Advogados da região comentam decisão que diferencia traficante de usuário de maconha
Julgamento do STF termina após nove anos, mas divergência deve se estender no Congresso Nacional
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
STF fixou em 40 gramas quantidade pra diferenciar usuário de traficante
(foto: ilustrativa/freepik J Comp)
STF fixou em 40 gramas quantidade pra diferenciar usuário de traficante (Foto: Divulgação)
O Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou na quarta-feira o julgamento que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal e fixou a quantia de 40 gramas para diferenciar os usuários de traficantes. A decisão ocorre após nove anos de seguidas discussões, servindo contra uma omissão da lei aprovada pelo Congresso Nacional e que não distinge a quantidade pra enquadramento como tráfico.
A medida não legaliza o porte de maconha, que continua sendo proibido, mas o uso pessoal passa a ter punições administrativas e não criminais. Ainda assim, o tema só ganha mais polêmica ...
A medida não legaliza o porte de maconha, que continua sendo proibido, mas o uso pessoal passa a ter punições administrativas e não criminais. Ainda assim, o tema só ganha mais polêmica, com reação do Congresso Nacional. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão pra discutir a “PEC das Drogas”, que criminaliza a posse e o porte de qualquer quantia de drogas ilícitas.
Com a decisão do STF, não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou levar consigo até 40 gramas de maconha para consumo pessoal. A medida foi dada em julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).
Para diferenciar usuários e traficantes, a norma prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento obrigatório a curso educativo. A lei deixou de prever a pena de prisão, mas manteve a criminalização.
Dessa forma, antes da decisão, usuários de drogas eram alvos de inquérito policial e processos judiciais que buscavam a condenação para o cumprimento das penas alternativas. Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), autor da “PEC das Drogas”, o STF invadiu competências que seriam do Legislativo e da Anvisa.
Usuário x traficante
O advogado criminalista Gabriel Pereira, de Itajaí, explica que após a decisão começar a valer, se uma pessoa for pega com maconha para uso pessoal, a polícia confiscará a droga e a pessoa será notificada para comparecer ao tribunal, sem ser presa em flagrante.
O enquadramento como usuário até 40 gramas da droga valerá até que o Congresso defina regras específicas. Ainda assim, ele observa que a quantidade prevista é apenas uma referência, avaliando que o contexto do flagrante determinará a classificação como usuário ou traficante. “O STF determinou que uma pessoa pode ser presa por tráfico mesmo com menos de 40 gramas, se houver indícios de venda da droga”, diz.
Em caso de prisão por tráfico, Gabriel informa que o delegado deve justificar a decisão no auto de prisão em flagrante, seguindo critérios objetivos. Ele ainda comenta que a quantidade apreendida não determina automaticamente o tráfico. O juiz deve avaliar as circunstâncias para decidir se a pessoa é traficante ou usuária.
“Em resumo, a decisão do STF alivia o sistema judicial, mas a distinção entre usuário e traficante ainda depende das circunstâncias, não apenas da quantidade de maconha encontrada”, completa.
Argumentos contra e a favor
O advogado criminalista Nabor Miguel Pires, presidente da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB de Balneário Piçarras, destacou que em muitos países a descriminalização do porte já é uma realidade. Ele listou os principais argumentos jurídicos sobre a decisão.
Os pontos favoráveis à descriminalização do porte de maconha para uso pessoal incluem proporcionalidade e individualização da pena, redução da sobrecarga do sistema judiciário e respeito aos direitos fundamentais, como o direito à privacidade e à autodeterminação dos indivíduos.
Na questão da pena, ele cita que a criminalização do porte para uso pessoal não atende ao princípio da proporcionalidade, pois trata de forma semelhante usuários e traficantes. Com a descriminalização do porte, em consequência, diminuiria a carga de processos criminais relacionados a pequenas quantidades de maconha, permitindo um foco maior em crimes mais graves.
Por outro lado, também há argumentos contrários à descriminalização do porte pra uso pessoal. Nabor citou quatro pontos: proteção da saúde pública, prevenção ao tráfico, segurança e ordem social, e legislação e prevenção familiar.
No argumento da saúde pública, o entendimento é que a criminalização serviria como uma ferramenta para prevenir o uso de drogas, desestimulando o consumo. A criminalização também é vista como medida pra evitar o aumento do tráfico e consumo de drogas.
O outro ponto está ligado a questões de segurança. “Argumenta-se que a descriminalização pode levar ao aumento de problemas sociais e criminais, impactando negativamente a ordem pública”, comenta o advogado.
Por último, há a ideia que a criminalização ajudaria na prevenção. “Alguns defensores acreditam que a criminalização auxilia famílias na prevenção do uso de drogas entre jovens, fornecendo um respaldo legal para intervenção”, completa.
Competência do STF pra decidir
O advogado criminalista Matheus Felipe de Castro, professor da UFSC e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SC, comenta que ainda é preciso esperar a publicação do acórdão do julgamento, que será redigido pelo ministro Gilmar Mendes, relator do caso no STF, pra se ter “certezas” da decisão.
Ele lembra que quando o caso começou, há mais de oito anos, o que estava em debate era a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, sobre se é ou não crime portar para uso próprio substâncias proibidas pela Anvisa. No STF, ele diz que houve um “abrandamento”, sendo debatido se o porte de maconha seria crime ou ilícito administrativo, com votos divergentes entre os ministros.
“É competência do STF julgar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de leis infraconstitucionais no Brasil, agora o ponto crítico desse julgamento é exatamente se o STF teria competência para definir quais drogas devem constar das listas da Anvisa, que é o órgão administrativo que tem atribuição legal para definir quais são as substâncias tóxicas e não tóxicas no Brasil”, avalia.
Matheus destaca que descriminalizar significa apenas que o porte pra uso pessoal não é mais crime, se mantendo o caráter ilícito com punição administrativa. “A legalização deve ser realizada pelo próprio Congresso Nacional, que regulamenta uma atividade, o que não está em pauta no julgamento do STF”, afirma.
O advogado acredita que o debate vai continuar, diante das contestações do Congresso quanto à competência do STF. “Ficaram questões em aberto sobre as múltiplas drogas utilizadas no Brasil e até mesmo se o sujeito for pego com maconha, se isso é considerado um ilícito administrativo, aplicando o artigo 28, e se ele for pego com outras drogas, se o [artigo] 28 será considerado crime”, analisa.
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