Um ano depois
“Criança Viada Show” acontece neste domingo após intervenção do MP contra a censura
Podcast e Videocast apresentam diálogos sobre memória e representatividade LGBTQIA+
Juana Dobro [editores@diarinho.com.br]
Após 1 ano e 3 meses de censura por parte de autoridades de Itajaí, artistas de diferentes linguagens se encontram nos episódios do projeto “Criança Viada Show”, que estreia neste domingo, às 19h. A live de estreia contará com a presença dos convidados para uma roda de conversa intitulada “Roda Bixa”. A exibição terá transmissão em libras pelo canal do youtube do projeto @acoesparareexistir.
“Criança Viada Show” nasce no projeto “Ações para Reexistir – Pesquisa e Criação Interdisciplinar”, desenvolvido pelo ator Daniel Olivetto desde 2019, com interlocução das artistas Hedra Rockenbach, Loli Menezes e Sandra Meyer. Trata-se de uma série em formato de vídeos e podcast que reflete de forma divertida e sensível sobre traumas de infância, resistência LGBTQIA+ e sobre uma possível reconstrução do passado de vítimas de homofobia.
A série foi criada por Olivetto em parceria com a artista Hedra Rockenbach, que assina ainda a ambientação sonora e a finalização de áudio e vídeos dos episódios. Integram a programação como convidados os atores Jônata Gonçalves e Renato Turnes, os atores-dançarinos Mauro Filho e Leandro Cardoso (Karma Coletivo) e o ator Arthur Gomes, também conhecido como Drag Suzaninha.
Censurado
Em 14 de maio de 2021, um dia antes de sua estreia, o projeto foi vetado pelo prefeito de Itajaí, Volnei Morastoni (MDB), após denúncias de que o podcast fazia apologia à sexualização de crianças e à pedofilia. Tanto o prefeito, quanto os vereadores Adriano Klawa e Beto Cunha, publicaram vídeos em suas páginas se referindo ao projeto de maneira vulgar e preconceituosa, o que acabou por estimular diversos ataques à equipe do projeto.
Todas as denúncias feitas pelo Conselho Tutelar de Itajaí foram consideradas improcedentes e arquivadas pelo Ministério Público de SC em julho de 2021, concluindo que: "a apresentação em debate – pelo que se tem dos autos – não fere os artigos 78 e 79 do ECA, cabendo aos responsáveis pela exibição verificar a necessidade realizar a autoclassificação, caso entendam que há conteúdos inapropriados a crianças e adolescentes, atentando para o cumprimento do Guia Prático de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça; a censura prévia levada a efeito pelo Município de Itajaí viola abertamente a Constituição Federal; e a expressão "criança viada", ressignificada no contexto em que é utilizada, não deve ser considerada ofensiva, sobretudo à vista de quem a enuncia, estando, portanto, protegida pelo direito constitucional de liberdade da atividade intelectual, cultural, artística e de comunicação.”
A Defensoria Pública de Santa Catarina ingressou com Ação Civil Pública em 30 de junho de 2021 objetivando a suspensão do ato praticado pelo município, possibilitando a realização da live e a restituição dos membros da comissão do setor de cultura, bem como a condenação do ente municipal ao pagamento de dano moral coletivo, o qual reverterá para ações de promoção da igualdade da população LGBTQIA+. A OAB/SC, subseção de Itajaí, também apresentou parecer favorável ao projeto.
Não havendo resposta do poder público, após a decisão do Ministério Público de SC, foi enviada ainda notificação extrajudicial em conjunto com a Comissão de Direito Homoafetivo e de Gênero da OAB da subseção de Itajaí, solicitando a prestação de esclarecimentos da prefeitura de Itajaí sobre o ocorrido, a retratação pública do prefeito Sr. Volnei Morastoni e dos vereadores Srs. Adriano Klawa e Roberto Cunha, bem como a restituição dos membros da comissão do setor de cultura. Contudo, a notificação não foi respondida e cumprida.
Em 14 de julho de 2022, por fim, o Ministério Público determinou a liberação da live, dando à prefeitura um prazo de 48 horas para informar a data de sua exibição.
Sobre o "Criança Viada"
Em 2012, Iran de Jesus Giusti criou uma página no aplicativo Tumblr chamada “Criança Viada”, no qual postava fotos suas e de seus amigos em poses afeminadas. A ideia de reunir fotos fofas de crianças viralizou e se tornou um perfil com publicações constantes, alcançou milhares de seguidores, e não tardou, entretanto, a ganhar repercussão negativa, protestos, acusações sobre sexualização da criança, e outras polêmicas descontextualizadas. O resultado, aliado ao crescente fortalecimento das representações LGBTQIA+, foi a escrita de diversos artigos e reportagens, inspirações em diferentes segmentos artísticos, e um número crescente de estudos e publicações acadêmicas sobre o tema.
De meme à objeto teórico, a noção “criança viada” fortaleceu as reflexões e as representações sobre Cidadania LGBTQIA+. A censura ao projeto em Itajaí acabou por se tornar mais uma página neste processo de perseguições e violências. “Ainda não processamos direito a notícia da liberação do projeto. O dano emocional que a censura nos gerou foi imensurável. Tive crises de pânico, medo de sair de casa. Deu vontade de entregar os pontos todos os dias, devolver o dinheiro e encerrar o assunto. Sofremos ataques em nossas redes, alguns colegas sofreram constrangimentos em seus ambientes de trabalho. Vimos representantes governamentais nos atacarem com os argumentos mais vulgares e violentos, em nome de uma moralidade e de uma família brasileira inventadas por eles. É um jogo perverso e muito conhecido. Você vê as pessoas distorcendo o que você diz. Você lê documentos jurídicos e denúncias com argumentos extremamente vulgares. Depois de todo esse processo, estamos cansados e orgulhosos de não termos desistido. A justiça foi feita”, comenta Olivetto.
Como conferir ao vivo
A live de abertura vai ao ar dia 7, domingo, às 19h, ao vivo no youtube do projeto “Ações para Reexistir”, com acessibilidade em libras. A partir desta data, o público pode acessar os episódios de forma gratuita. O podcast pode ser acessado no Spotify buscando pelo nome do projeto “Criança Viada Show”. Os vídeos ficam disponíveis no canal do projeto “Ações para Reexistir” no youtube.
O programa pode ser acessado no link: www.youtube.com/acoesparareexistir, e tem classificação indicativa de 14 anos.
Para saber mais sobre o projeto basta acessar o site: www.acoesparareexistir.com, que conta com diários de processo, imagens e vídeos da pesquisa.