Matérias | Entrevistão


Maurício Simas, Escova

"Balneário Camboriú estar poluída é culpa da Emasa. Eles têm a obrigação de tratar”

Músico e servidor público aposentado

Franciele Marcon [fran@diarinho.com.br]

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Maurício Jorge Simas, o popular Escova, é um contabilista que decidiu colaborar com a vida em sociedade através da defesa do meio ambiente. Ele participou do grupo que elegeu o primeiro vereador de Santa Catarina pelo Partido Verde, Dado Cherem, hoje conselheiro do TCE. Escova também fundou a Associação Ecológica do Vale do Rio Camboriú e participou da fundação da primeira Secretaria de Meio Ambiente de Balneário Camboriú, que foi também a primeira de Santa Catarina. Trabalhou durante 20 anos na sede da secretaria, que fica dentro do parque que leva o nome de seu colega de luta ambiental, Raimundo Malta. Aposentado há 12 anos, Escova resolveu se manifestar nas redes sociais recentemente ao ver que a Secretaria do Meio Ambiente asfaltou a entrada do parque natural que ele ajudou a fundar. Neste Entrevistão à jornalista Franciele Marcon, Escova falou sobre o desgosto que a pavimentação lhe causou, também relembrou histórias da criação do órgão, dos primórdios de Balneário, quando havia extração de pedras, dos bares na Barra Sul, como o Estação Final, que lhe consagrou como músico, e também do final natural de sua banda Sul Fluído. Falou ainda do crescimento sem planejamento de Balneário, teceu duras críticas à Emasa e à falta de balneabilidade da praia Central. As imagens da entrevista são de Fabrício Pitella. A entrevista completa, em áudio e vídeo, você confere no portal www.DIARINHO.net.

 



 


DIARINHO – Qual a sua formação e por que o senhor sempre esteve ligado às causas ambientais?

Escova – Me formei em contabilidade. Nunca exerci essa profissão. Depois comecei uma carreira de músico. Eu fui para Florianópolis para estudar. Na época pensava em ser engenheiro sanitarista, preocupado com o meio ambiente de Balneário Camboriú, com o tratamento de esgoto. Fiz o vestibular, não passei. Eu tava aprendendo a tocar violão, dei uma canja no bar, o cara me contratou, fiquei tocando lá. Quando voltei para Balneário Camboriú, as pessoas não entenderam nada. Eu voltei tocando violão e cantando nos bares, trabalhando. Me deu popularidade muito grande a música, a Barra Sul. Todas as casas em que a gente tocava enchiam. [...] Eu sempre, mesmo com a música, trabalhava em paralelo, trabalhava no parque Cyro Gevaerd, fazia muito evento em Santa Catarina, viajava muito. Aprendi as coisas na prática. Não foi com estudo. Comecei a ver Balneário Camboriú naquela situação, começou a me preocupar, filho da terra. [Isso em que década? E quem era o prefeito da época?] O prefeito era o [Harold] Schutz [década de 80]. Ele ficou seis anos. Não era a pessoa, era de um grupo atrás dele. O seu Schutz ainda fez, implantou o esgoto em Balneário Camboriú. Se as pessoas não acreditaram, não ligaram o esgoto corretamente, não é culpa dele. Foi a primeira cidade que implantou o esgoto em Santa Catarina. Ao redor dele é que estavam destruindo Balneário Camboriú. Em 89, quando nós assumimos a prefeitura de Balneário Camboriú junto com Leonel Pavan, na avenida Atlântica se construía quitinete. O edifício Imperatriz, na esquina da rua 2000 com a avenida Atlântica, que tem elevador panorâmico, 32 andares, foi na época o maior edifício de Santa Catarina. O edifício mais alto de Santa Catarina eram quitinetes.


DIARINHO – O senhor fez parte do Partido Verde, que elegeu o primeiro vereador do PV em Santa Catarina. Como foi esse episódio?

Escova – Pavan se elegeu em 89, nós tivemos uma carreira política. Fui candidato a vereador, fui o segundo mais votado do Partido Verde. Elegemos o Dado Cherem, o primeiro vereador verde de Santa Catarina. Uma conquista! E com acordo com o prefeito Pavan, na época, se elegêssemos um vereador ele nos daria a oportunidade de criar a Secretaria do Meio Ambiente. E foi o que aconteceu. O Dado se elegeu, fez o projeto. Nós todos, os candidatos do Partido Verde, fomos trabalhar na Secretaria do Meio Ambiente. Ela foi criada no primeiro mandato do Pavan. O Raimundo Malta, que era presidente da Associação Ecológica na época, foi o secretário.

