Canoas históricas são queimadas em incêndio criminoso em Armação
Prejuízo de pescadores artesanais passa dos R$ 60 mil. Caso está sendo investigado pela polícia Civil
João Batista [editores@diarinho.com.br]
Carpintaria naval é símbolo da histórica econômica da região
A Estimada perdeu a graça e a Saíra calou o canto na noite de terça-feira, na Praia de Armação do Itapocorói, em Penha. As duas “senhoras” eram canoas artesanais históricas, construídas em troncos de guarapuvu, que foram queimadas em incêndio apontado como criminoso pelos pescadores. Estimada tinha cerca de 50 anos e Saíra, mais de 70 anos, usada pela terceira geração da família de pescadores artesanais.
As embarcações estavam na praia, cobertas por lonas, no trecho da rua Monte Castelo, em frente ao camping da Armação. Apetrechos de pesca, entre redes e cordas, estavam guardados dentro ...
As embarcações estavam na praia, cobertas por lonas, no trecho da rua Monte Castelo, em frente ao camping da Armação. Apetrechos de pesca, entre redes e cordas, estavam guardados dentro das canoas. Os barcos viraram carvão e os materiais, cinzas, num prejuízo estimado em R$ 60 mil para os donos. Um inquérito já foi aberto pela delegacia de Polícia Civil de Penha pra apurar o caso.
De acordo com Meri Machado, esposa do pescador Edson da Silva, o Edinho, de 59 anos, o incêndio foi por volta das 21h. Dois suspeitos foram vistos passando de moto após as chamas iniciarem. A polícia deve solicitar imagens de câmeras de segurança de casas e comércios da região pra analisar a movimentação e identificar os suspeitos.
“Eram duas canoas de 12 metros cada. Foi criminoso porque uma testemunha viu dois caras saindo em uma moto dali, quando o incêndio começou”, relatou Meri. A Polícia Militar foi chamada para registrar o boletim de ocorrência. Os bombeiros foram acionados, mas quando chegaram no local as chamas já tinham consumido as embarcações.
“Foi perda total. Perdeu tudo! As canoas, duas redes - uma rede de tainha e outra de arrasto. Mais quatro redes menores. Acabou com tudo”, lamentou Meri. As canoas eram usadas na pesca de arrasto e estavam legalmente registradas. Oito famílias tiravam o sustento com a pesca artesanal e usavam as duas embarcações para o trabalho. Edinho ficou muito abalado com o crime e não conseguiu nem falar com o DIARINHO na quarta-feira.
Meri conta que um dos barcos tinha sido construído pelo avô de Edinho. Do avô, a canoa passou para o pai do pescador e agora estava com o próprio Edinho.
A perda das embarcações eliminou as condições de trabalho das famílias. Uma vaquinha virtual seria lançada pra ajudar os pescadores a se recuperar do prejuízo. De forma emergencial, quem quiser ajudar pode contribuir com qualquer valor pelo Pix de Meri Machado, com a chave (47) 9 9206-3124.
Comunidade da cidade quer justiça
O presidente da comissão de Pesca Artesanal do Litoral Norte, Luiz Américo Pereira, o Luizinho, de Penha, lamentou o episódio. A partir do registro do BO e da investigação, ele disse que os pescadores vão buscar por justiça. “Suspeito não temos ainda, mas precisamos descobrir. É uma afronta à nossa cultura e ao sustento de oito famílias. São meio século de atividade incendiado, é uma perda irreparável”, disse.
Ainda não se sabe a motivação para o incêndio. Pescadores suspeitaram do uso de combustível porque as chamas se alastraram pelas duas embarcações rapidamente. Os barcos estavam lado a lado, mas separados entre si. “Isso foi a mando de alguém. O fogo não iria passar de uma canoa pra outra”, observou um deles.
Um morador da região comentou que o caso pode ter relação com empreendimentos que não querem ranchos de pesca na orla, em frente de terrenos pra futuros prédios. Antes, os pescadores já deixavam os barcos em outro trecho da praia, mas com o início do Parque Linear da orla, que empacou por impasse na justiça, eles se mudaram para o local onde ocorreu o incêndio.
“Crime cultural”, destaca historiador
Também lamentando o episódio, o professor e historiador Edison d’Ávila destacou que as embarcações artesanais são um produto cultural de grande valor histórico, símbolo ligado à história econômica da região. “Armação, Itajaí e Navegantes sempre tiveram uma destacada atividade econômica ligada à pesca, principalmente a pesca artesanal”, disse.
Ele lembra que a construção de embarcações, entre canoas de pesca e barcos de transporte de mercadorias, é referenciada na região desde o século 18, antes da formação de Itajaí e Navegantes. “E lá no começo da formação de Armação, estudiosos e viajantes já referenciavam a existência de boas madeiras para a construção naval e a presença dos chamados ‘carpinteiros da ribeira’, que eram os atuais construtores navais”, conta.
O nome tem a ver com o trabalho de carpintaria de embarcações, feito à beira de praias e rios. “Essa atividade inicial foi evoluindo, agregando mais valores, e chegou no que hoje é a construção naval em Itajaí e em Navegantes. E na Armação, ela se manteve ainda artesanal na construção de canoas e baleeiras”, ressalta o professor.
No estado, o guarapuvu, hoje protegido por lei, foi uma das árvores mais usadas pra fazer canoas, por ser abundante no litoral e mais fácil de esculpir. “É inegável o valor histórico que essas canoas antigas têm. É preciso preservá-las. E se constitui um crime não somente por destruir a propriedade de alguém, mas também um crime cultural, contra o patrimônio”, completou Edison.
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