Coluna Fato&Comentário
Por Edison d'Ávila -
Senhor dos Passos: devoção do povo
A gente catarinense do litoral viveu sempre arraigada à forte religiosidade católica. Trata-se de herança cultural portuguesa que, no caso da beira-mar de Santa Catarina, teve significativa contribuição açoriana desde a segunda metade do século XVIII. Os ilheus demonstraram sempre inquebrantável fé e profunda devoção ao sagrado.
Essa crença religiosa, em Santa Catarina, assim como no Brasil, constituiu-se num catolicismo rústico, construído sem interferência da hierarquia da igreja, característico das camadas populares e com forte religiosidade no grupo familiar e comunitário.
Os santos como que conviviam com as pessoas, o que fazia dispensável, em muitas ocasiões, a intermediação do padre. Eles eram tratados como pessoas da família, a quem se faziam pedidos, prometia-se e se pagavam promessas. Essa cultura religiosa incentivou o costume popular de fazer homens, mulheres e santos personagens duma mesma história, habitantes de um mundo comum, em que se trocavam favores e mercês.
Dentre as devoções mais populares que possuem raízes na religiosidade de portugueses e açorianos, encontra-se a devoção ao Senhor dos Passos, relacionada aos sofrimentos de Cristo, na sua paixão e morte. A procissão em Lisboa, por exemplo, remonta ao século XVI. A imagem sacra dessa passagem da vida do Nazareno é representada carregando a cruz. A imagem do Senhor carregando sua cruz e mais a da Virgem dolorosa permitem se ter, na procissão do domingo anterior ao Domingo de Ramos, a encenação do Filho a caminho do Calvário e do seu pungente encontro com sua mãe. Daí também chamar-se procissão do Encontro.
A procissão do Senhor dos Passos ou do Encontro é antiquíssima na tradição popular do litoral de Santa Catarina. Assim, ela existe desde 1766, em Florianópolis, reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil; desde o fim do século XVIII, em São Francisco do Sul; do começo do século XIX, em Laguna; de 1864, em Porto Belo; de 1870, em Imaruí.
Em Itajaí, no ano de 1923, um grupo de devotos, liderados por João Marques Brandão, o Joca Brandão, encabeçou subscrição para adquirir as imagens do Senhor dos Passos e da Virgem das Dores, hoje expostas na Igreja da Imaculada Conceição, e, em 1924, aqui realizar a primeira procissão. Caminha-se, portanto, para o seu centenário.
As primeiras procissões tiveram início a partir da capela do antigo Hospital de Santa Beatriz, no começo do caminho de Cabeçudas, para a qual era trasladada, no fim de tarde da véspera, a imagem vedada do Senhor dos Passos. Depois de pronta a Igreja de Nossa Senhora da Paz, da Vila Operária, de lá tem saído a procissão. A imagem da Virgem das Dores sai da Igrejinha da Imaculada e vai ao Encontro, que acontece frente à Matriz.
Expressão legítima da religiosidade do povo é patrimônio imaterial da cidade, cuja 98ª edição acontece neste sábado, 3 de abril, às 17 horas. Essa manifestação religiosa, quase centenária, tem que ser mais motivada e merecer todos os cuidados de sua preservação.