DIARINHO – O senhor também fez parte da Associação Ecológica do Vale do Rio Camboriú. Quais eram as lutas da associação?

Escova – O que mais chamava atenção de Balneário Camboriú eram as encostas. A exploração da pedra, paralelepípedo, pavimentar as ruas, e eram levadas para todos os lugares. Aquilo machucava muito a gente. Hoje tu olhas para aquele cenário da Barra Sul, onde está o teleférico, coisa mais linda. Não foi fácil construir o teleférico também. O teleférico se tornou uma área de preservação permanente, particular. Mas é uma área de preservação permanente para eles poderem instalar aquele equipamento. É muito melhor que a exploração da pedra. Na época, como é que a gente ia tirar esse pessoal de lá? A gente tirava, eles voltavam à noite. Sempre com aquela justificativa, que eu não reconheço: “Tô trabalhando”. Trabalhando, mas tá tirando um minério que é de todos. Então tá roubando. Tá causando um dano ambiental e promovendo um crime. Mas tu não conseguias convencer essas pessoas, foi uma batalha. Nós convencemos o prefeito na época, era o Luiz Mario de Castro, amparado por lei, a tirar esse pessoal da pedra e oferecer uma oportunidade para eles. Quem saísse da pedreira ia trabalhar na Secretaria de Meio Ambiente, 70% foram.

DIARINHO – Há mais de 20 anos vocês cogitaram transformar a Barra Norte de BC em bosque. Quem impediu essa ideia de ir em frente?


Escova – A gente iria tombar aquele morro, mas não deu! Mas o que a gente conseguiu ali: existe o Hotel Bosque, a gente conseguiu, na época, um decreto do prefeito, que eu não sei se está em vigor ainda ou não, definindo as áreas que eles podiam usar e pronto. Hoje onde é permitido construir foi autorizado na época... ‘Ah, então vai ser permitido construir aqui?’. Mas tem uma figueira. Então, no mínimo, a gente transplantava essa figueira, com o custo do proprietário. Lá no parque ecológico tem umas três dessas que nós transplantamos para lá. A praça que era chamada Praça da Sereia, onde tinha aquele chafariz, que agora tem um viaduto, aquelas árvores grandes, foram todas transplantadas. A maioria saiu do bosque.

DIARINHO – Como surgiu a ideia de fundar o parque Raimundo Malta?

Escova – Na época era Parque Ecológico Rio Camboriú, em homenagem à antiga Associação Ecológica que a gente tinha. Pavan dizia pra gente: ‘vocês se virem, não deixem invadir’. Nós acampávamos final de semana lá dentro da área para impedir as invasões, para impedir que invasores entrassem. Nós procuramos não aterrar nada do parque. Só reconstituímos os acessos, melhoramos. E onde foram construídas obras, era tudo lugar impactado, onde tinham os invasores. Nós não cortamos um metro cúbico de madeira para construir alguma coisa no parque. Começamos a trabalhar em 90 e em 93 foi criado o decreto do parque. Em 2006, o Malta faleceu e em homenagem foi dado o nome dele, por toda a batalha. Na época existiam fundações de meio ambiente. A Secretaria de Meio Ambiente de Balneário Camboriú foi a primeira Secretaria de Meio Ambiente de Santa Catarina. Com status de secretaria, com a estrutura de uma secretaria.

 

O que polui Balneário Camboriú é o canal do Marambaia de um lado e o Rio Camboriú do outro”


 

DIARINHO – Como a secretaria surgiu e por que a ideia de ficar dentro do parque?

Escova – A ideia de ficar dentro do parque é porque não tinha sede. Ela foi criada e tinha a mesinha de xerox da prefeitura. A Secretaria de Meio Ambiente foi criada em torno de que precisava ter uma política ambiental na cidade. A gente via a cidade crescendo  de forma desenfreada. A gente via o esgoto tomando conta. A gente via a cidade se degradando. Pedreira pra aquele lado. Não tinha uma estrutura. Tinha passado um prefeito, no passado, o Meirinho. Eu saía da Secretaria de Meio Ambiente e ia lá no escritório dele para adquirir ideias. Ele foi prefeito que criou, que deu, assim, o desenho do que é a cidade hoje. Bairro das Nações, nomes de país. Bairro dos Estados, nomes de estados. Isso foi implantado pelo seu Meirinho. [O Pavan na época não se opôs, não teve nenhuma resistência à criação?] Não, na época, se não me engano, eram 13 vereadores, foi aprovado por unanimidade. A cidade necessitava. [E o primeiro secretário de Meio Ambiente?] Raimundo Malta. Eu era a segunda pessoa lá dentro, independente do cargo, pelo nosso relacionamento. E eu nunca precisei de relógio-ponto. Eu abria e fechava a secretaria. A gente tinha uma integração com os funcionários. O Pavan comentava com a gente. ‘Pô, vocês levam as pessoas que não querem trabalhar na secretaria deles lá no Meio Ambiente e lá eles começam a trabalhar, como é que pode?’. Nós tiramos um que era considerado bravo, policial aposentado, foi candidato a vereador, o Ventania. Nós levamos o Ventania para o parque e demos a liberdade dele ser o guarda do parque. Ele valorizava aquele parque. Ali começou a surgiu educação ambiental em Balneário Camboriú. Era muito interessante. Ele com aquela liderança dele, vestido de guarda, as crianças chegavam num ônibus da Secretaria da Educação, aquela barulheira. Ele não falava nada. Ia na frente do ônibus, dava um apito, já parava tudo. Ele com aquele tamanhão dele, olhava, botava as crianças tudo em filinha, e ensinava a elas que lá dentro não podiam fazer barulho. Lá dentro eles iam incomodar os passarinhos, que eles tinham que aprender a conviver com a natureza. As crianças saíam de lá empolgadíssimas.

