como a gente não é daqui, nem sabíamos como chegar, ficamos dando voltas”, lamentou.
Já o pedreiro Valmir Brito, 45, estava acompanhando o filho Rafael, 30, internado no hospital Marieta, e lamentou o descaso público. “Meu filho estava trabalhando numa laje quando caiu e quebrou o fêmur. Preciso ficar com ele aqui a semana toda, o dia todo, e não tenho como pagar estacionamento”, reclamou.
Funcionários de estabelecimentos médicos, que não quiseram se identificar, revelaram que presenciaram idosos caindo no meio fio e sendo amparados por operários. Também teve o caso do carro caído na vala quando o motorista tentava trocar de pista.
O projeto de reurbanização visa, principalmente, acabar com os gargalos no trânsito por causa do aumento do fluxo de veículos. Segundo dados do Ministério dos Transportes, em 2015 Itajaí tinha 150 mil veículos para uma população de 205 mil habitantes. Hoje o município registra 219 mil veículos (+46%) para uma população de 287 mil pessoas (+40%).
O projeto prevê três pistas para carros e um corredor exclusivo para ônibus, além de ciclovia e passeios arborizados. A avenida tinha 126 árvores, sendo 87 no canteiro central, e após avaliação fitossanitária, apenas 13 estavam aptas para o replantio. A promessa é que a via tenha um corredor verde nas laterais com 260 espécies nativas conforme Termo de Ajuste de Conduta (TAC), firmado com o Ministério Público em 2018, que deve fiscalizar a obra.
Segurança dos usuários não é a prioridade da obra
Para tentar reduzir os transtornos causados pela obra para os pedestres, o secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Auri Pavoni, mandou pintar duas faixas na sexta-feira passada, uma na frente do hospital Marieta e outra na frente da Embraed, após ser questionado pela reportagem do DIARINHO. E prometeu que nesta semana começam a ser reconstruídos os passeios.
“Vocês foram lá no pior momento da obra, quando é preciso tirar o passeio para fazer a tubulação subterrânea. Claro que podia estar melhor, mas preferimos fazer três frentes de trabalho ao mesmo tempo, sem impedir a circulação de veículos, para terminar a obra mais rápido. Se for para sofrer, que seja de uma vez”, defende.
Auri disse que a intenção é terminar a obra até dezembro, já que é incerto quem estará à frente da prefeitura após as eleições. O tempo previsto foi de 12 meses para o trecho entre a esquina com a rua Silva até o Hotel Ibis - prazo que começou a correr em maio. “A reurbanização da Hercílio Luz foi entregue cinco meses antes, por isso acredito que consigamos terminar até o fim desta gestão”, afirma Pavoni. Quanto à falta de sinalização e segurança, o secretário admitiu que o certo era ter um agente de trânsito o dia todo, mas por causa de outras obras na cidade não foi possível.
Já o secretário de Segurança Pública, Marcelo Luiz Szynkaruk Jr, disse que não há agentes para controlar o trânsito na avenida mais movimentada do centro por falta de pessoal e por questão de prioridade. Segundo ele, há 94 agentes em Itajaí divididos em três turnos e a prioridade é garantir a segurança dos alunos de escolas públicas. “Não estou dizendo que no hospital não é necessário, mas em questão de prioridade não é, já que quem está atravessando a rua no centro é adulto e nas escolas são crianças”, reiterou.
Arquitetos criticam a perda de memória histórica
O casal de arquitetos Aline da Silva, 54, e Marcio de Almeida, 51, utilizam diariamente a avenida Marcos Konder e como são profissionais da área, compreendem que transtornos são normais para executar um projeto deste tamanho. Ela acredita que a nova avenida trará benefícios para a cidade, tanto para aumentar a capacidade da via para os veículos e também para pedestres e ciclistas, mas alguns cuidados deveriam ter sido tomados.
“É notório o descaso com os pedestres durante o processo, que precisam se equilibrar para não cair em tantos desníveis. Falta sinalização adequada e orientação para a população entender a necessidade de readequar a avenida”, argumenta. Ela disse também que o ideal seria executar o projeto para depois mudar o sentido da via, o que diminuiria o desconforto.
“Em relação à arborização, não creio que fosse necessário suprimir as árvores do canteiro central. Paisagismo lateral é importante, mas pistas muito largas já mostraram que não funcionam, como aconteceu na Beira Mar Norte, em Floripa, onde canteiros centrais tiveram que ser criados anos depois para facilitar o uso pelos pedestres”, exemplificou. Aline lembrou que dependendo da espécie, as mudas levam até sete anos para atingir a maturidade e serem aptas à sombra.
Para Marcio, que é carioca e mora em Itajaí há poucos anos, faltam imagens do projeto ao longo da via mostrando como a avenida vai ficar depois de pronta para que a população tenha um vislumbre de ganhos futuros e passe pelos transtornos com mais serenidade. “Outra ideia seria manter algum trecho da via original para preservar a memória”, sugere.
