Quem sou eu?. Para o professor de filosofia Telmo José Tomio, a pergunta só pode ser respondida quando se olha para trás. Descobrir as origens e os caminhos trilhados pelos antepassados ajuda a esclarecer o porquê de estarmos aqui e agora. Com a missão de auxiliar os alunos do ensino Médio da escola estadual Manoel Henrique de Assis, de Penha, na descoberta de si mesmos, o sabichão desafiou os estudantes a montar uma árvore genealógica. Além dos nomes dos ancestrais, muitas histórias curiosas vieram à tona com a iniciativa.
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Meu trisavô era escravo em Portugal. Veio pro Brasil escondido num navio, conta Mayara Mendes de Borba, 17 anos. A adolescente revirou o baú das lembranças da família e, conversando com o pai, ...
Meu trisavô era escravo em Portugal. Veio pro Brasil escondido num navio, conta Mayara Mendes de Borba, 17 anos. A adolescente revirou o baú das lembranças da família e, conversando com o pai, descobriu que nem sempre as coisas foram confortáveis como hoje, morando no centro de Penha. Se as histórias passaram como um filme na cabeça da estudante, a árvore genealógica não conseguiu avançar muitas gerações. Mayara conta que a família perdeu os registros dos antepassados. Nomes, datas e outras informações caíram no esquecimento. A garota só conseguiu chegar até os avôs.
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Outra história marcada pela injustiça social foi relatada por Laura Oliveira Mendes, 15. Como nas conversas na mesa do café o assunto nunca foi levantado, a estudante pouco sabia das circunstâncias em que sua família foi formada. Escrava em São Paulo, a bisavó de Laura foi abusada pelo senhor de escravos. Fruto do estupro, nasceu a avó da estudante, que teve 11 filhos. Hoje, os parentes estão espalhados por seis estados brasileiros. Gostei do trabalho, porque talvez eu nunca fosse descobrir essa história da minha família, comenta Laura, que carrega na pela a mistura das cores.
A árvore genealógica de Tatiellen Fernandes Garcia, 17, foi formada a partir do amor que brotou do ódio. O que poderia ser uma versão do romance de Romeu e Julieta é, na verdade, a história de duas tribos indígenas. Os bisavôs maternos da estudante se apaixonaram, mesmo sendo de famílias rivais. Pra conseguir manter acesa a chama do amor, o bisavô raptou sua índia amada e os dois fugiram para a região de Canoinhas (SC). Por parte de pai, Tatiellen descobriu que o avô era escravo no Quilombo de Penha.
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E histórias de amor não param por aí. Gabriela Barsari, 16, conseguiu registrar a genealogia até os trisavôs. A trisavó dela era espanhola, de uma família conservadora e que não admitia misturas de etnias. Contudo, o amor falou mais alto do que as regras: ela se apaixonou por um homem de origem italiana. Sendo a família da mulher endinheirada e o rapaz de origens humildes, resolveram fugir para o Brasil.
Foi da conversa com o avô para o trabalho escolar que Maria Cecília Floriano Frutuoso, 16, desenterrou um livreto de páginas amareladas com a história de seus ancestrais. O material foi produzido por algum parente e registra justamente a genealogia familiar: quem casou com quem, quando, número de filhos, data da morte. A missão da garota foi complementar o que já estava pronto. Descobri que a origem da minha família é italiana e que posso continuar registrando a nossa história, conta.
Já Gabriel Fucks Caetano, 16, ouviu sua avó jurar que o bisavô serviu na segunda Guerra Mundial, mesmo que ela não saiba detalhar o momento emblemático. Pro aluno Robert Roan Meisen, 16, a experiência foi válida pra confirmar a origem do sobrenome: alemã.
Esses alunos fazem parte do segundo ano do ensino Médio técnico em turismo em hospedagem. Além das aulas regulares, os estudantes têm aulas durante três tardes com abordagens temáticas específicas pra formação técnica. Eles aprovaram a iniciativa e esperam por uma segunda etapa no próximo ano, quando poderão aumentar ainda mais a árvore genealógica. Este foi o primeiro ano da iniciativa. A minha intenção é continuar, todos os anos, adianta Telmo.