Pedro Joaquim Cardoso, presidente do sindicato dos tiras da Santa & Bela, não tem dúvidas de que em breve o trabalho na polícia Civil vai se transformar num bico por conta desse salário merreca. O policial faz segurança em algum lugar e ganha bem mais. Assim, ele vai deixar o trabalho na polícia como bico, alfineta.
Sobram comparações com outros servidores públicos pra demonstrar a vergonha do faz-me-rir dos policiais civis. Pedro comenta que o vale-rango de um barnabé de nível médio da assembleia Legislativa, por exemplo, é maior que o salário-base de um policial Civil, que precisa ter canudo de faculdade pra ingressar na profissão. Funcionários da assembleia ou do Tribunal de contas ganham R$ 900 de vale-alimentação, descasca.
Quem já foi tira sabe bem como é fazer carreira na profissão. Hoje não se valoriza o policial. Além do salário ser uma vergonha, não existe incentivo pra carreira. Você não tem horizonte na polícia Civil, lasca a advogada e perita judicial Maria Teresinha Romagnani, policial civil aposentada. É por isso, diz ela, que muitos agentes não tiram férias, com medo de perder penduricalhos como abonos e periculosidade. Senão, o que era pouco vira nada. Um policial civil devia ganhar inicialmente R$ 3,5 mil, opina.
Até quem é de outra corporação se espanta com o que ganha um policial civil catarinense. O delegado Hildo Rosa, responsável pelo setor de comunicação social da polícia Federal, em Floripa, chama o faz-me-rir dos colegas da Civil de lamentável. Ele compara com o salário dos tiras de Brasília, que começam ganhando R$ 3,5 mil. O policial civil precisa viver com dignidade e não é isso que esse salário proporciona. É incoerente um policial ganhar tão pouco e ser chamado quando assaltam a casa de alguém, solta o delega da PF.
É por isso, diz o agente Luciano Miranda, chefe de investigações da divisão de Investigações Criminais (DIC) peixeira, que muita gente abandona a profissão. Quem vai querer trabalhar em turno de 24 horas, pra no fim do mês receber nem 800 reais? É muito difícil as pessoas sonharem em ser policial com um salário desses, desabafa.
Deixou a polícia por salário de R$ 7 mil
O que fez o ex-escrivão de polícia Joel João Francisco Júnior, 28 anos, é cada vez mais comum na polícia Civil. Cansado dos baixos salários, das longas jornadas de trabalho e da falta de perspectivas na profissão, ele deixou a corporação e foi ser oficial de justiça no Ministério Público Estadual (MPE). Trabalhava de segunda a sexta-feira e ficava 24h de plantão uma vez por semana, lembra.
Joel entrou na polícia em setembro de 2008 e por lá ficou até outubro de 2009. Ele ganhava R$ 2,5 mil como escrivão, já contando as gratificações. No MPE, começou logo de cara recebendo R$ 3,5 mil. Além disso, deixou de correr riscos, como quando fazia interrogatório sozinho com os presos. Hoje, dois anos depois, Joel tem um salário de R$ 7 mil trampando de oficial de justiça. Saudade da profissão de policial, que um dia foi seu sonho, ele não tem nenhuma. Foram duas alegrias, uma para entrar e outra para sair, brinca.
Prejuízo com debandada chega a R$ 2,4 milhões em quatro anos
Quando chegarmos ao final de 2011, cerca de 60 policiais civis catarinenses já terão abandonado a profissão este ano. Muitos, pra prestar concurso em outro órgão público, como o Ministério Público Federal ou o Tribunal de Justiça. Isso não é discurso de sindicalista. A informação foi apresentada por César Augusto Grubba, secretário da Segurança Pública da Santa & Bela, há poucas semanas, em reunião com o presidente do sindicato dos Policiais Civis de Santa Catarina (Sinpol), Pedro Joaquim Cardoso. Ele nos disse que a cada mês assina seis atas de exoneração de policiais civis. Isso, multiplicado por 12, são 60 exonerações por ano, calcula Pedro.
O sindicalista reclama que em Santa Catarina qualquer cargo público de nível médio, em estágio inicial, supera a remuneração de um policial civil. É muito complicado segurar os profissionais qualificados. Pra eles ganharem um pouquinho mais, é preciso sacrificar toda vida privada e social do agente. Então, é difícil a concorrência, avalia, referindo-se aos bicos que os tiras muitas vezes têm que fazer nos horários de folga.
Prejuízo dos grandes
O escrivão Nilton Neves, vice-presidente do Sinpol, faz uma conta curiosa. Ele diz que cada policial custa, durante os cinco meses de academia, cerca de R$ 10 mil pro estado. Como há uma média de 60 abandonos de carreira por ano, ao final de 12 meses vai dar um prejuízo de R$ 600 mil pros cofres públicos. Como esses números referem-se à média dos últimos quatro anos, o rombo aí é de R$ 2,4 milhões. Isso pra formar o policial civil e depois ele sair correndo pra outra entidade, observa.
Nilton lembra que esse dinheiro poderia ser investido em estrutura e mais qualidade de trampo pros policiais civis. Mas não. Eles preferem gastar duas vezes, uma na formação e outra na reposição, lamenta.
O vice-chefão do Sinpol lembra que, enquanto a população cresce, o efetivo diminui progressivamente. Problema que, pra ele, pode ser o estopim pra uma grande crise na corporação. Não existe mais identificação do policial civil com o seu trabalho. Cada vez mais temos funcionários desanimados, que não sabem por que escolheram estar aqui. No início era um sonho, depois você percebe que aquilo é um pesadelo, conclui.