O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Auri Pavoni, disse que não seria possível executar o projeto para mudar o sentido da via porque era preciso aumentar a capacidade da via para viabilizar a obra. E que esta ação já trouxe benefícios. “A mudança resultou num aumento de 30% na velocidade dos veículos desde 2018, o que também fez cair a produção de gás carbônico, a poluição e o gasto com combustível”, acredita.
Ele concorda que seria desejável instalar placas com imagens do novo layout da Marcos Konder, mas o orçamento não cobriu este custo. Outra coisa que ficou de fora foi a iluminação subterrânea por causa do aumento do preço do aço, apenas os cabos telefônicos e de internet serão subterrâneos. “O centro da cidade estava colapsado, estamos fazendo esta intervenção para destravar o trânsito. E para isso, a via teve que ser foi redesenhada. Daqui algum tempo, a população vai gostar do resultado, da mesma forma como aconteceu em Balneário”, defende.
Avenida foi aberta em 1906 para aumentar a área central de Itajaí
A avenida Marcos Konder, com suas pistas duplas e adornada por árvores e prédios históricos, se tornou uma referência tão forte para os itajaienses, que poucos imaginam que um local tão valorizado tenha sido, um dia, evitado pela população com medo de alma penada. É que no início do século 20, o centro de Itajaí se resumia às ruas Lauro Muller e Pedro Ferreira, próximas ao ferry boat, onde ficava o porto, e a rua Hercílio Luz. Quem teve a ideia de ampliar o centro foi Marcos Konder, que administrou Itajaí como superintendente de 1915 a 1930.
“Para abrir a avenida, ele transferiu o cemitério e começou a desbravar a área, na rua São Bento, para ligar a futura estação ferroviária, na Fazenda, ao porto, que seria transferido da Praça Vidal Ramos para o local que é hoje”, conta o historiador Edison D’Ávila. Ele disse que no começo, a avenida tinha apenas dois quarteirões, ia da Gil Stein Ferreira, onde fica o Marcílio Dias, até a José Bonifácio Malburg. E que a avenida foi batizada de Vasconcellos Drummond por ser um dos pioneiros na colonização no bairro Itaipava.
Para esticar o centro até o futuro largo da Igreja Matriz, o superintendente tratou de instalar prédios públicos no extremo da Hercílio Luz. Primeiro foi inaugurado o Grupo Escolar Victor Meirelles (atual Casa da Cultura). Em 1925 foi inaugurada a prefeitura (hoje Museu Histórico). A Matriz começou a ser erguida em 1942 e foi inaugurada em 1955, na gestão Paulo Bauer.
Mas a avenida ainda iria demorar algumas décadas para tomar a forma que chegou até o século 21. Edison conta que foi só na segunda gestão do prefeito Carlos de Paula Seara, no final dos anos 60, que foi retomada a ideia de prolongar a avenida até o porto, cujo caminho era tomado por madeireiras, mas desta vez, ouvindo as demandas da população. “Certa vez ele me contou que na primeira gestão foi muito criticado por colocar pedras na praça Vidal Ramos, por isso na volta à prefeitura ele fez questão de arborizar a cidade”, revela.
Para cumprir a promessa, Edison conta que o prefeito calçou a avenida e mandou plantar árvores no canteiro central e rosas nos jardins da Igreja Matriz. “Dificilmente as rosas amanheciam no lugar porque naquele tempo as pessoas achavam que o que estava na rua não tinha dono, mas o prefeito não desistia: no dia seguinte estava lá plantando as rosas novamente até que o povo se acostumou”, recorda.
Quando a urbanização da avenida ficou pronta, ela mudou de nome novamente, desta vez em homenagem a quem tinha apostado no potencial da avenida. “A alcunha de Coronel Marcos Konder não tinha a ver com a patente do exército, era um título dado a alguém proeminente na sociedade, daí que veio a expressão ‘coronelismo’”, explicou o historiador.
Em relação ao atual projeto de reurbanização, Edison não esconde seu descontentamento. “Sinceramente não vejo porque fazer uma avenida com tantas pistas se depois vão desembocar em pistas simples, até parece pista de avião”, comparou. Para ele, a transformação da Marcos Konder em mão única acabou sobrecarregando a Sete de Setembro e rua Uruguai, que ficam intransitáveis no horário de pico.
Além disso, Edison acredita que antes havia um equilíbrio na paisagem entre o asfalto e a área verde, coisa que deve demorar alguns anos para ser recuperado até que o transplante de árvores e plantio de novas mudas tenha resultado. “As árvores dão sombra, refrescam e purificam o ar, mas para alguns administradores, parece que são um obstáculo para o progresso. Não veem nelas um patrimônio natural e cultural, é uma pena”, lamenta.