Ontem, era K. quem estava de aniversário. Estamos livres. Acabou, resumiu, afirmando que as lágrimas que derramava eram de alegria pelo fim do inferno que passou ao lado do marido. O pintor Alvim José Pereira Junior, 42. Além de abusar da caçula, ainda teria estuprado o filho de 10 anos e o enteado de 12. Ao descobrir que estava sendo investigado pela po¬lícia, Alvim, preso na quinta-feira, passou a espancar ainda com mais frequência a companheira.
A noite de quinta para sexta-feira foi a primeira, desde o início de novembro, em que K. dormiu sem o fantasma do marido. A primeira durante a qual, finalmente, repousou sem medo. Sofri muita ameaça dele. Temia que ele viesse à noite. Esse medo acabou, desabafou.
O sol radiante da sexta-feira parecia anunciar a nova vida da diarista. Abraçou os três filhos, chorou e, consigo mesma, rezou. Desejou - e admite que conseguiu - que seu presente de aniversário fosse a sensação de alívio. Foi o melhor presente de aniversário que eu já ganhei. Nunca vai ter [presente] maior, disparou.
A espontaneidade com que a filha manifestava toda a felicidade pelo fim do sofrimento que a família passou, fez a mãe transformar as lágrimas em choro convulsivo enquanto conversava com o DIARINHO. Desde o dia 3 de novembro, quando ela descobriu que o marido abusava da pequerrucha da família e dos outros dois filhos., K. vivia como num filme de terror. Não comia, mal dormia por conta do medo que não a abandonava.
Ligaram avisando da prisão. Eles [os filhos] gritavam e pulavam de alegria
Por conta do histórico violento de Alvim em casa e, principalmente, depois de descobrir que ele usava drogas, K. decidiu mandá-lo embora. Mas o pintor, pra ficar perto da família a quem aterrorizava, mudou-se para uma quitinete bem pertinho de onde o casal vivia, no morro do Bem-te-vi, no bairro Fazenda, em Itajaí. Desde então, Alvim, nas palavras de K., a perseguia por todos os cantos e, inclusive, chegou a invadir sua baia. Eu voltava de uma faxina que fui fazer, cheguei em casa e vi as coisas jogadas na entrada da porta. Ele arrombou a casa e pôs fogo em alguns documentos nossos, conta a diarista.
Jurou matar a mulher
Alvim chegou a ser detido pelos policiais e levado até a delegacia pela invasão, que aconteceu há uns 10 dias. Mas não ficou preso. A liberação do pintor custou ainda mais caro pra diarista e seus filhos. Lá na delegacia contaram que ele estava sendo investigado por abuso sexual. Até então, ele não sabia. Depois disso, ele ficou ainda mais agressivo, afirma a mulher. Na terça-feira desta semana, Alvim praticou mais uma violência contra K., quando ela voltava do jardim de infância, onde havia deixado a filha. Ele me deu um tapa no rosto e disse que iria me matar antes que a polícia pusesse as mãos nele, acusa a diarista.
A agressão foi a gota dágua. Ainda mais aterrorizada com o marido, K. foi até o conselho Tutelar e revelou a agressão a uma das conselheiras. O caso foi parar na delegacia e depois no fórum peixeiro. Finalmente, na quarta-feira, Alvim teve o mandado de prisão expedido pela dona justa. Na manhã de quinta-feira, K. estava na casa de uma irmã, também no morro do Bem-te-vi, quando recebeu a notícia de que finalmente o pintor tinha sido preso e que seria levado, no mesmo dia, para o presídio da Canhanduba. A notícia da prisão do marido violento e tarado deixou os quatro membros da família eufóricos. Ligaram da delegacia avisando da prisão. Eles [os filhos] gritavam e pulavam de alegria, relata.
Foi a pequena quem, cansada dos abusos, resolveu contar o que o pai vinha fazendo com ela
Olhar o rosto corado e feliz da filha de cinco anos e associá-lo à imagem ainda presente daquele dia 3 de novembro, quando descobriu a tara do marido, foi demais pra K. As lágrimas quase a impediram de contar os detalhes sórdidos do abuso sofrido pelos três filhos.
Mas a diarista ainda tentou encontrar forças e tocar pra frente a conversa com o DIARINHO. Eu tava lavando a louça. Ela (a filha) veio pra mim: Mãe, eu não quero mais que o pai vai me buscar na escola. Perguntei por quê e e ela disse: Não quero porque ele me leva pro quarto dele. O choro compulsivo interrompeu a narrativa. O resto, você sabe, né?, acrescenta, quase sussurrando.
Os outros dois filhos de K. surgiram, então, na cozinha. Como que pra socorrer a mãe, a pequena sugere a um deles que explicasse o restante da história. O menino de 10 anos acatou o pedido. Ela (a irmã¬zinha) veio e disse: fulano, eu já contei o que o pai fazia comigo. Pode contar pra mãe, porque eu já contei, relatou K., já recomposta e tentando tomar as rédeas da história novamente. Mas a continuação do depoimento sempre esbarrava na emoção com que ela dispensava as palavras. Desculpe, é difícil falar sem se emocionar, justifica.
Filhos sofriam desde o ano passado
A conversa com a psicóloga do conselho Tutelar e o exame de corpo de delito feito nas crianças, no instituto Médico Legal (IML) de Itajaí, comprovaram o que a mãe jamais imaginou: os filhos sofriam com os abusos do pai desde o final do ano passado. Eu jamais soube de nada até ela vir me contar. Nunca havia encontrado nada de anormal neles, garantiu K.
Vício do crack transformou Alvim num monstro
Três meses antes de descobrir que o marido abusava dos filhos, K. flagrou Alvim usando crack dentro de casa. Já desconfiava que ele estava se entregando às drogas. Há pelo menos um ano e meia viu o marido mudar drasticamente de comportamento. Tornou-se agressivo. Batia em mim. Sempre foi bem o oposto, lembra.
A própria filhinha descreveu um dos episódios de terror pelo qual a mãe passava na mão do safado com os espancamentos que eram cada vez mais constantes. A gente Só ouvia pá, pá. Parecia que a casa ia cair, narra a criança, que apesar da pouca idade parece ter a noção exata do tamanho da violência praticada.