DIARINHO – O senhor se manifestou publicamente e criticou a iniciativa de asfaltar um trecho do parque Raimundo Malta. Qual o dano causado?

 

Escova – Esse acesso que eles asfaltaram, ele começou a virar lama, causou problema para sujar os sapatinhos para ir pra dentro da secretaria. Porque não tem outra justificativa pra asfaltar. Existem vários materiais que não impactam o solo, a drenagem. Eles deixaram uma ruazinha que era assim, grama para um lado, grama para o outro, e esse acesso com brita, pó de brita, que filtra a água. A secretária diz que estavam gastando demais com manutenção. A manutenção era manter cortadinha a grama ao redor, porque aquilo ali já serve de drenagem e não pode deixar a grama passar. Onde cria grama, fica umidade. Aquela estradinha, que era para secar, virou lama porque eles deixaram a grama atravessar de um lado para o outro. Falta de manutenção. Como diz ela, é cara a manutenção… Eu não aceito isso como caro. Eu não sou ambientalista formado, não tenho essa formação, mas é minha prática, minha vida. Os 20 anos dentro da Secretaria de Meio Ambiente me fizeram aprender que uma raiz sufocada por asfalto quente não vai fazer bem. Essas árvores, que no passado nós tivemos o trabalho de transplantar para lá, porque não tinha árvores de sombra, agora impermeabilizaram em torno de uma árvore com asfalto quente, dentro de uma área de preservação, de conservação. Conservação diz tudo: é para conservar como é. Existe um plano de manejo e ele é bem claro.  A tendência é a secretaria sair de lá de dentro. Se lá agora está virando só administrativo, tira o administrativo de lá e põe uma equipe para administrar o parque como uma unidade de conservação. Toda aquela avenida que foi criada para chegar no Parque Ecológico é urbanizada com calçamento, para ter infiltração, para não impermeabilizar o solo. Outra coisa, ela cita que é para acesso das pessoas de idade, deficiente físico à fitoterapia. Não! Existe um acesso por trás do parque até a porta da fitoterapia. Não justifica. Me dói muito a Casa do Pensamento colocar asfalto, queimando as plantas. Toda a diversidade que tinha do lado de cá, e a diversidade que tinha do lado de lá, ficou dividida. O hábito noturno dos insetos, passar de um lado para o outro, acabou. Isso é um crime ambiental, porque ali dentro tá a diversidade.

 

Nós acampávamos final de semana lá dentro da área para impedir as invasões, para impedir que invasores entrassem”

 

DIARINHO – Como o senhor avalia a falta de balneabilidade da praia Central?

