Balneário Piçarras

Sob emoção e aplauso, corpo de Dona Alcina é velado e segue para a cremação

Dedicada à caridade, à educação e à mediunidade, professora atravessou um século de história e bons exemplos

Sob aplausos e emoção, familiares, fiéis e amigos de Alcina de Oliveira Figueiredo se despediram da líder espírita na noite desta quarta-feira, em Balneário Piçarras. O ambiente era de paz, como ela gostava: música suave, em especial as de reconhecimento a Maria, mãe de Jesus, flores brancas e presença dos tarefeiros que fizeram e fazem do Centro Espírita Luz do Evangelho, no bairro Nossa Senhora da Paz, um importante centro de busca de cura e espiritualidade.

Alcina faleceu na manhã desta quarta, poucos dias antes de celebrar seus 98 anos – ela iria aniversariar em 31 de dezembro. Partiu “silenciosamente e sem dor”, no dizer dos familiares. Além de médium e dedicada às ações de caridade, dona Alcina praticamente atravessou um século marcando a história de Balneário Piçarras. Chegou a assumir como vereadora (era suplente do Legislativo); foi professora de gerações, secretária de Educação, fundadora da Associação de Aposentados e Pensionistas, e teve mais de cinco décadas dedicadas à caridade sob a orientação da Doutrina Espírita e também de ensinos espiritualistas. 

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O funeral ocorreu na instituição espírita que ela fundou, num ambiente de paz e silêncio. “Esse local está transmitindo muita paz”, declarou a professora aposentada Maria da Graça Adriano, amiga da família. Entre as homenagens, coroas de flores enviadas pelo prefeito Thiago Baltt (MDB) e pelo ex-prefeito Carlos Jaime de Andrade, o Neneco, hoje afastado da política, entre outros. Amigos próximos sentiram falta de homenagem por parte do Legislativo – embora Alcina, em sua simplicidade, “não se importaria com mais ou menos flores na despedida”, destacou um familiar.

A promotora de Justiça aposentada Viviani Damiani Mira resumiu às filhas, Maria Ignez Figueiredo e Graça Figueiredo Fleith, sua emoção em se despedir da educadora: “ela foi a rainha da caridade, a minha linda, que agora se despede”.

O estado de saúde da médium vinha se complicando nos últimos dez anos. Com a idade avançada, mudou-se da casinha simples de madeira onde vivia, na rua João de Deus Carvalho, no Santo Antônio (fundos do primeiro centro espírita), para a casa da filha Graça, em Piçarras, e, nos últimos nove anos, para Gaspar, com a filha Maria Ignez.

“Ela passou os últimos dez anos sem tomar medicamentos, a não ser por conta de várias quedas. Não reclamava, não chorava, não questionava seus últimos dez anos”, contou a filha Graça, “embora alternasse momentos de grande lucidez com a perda de memória”. Aos 87 anos, foi diagnosticada com um câncer, que não só venceu, como ainda viveu mais 11 anos. “Ela foi como um passarinho. O céu hoje está aberto”, enfatizou a filha.

O funeral começou por volta de 15h, e seguiu até 20h, esperando a chegada da filha Glória Figueiredo, que mora em Salvador, Bahia, e veio acompanhada da filha Priscila, para a despedida. Todas as três filhas – Ignez, Glória e Graça, estas duas gêmeas – se dedicaram ao Espiritismo e ao Espiritualismo, segundo os passos da mãe, na mediunidade. Em seguida, o corpo de Dona Alcina foi encaminhado para cremação.

Alcina era respeitada por todos os credos, desde o Catolicismo até as tradições de matriz africana. A ialorixá Nanci Cristina Santos, de Barra Velha, resumiu: “Dona Alcina foi luz, viveu na luz e agora como sempre iluminada que era, está junto dos seus mentores e irmãos espirituais”.

 

Historiadora e poetisa

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Dona Alcina também era poetisa e dona do maior acervo da história local, espalhado em cadernos de memórias que ela gentilmente presenteava seus conhecidos. Atendia a comunidade carente no centro espírita; promovia grandes festas de Natal para as crianças pobres; praticamente buscou os estudos sozinha, ao ir para Itajaí, pedir para estudar no Colégio São José, por decisão própria. 

“Dois mil réis por mês, para mim era uma fortuna”, lembrou. Uma freira, irmã Áquila, segundo ela, pagou os estudos. “Eu disse para a freira que não tinha dinheiro, mas era ali que eu queria estudar”, contou ao jornalista Luiz Garcia. “Arrumaram roupa para mim com as mais riquinhas”. Aos nove anos, começou a entender as diferenças sociais. “Como eu era uma menina pobre, me tratavam como pobre. Aí pensei que não precisava estar no São José. Me matriculei no Vitor Meireles, que era público”, acrescentou. Ao DIARINHO, num Entrevisão de 14 de outubro de 2006, enfatizou: “O rico, se puder, está sempre pisando na cabeça do pobre”.

Ainda na infância, chegou a varrer e capinar terrenos em troca de cadernos para poder estudar, e se ofereceu para lecionar aos nove anos de idade. Lecionando, atingiu a independência financeira na mocidade, mesmo com contrariedade do pai, que não queria que ela estudasse e se recusava a assinar seus boletins escolares. “Minha avó, italiana, ria, não entendia e brincava que a ‘prefessora’ tava chegando”.

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Alcina enfrentou as desconfianças de Balneário Piçarras, um pequeno grupamento de pescadores ainda pertencente a Penha, ao vir da região de Florianópolis, onde nasceu, para morar no litoral norte. Enfrentou o patriarcado – o pai, um “jogador inveterado”, nas palavras dela. Sofreu violência física por parte de uma irmã mais velha. Aos 15 anos, o pai faleceu sem deixar nada para os filhos, e eles ainda ficaram com a mãe doente.

Ela batalhou muito para trazer estrutura educacional para a cidade, e ainda para difundir o Espiritismo. Em outubro de 2000, conheceu Chico Xavier, numa viagem a Uberaba com o amigo e dirigente espírita Juvan de Souza Neto, de Barra Velha. “Tenho uma felicidade na vida; estive em Salvador com mãe Menininha do Gantois, e em Minas com o Chico”, se gabava.   

Ainda atuou na prefeitura de Balneário Piçarras por dez anos - no extinto Mobral, e 14 anos com vários prefeitos. “Nesse ínterim, a gente criou muita coisa. Na gestão do Colzani, de 1980 até 1986, quando houve aquele esticamento de gestão, nós fizemos 80 e poucos cursos, foi uma época de estender a educação e cultura. A gente trouxe o Senac. Eu entrava no gabinete do Colzani e ele dizia: ‘Meu Deus, o que será que esta velha vem propor hoje?’ Mas ele não deixava de me atender”, disse Alcina, à época, em entrevista ao Jornal do Comércio.

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Dona Alcina, nascida em 31 de dezembro de 1923, deixou cinco filhos (o sexto filho é falecido), 17 netos, 20 bisnetos e um tataraneto. Publicou um livro de poesias - “Na Calada da Noite”, mas deixou um sem-número de cadernos com a história de Balneário Piçarras e até mesmo de Penha espalhadas por toda a região.



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