Portador de retinose pigmentar há 20 anos e por isso com apenas 3% de visão, Ademir viveu mais um drama na tarde de sexta-feira. Tava dentro de sua baia, com o filho Alexandre Gonçalves de Lima, 30, quando lá pelas 13h30 escutou dois carros estacionarem. Ouviu vozes, mas não conseguiu escutar o teor da conversa, apenas que mais um outro veículo chegou em seguida.
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O cão, Black, de apenas um ano, tava na entrada da porta da frente da baia, amarrado por uma corda. Latia muito, lembra Ademir. O filho espiou pela janela e quando viu que eram policiais militares, deu o alerta que não era pro pai ir pra rua. Em seguida ouvi passos, correram pros fundos (onde tem uma grande área verde). Logo escutei um tiro e um deles falou que deveria ter sido no dono e começaram a rir. Saíram em seguida e foram embora, relata Ademir.
O morador da Barra conta que quando as baratinhas da PM saíram, ele ainda pediu pro filho ir dar uma olhada em Black. Ademir estranhou o silêncio do cão-guia. Parecia pressentir que algo muito ruim tinha acontecido com o fiel companheiro. Quando a gente tava saindo, um vizinho veio correndo contar que os policiais tinham matado o meu cão. Não acreditei e fui até lá. Vi o vulto dele deitado, sem movimento. Me contaram que deram um tiro na boca dele, lamentou, sem segurar o choro.
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Ademir não entende o motivo da execução. Reclama dos PMs terem entrado no terreno sem pedir autorização ou ao menos terem avisado. Mas o que considera pior é terem matado seu cachorro e sequer terem se importado em bater na porta da casa pra avisar o que tinham feito. Se tivessem um mandado ou qualquer coisa contra a gente, podiam bater na porta e falado. Não fizeram. Apenas entraram e atiraram no meu cão. O que vou fazer agora?, pergunta, sem encontrar respostas.
Black chegou na casa de Ademir quando tinha três meses. Foi dado por uma mulher, quando descobriu que o cadelo tava com cinomose. Ademir tratou do cachorro e usou o conhecimentos que adquiriu quando trampou no Exército como adestrador, pra ensinar o animal a ser um cão-guia. Ele ia no mercado comigo e ficava me esperando. Dava a pata e obedecia quando mandava sentar e deitar. Não sei o que fazer. Meu filho (que é pescador) passa dias fora de casa e o Black era o meu companheiro, conclui Ademir.
Pai e filho já tiveram problemas com a PM
Ademir sobrevive de uma aposentadoria por invalidez e completa a renda vendendo salgadinhos. Ele reclama que essa não é a primeira vez que a família é alvo dos fardados. Diz que pelo menos umas 20 vezes a PM invadiu a baia e que, em maio deste ano, a situação ficou feia. Eles meteram o pé na porta e já pularam em cima de mim. Me deram uma gravata. Meu filho tava em casa e pulou neles dizendo que eu era cego. Não adiantou e meu filho também foi espancado, denunciou.
O deficiente conta que foi agredido com chutes, pontapés e até com o cabo de uma espingarda. Apanhou tanto que teve que ficar um mês internado no hospital Ruth Cardoso onde passou por cirurgias. Diz que o caso já foi denunciado pro Ministério Público. Quero que alguém me dê proteção. Alguma coisa pior vai acontecer, prevê.
O filho confirma a versão do pai e mostra na cozinha da casa o sangue na parede como lembrança da surra. Eles me jogaram contra a parede. Batia a cabeça onde tá a mancha de sangue e tive que levar 12 pontos. Me botaram sentado em uma cadeira e me algemaram pelos pés e mãos e desceram o pau, lembrou.
Alexandre alega que a suposta perseguição da PM é pelo fato de ser suspeito de ser traficante. Sou usuário, mas não trafico. Eles se aproveitam disso, mas não trafico, assegura.
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Tenente diz que Black atacou policial
O tenente Cristofer Tieman, da PM do Balneário Camboriú, informou que a polícia recebeu através do 190 uma denúncia de disparos de arma de fogo. Uma viatura com dois fardados foi despachada pra Barra. Os tiros teriam sido ouvidos nos fundos da casa de Ademir. Os dois policiais relataram ao oficial que o labrador se soltou e que tava com uma baba branca (podendo indicar que estivesse com raiva). Black teria ido pra cima dos fardados. O PM atirou pra se defender. Foi um tiro e foi apenas isso que aconteceu, afirmou o tenente. O oficial disse ainda que depois do tiro, outra viatura, com mais dois fardados, também pintou no terreno de Ademir.
A suposta violência da PM cometida contra o deficiente e o filho, em maio deste ano, não eram de conhecimento do tenente. Mas o policial fez questão de dizer que naquela região da Barra moram pessoas honestas, mas que também, por lá, há problemas tanto com o tráfico de drogas quanto com crimes ambientais.
Quando a reportagem tava saindo da baia de Ademir, foi abordada por um morador. O homem confirmou a história da família e afirmou que o PM atirou em Black quando ainda estava na rua. Disse ainda que a polícia já pintou por lá pra barbarizar com os moradores.
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