Escova – A balneabilidade, eu posso falar, porque eu respondi processo inclusive contra a Casan. A praia não despoluía. Eu autuei a Casan várias vezes, várias multas foram dadas à Casan por poluição na praia. Quando não tinha mais jeito, já no final do governo do Rubens Spernau, tiramos a Casan e criamos a Emasa. A Emasa, eles ganham muito em tarifas. O esgoto é uma coisa que não se vê, é um investimento caro, que fica embaixo da terra. Mas a manutenção depois não é isso tudo. O caro é a construção. Hoje, em 2023, Balneário Camboriú estar poluída para mim é inadmissível. A culpa é da Emasa. Eles têm a obrigação de tratar. Eu vi numa manchete num jornal que eles gastaram R$ 6 milhões numa lagoa de decantação que não deu certo. Uma lona que colocaram lá e criou bolhas de ar. Então hoje a praia está poluída. Culpa-se até a cidade de Camboriú. Eu culpo os dois prefeitos, porque a água potável de Balneário vem de Camboriú. O que polui Balneário Camboriú é o canal do Marambaia de um lado e o rio Camboriú do outro. Foi criada uma galeria, com a maior das boas intenções, uma galeria na avenida Atlântica para espalhar, para esconder a língua preta. Eu acho que não se esconde sol com a peneira. Balneário Camboriú é linda. Eu me emociono. Eu amo a cidade. Mas eu não aceito Balneário Camboriú estar poluída em 2023. [Para resolver o problema da poluição, seria tratar o esgoto que a Emasa não tá dando conta de tratar?] E essa junção com Camboriú que, senão, não vai ter solução nunca. Vai ter um paliativo, vai dar um tempo. [Essa é a causa de tantos briozoários na praia?] Esses bichinhos precisam comer pra sobreviver. E o que eles comem? Para não falar o nome feio, eles se alimentam de coliformes fecais. A gente lutou muito contra isso. Mas foi criada a Emasa para acabar com isso. Uma empresa que tem uma cidade pequena igual a Balneário Camboriú, 50 km², o menor município em proporção de Santa Catarina. Um município desse não consegue tratar o seu esgoto? E vende como uma imagem da Dubai. Aquela galeria para esconder a língua preta: muito interessante quando o tempo tá seco e a maré baixa. Se chover e fechar com a tábua da maré, ela vai correr para um lado, vai bater no rio Camboriú, vai correr pro outro lado, vai bater no canal do Marambaia, e vai subir. Não tem saída. Se a maré estiver cheia, não serve para nada. Só para jogar aquela sujeira, que ia para a praia, para as duas pontas. Toda cidade litorânea tem esse problema de ser mais baixa que o nível do mar. O escoamento natural da cidade é pra praia.

 

DIARINHO – BC anunciou um plano de arborização de áreas públicas. Como o senhor analisa esse projeto?

Escova – Quando eu me aposentei, nós tínhamos uma equipe lá dentro que fazia o levantamento das árvores. Inclusive que precisavam ser retiradas porque, a mesma história, do bonito e do dano que causa. Hoje ainda existem muitas plantas irregulares. No meu tempo, a gente estava trabalhando em torno de substituir essas plantas por plantas que não causassem dano. Nós plantamos muito em Balneário Camboriú. Todas produzidas na Secretaria de Meio Ambiente. Todas com cuidado de ver se passava uma fiação. Tu não podes ter uma árvore bonita que vai encostar nos fios. A Celesc passa lá e, com todo direito, corta de qualquer jeito para não bater nos fios. Porque se bater nos fios corre o risco de uma pessoa encostar e morrer eletrocutada. Tem sim que ser feito um levantamento.

 

“O edifício mais alto de Santa Catarina era de  quitinetes na avenida Atlântica”

 

 

DIARINHO – Existe a Sul Fluído ainda ou o senhor parou de cantar? E por que a música Laranjeiras fez tanto sucesso?

Escova – Eu tinha paixão especial por Laranjeiras. Ia de bicicleta, antes de sofrer um acidente de moto. Noite de lua cheia era um prazer a gente ir para lá, fazer um luau, tocar um violão, amanhecer. Laranjeiras é uma inspiração para mim. A banda cresceu em torno dessa música. Mas depois a gente teve bastante sucesso. Na época, foi em 85, só tinha a rádio Atlântica FM. Nós tivemos a música Brilho, que era o carro-chefe do disco, mais pedida do dia na rádio por meses inteiros. Depois veio para Itajaí a rádio Antena 1, e contratou da banda Sul Fluído um tema de verão. Tocou o ano inteiro. A banda teve um grande sucesso. Na época do Estação Final, eu não podia ficar no palco. O que acabou mesmo a banda, quase em definitivo, foi o Estação Final. [Canta um pouquinho da música Laranjeiras para a gente fechar a entrevista...] Vou cantar o refrãozinho: “Ei, Laranjeiras. É irmã da minha terra e mora do lado de lá. Ei, Laranjeiras. É só atravessar o morro para de cara com ela dar.”

 

Raio-X

 

NOME: Maurício Jorge Simas, o Escova

NATURAL: Balneário Camboriú

IDADE: 64 anos

ESTADO CIVIL: casado

FILHOS: dois

FORMAÇÃO: Contador

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL: músico, fundador da banda Sul Fluído, funcionário público aposentado da prefeitura de Balneário Camboriú; primeiro suplente a vereador da história do Partido Verde de Balneário Camboriú. Fundou a Associação Ecológica do Vale do Rio Camboriú e também participou da criação da primeira Secretaria do Meio Ambiente de Balneário Camboriú, onde trabalhou por 20 anos até se aposentar.




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