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A democracia de Tocqueville e a nossa


Não só pelo tema, mas ‘Demo­cracia na América’, de Alexis de Tocqueville, é um livro fabuloso. Às reflexões profundas, o francês acrescentou um estilo belo, cati­vante de ler. Entretanto, o prazer que se sente com suas observações pode ser superado pela decepção da comparação com o Brasil de hoje. Tem-se a estranha sensação de que quase tudo o que é aponta­do como risco para a democracia e o bom governo é assunto corriquei­ro no Brasil. Especialmente agora, quando estamos às vésperas de um ano eleitoral.

No Brasil, temos um Executivo fortíssimo, que comanda uma ar­recadação próxima a 40% do PIB, capaz de, em uma única canetada, alterar completamente leis e criar novas (através das Medidas Provi­sórias). Com uma imensa máquina administrativa, só de ministros são quase quatro dezenas, acompanha­do de outros milhares de cargos de confiança e gratificações a serem distribuídas por todo o Brasil.

Nesse estado de coisas, o Con­gresso é muito fraco. Raramente pauta discussões, e mesmo os le­gisladores que propõem algo têm o seu projeto substituído por algum do interesse (e da iniciativa) do go­verno. O orçamento, que seria uma prerrogativa do Congresso, é feito pelo Executivo, negociado com o Congresso e gasto da forma que convier, pelo Executivo, o qual tem o poder de contingenciar os gastos. A força de um parlamentar está em ter prestígio no governo para con­seguir liberar verbas e indicar apa­drinhados para cargos.

O Judiciário é o poder mais rico. Possui média salarial de R$ 16,8 mil (contra R$ 6.691 do Executivo e R$ 12,5 mil do Legislativo). Tem operador de máquina de fotocópia ganhando mais que engenheiro. Possui, também, as melhores insta­lações físicas de trabalho. Mas sim­plesmente não funciona. É lento, perdulário, corrupto e incerto.

Mas vejamos o que dizia o fran­cês Tocqueville, visitando os EUA no século 19. O poder Executivo era dividido, com total princípio de subsidiariedade. A cidadania se construía na base, especialmente nos municípios, onde a maior parte das coisas eram decididas. Como o poder do presidente da União era limitado, ele podia conviver tran­quilamente com um Congresso oposicionista. “Ninguém, até o mo­mento, foi encontrado para arriscar a sua honra e vida para se trans­formar em presidente dos Estados Unidos, pois o presidente tem ape­nas um poder temporário, limitado e dependente”, notava.

E continua: “A razão para isso é simples: chegando ao topo da ad­ministração, ele não pode distri­buir aos amigos nem muito poder nem muita riqueza ou glória, e sua influência sobre o Estado é muito tênue para as facções acharem su­cesso ou ruína em sua ascensão ao poder.”

Por aqui, tal situação está dis­tante e, infelizmente, os próprios Estados Unidos também já não são assim, embora num grau deveras menor do que o Brasil. Com a as­censão do PT ao governo, o que era feito de forma ocasional e envergo­nhada foi elevado à prática curri­cular. Este é o caso do loteamen­to total de cargos e comandos, de estatais a fundos de pensão. Veja­mos o exemplo mais recente. Para barrar a CPI da Petrobras – mais do que necessária, diga-se de pas­sagem – uma tropa de choque do fisiologismo foi acionada, coman­dada pelo ministro das Relações Institucionais (que bem poderia se chamar de Ministério do Toma­-Lá-Dá-Cá), José Múcio Monteiro (PTB-PE). Ele não escondeu que detonou uma série de ligações para os senadores que colocaram a as­sinatura, mas lamentou ter conse­guido reverter apenas dois nomes. Em outros momentos, ele foi mais persuasivo ($$).

No governo anterior, foram noti­ciados casos semelhante na tenta­tiva de barrar CPIs, o que rendeu manchetes nos principais jornais e negativas do governo (pouco crí­veis) – acompanhados por rígida fiscalização da imprensa das libe­rações de emendas orçamentárias. Agora, isso não causou nenhum espanto nem recriminação. É como chegar à casa de um conhecido pela primeira vez e fazer xixi de porta aberta, com toda a família presente. Os maus modos não es­condem nem mais a aparência. É de dar muito medo perguntar quais outras práticas serão entronizadas.

E o que dizia Tocqueville de uma nação se aproximando de uma eleição e com possibilidade de distribuição de cargos e favores por alguém que deseja se reeleger? “Negociações, como leis, viram apenas esquemas eleitorais; cargos se tornam recompensas por servi­ços prestados não à nação, mas ao chefe do governo. Apesar de atos do governo nem sempre serem con­trários ao país, eles não serviriam, em todo caso, à nação”, advertia.

A impressão é de que nossos po­deres estão dissociados da socieda­de. Como já exprimiu um deputa­do, estão se lixando para a opinião pública.

Renato Lima, jornalista, é mestre em Estudos da América Latina (University of Illinois at Urbana-Champaign) e doutorando em ciência política (MIT)


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