O perrengue de Margarete começou há cinco meses. Ela já morou numa área de invasão, em Navegantes, mas a casa pegou fogo em maio e ela perdeu o pouco que tinha. Saí de lá só com a roupa do corpo, lembra. Em seguida, foi morar de favor num sítio do bairro Santa Lídia, mas precisou sair de lá quando a chácara foi vendida. Desesperados, ela e o marido resolveram comprar um terreninho na Penha ao lado da casa da filha Cimara Miranda, 22. Receberam doações de amigos e da igreja para mobiliar a casinha, construída por Silvio Uhlmann, marido de Margarete e conhecido popularmente como Pipoca.
Quem vendeu o pedaço de terra, no valor de R$ 10 mil, foi Gildo Manoel da Costa, 68, sogro de Cimara. O problema é que a área é propriedade da Marinha, o que invalida o contrato de compra e venda firmado entre Margarete e Gildo. Eles vendem de boca, mas o que vale mesmo é o registro do imóvel, e isso não tem, explica Evaldo Eredes dos Navegantes, secretário de Planejamento da Terra do Marisco.
Na região conhecida como Vila de Pescadores do Costão do Gravatá, outras 29 baias estão construídas em área da Marinha. Todas foram cadastradas pela prefa em 2006, quando um processo foi aberto e a dona justa federal decidiu que os moradores da invasão não poderiam ampliar ou reformar as baias, proibindo, ainda, a construção de novas baiucas. As informações são do procurador da prefa da Capital do Marisco, Wagner Borges Figueiredo.
Segundo ele, quando Margarete começou a construção da casinha, foi notificada e avisada de que a casa teria que ser demolida se não obedecesse a ordem da justiça federal. No dia 1º de outubro, o primeiro prazo de Margarete venceu. Ela alegou que estava com criança pequena e doente, por isso foi dado mais um prazo, que venceu ontem [terça-feira], diz o procurador.
Prefa diz que até segunda casa será demolida
Margarete, contudo, garante que a obra nunca foi embargada, e que ela jamais teve conhecimento de que era proibido construir naquele terreno. Eu não sabia que era de invasão. A gente comprou isso aqui inocentemente. Para tentar reverter o perrengue, ela e o marido procuraram um defensor público. Mas, até agora, o advogado não entrou com ação nenhuma, reclama. A filha Cimara toma as dores da mãe. Eu acho que tinha de ser lei pra todo mundo. Se for pra derrubar, que derrubem todas as casas, até a minha. Mas porque invocaram com a minha mãe?, questiona. A resposta a essa pergunta, segundo a prefa, está no fato de a baia de Margarete ser a única fora do cadastro realizado em 2006. De acordo com a secretaria de Planejamento, a demolição da baia deve rolar até segunda-feira.
Antes de comprar imóvel, tem que saber se tem escritura, orienta dotô ouvido pelo DIARINHO
O advogado Fábio Fabeni diz que o comprador precisa seguir alguns passos antes de adquirir um imóvel, seja casa ou terreno.
O primeiro de tudo é checar se o imóvel está registrado, se tem escritura. Uma ida ao cartório de registros resolve isso.
Além da bizolhada no cartório, o dotô Fábio explica que áreas da Marinha (terrenos banhados pelas águas do mar ou dos rios distantes até 33 metros do preamar médio) são reguladas pela secretaria de Patrimônio da União, que na Santa & Bela fica em Floripa.
Ela [Margarete] deveria ter ido até lá e checado se a área era mesmo da Marinha. Só com essa informação, ela já saberia que não conseguiria construir. Da União, ela não vai conseguir nenhuma indenização, garante.
A única saída, para dona Margarete não ficar tão na pior, é processar o sogro da filha, Gildo Manoel da Costa, que foi quem lhe vendeu a área da Marinha. Ela pode pedir o dinheiro da venda [R$ 10 mil] de volta, completa Fábio.
Meu filho vai para o conselho tutelar. Meu marido e eu, pra rua
Margarete tem problemas de saúde e diz que não pode trabalhar. Ela espera por uma cirurgia e, enquanto não resolve essa situação, fica só em casa cuidando do filho pequeno. A filha do meio, Cimara, também está encostada fazendo tratamento de síndrome do pânico e mora numa casinha minúscula, com só um quarto, que não teria capacidade de abrigar sequer um morador as mais. Seu Pipoca é pescador, mas nem sempre o mar tá pra peixe, nas palavras de Margarete, e o trampo não traz grana suficiente. As outras duas filhas do casal moram de favor nas baias dos sogros, por isso não têm condições de abrigar os pais. Meu filho vai para o conselho tutelar; meu marido e eu vamos ter que ficar na rua.
Associação de moradores fez a denúncia
Em 2006, quando foi realizado o cadastro das 29 baias instaladas na área da Marinha, a associação de Moradores da Vila de Pescadores do Costão do Gravatá foi criada. A ideia era que os próprios moradores ajudassem na fiscalização para que não houvesse nenhuma reforma ou construção de novas baias no local, respeitando a decisão da dona justa.
Na casa de Cimara, por exemplo, ela e o marido tiveram que improvisar uma lona por cima da cama para não sofrer com as goteiras enquanto dormem, já que o conserto do telhado está proibido.
Há cerca de dois meses, a associação denunciou dona Margarete por conta da construção irregular da casa dela. Nós estamos numa situação difícil, porque outras pessoas se acham no direito de construir também, comenta Jorge Edson Ferreira de Oliveira, presidente da associação. Segundo ele, a família de Margarete foi avisada desde o início que a obra deveria ser paralisada. Não adianta querer passar por cima da lei. Tem que esperar para ver se a justiça vai definir se as casas podem ser retiradas ou não.