DIA DO SAMBA

Quando o samba encontra o tempo: raízes, memória e protagonismo

Entre batucadas ancestrais e a efervescência do Mercado Público, a cantora Bárbara Damásio transforma o samba em símbolo de resistência cultural

Mercado Velho tornou-se o reduto do samba (Foto: Joca Baggio)
Mercado Velho tornou-se o reduto do samba (Foto: Joca Baggio)

O Brasil abriga inúmeros estilos musicais, mas nenhum traduz tão profundamente a identidade do país quanto o samba — ritmo que ganhou, inclusive, data oficial de celebração: o Dia Nacional do Samba, comemorado em 2 de dezembro. Em muitas regiões o samba ainda preserva seu sentido histórico de resistência.

Em Santa Catarina, essa história remonta ao século 19, aos batuques praticados em rituais das religiões de matriz africana. Para o professor e militante do movimento negro há quase cinco décadas, Márcio José de Souza, o samba segue como processo contínuo de resistência política e étnica. Ele destaca registros como as Congadas e o Catumbi — expressões ancestrais preservadas por figuras como Emília Rosa de Souza, ex-escravizada nascida em 1873, que aos 98 anos ainda marcava o compasso nas palmas, eternizando a força simbólica dessas tradições.

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Das batidas das mãos ao surgimento das primeiras escolas em 1922, no Rio de Janeiro, consolidou-se um instrumento vigoroso de afirmação cultural. Ao notar essa potência, o Estado brasileiro reagiu com repressão aos negros recém-libertos e, depois, com mecanismos regionais de controle, especialmente onde a cultura europeia era dominante. A repressão — silenciosa e eficaz — envolvia autoridades, setores privados e instituições religiosas, buscando conter o alcance social do samba.

O historiador José Bento Rosa da Silva reforça que, mesmo após a Proclamação da República, o samba ainda era visto como “pouco civilizado”, em contraste com a música europeia cultuada na época. Jornais de Itajaí registravam denúncias a manifestações afro-brasileiras, enquanto “Pelo telefone”, primeiro samba gravado por Donga em 1916, chegava ao sul pelos portos acompanhado de letras críticas, muitas vezes alvo de censura. “Essa lógica se repete hoje na perseguição ao funk, outra expressão negra”, observa.

Durante o Estado Novo, Getúlio Vargas tentou disciplinar sambas e enredos, ampliando o controle sobre o gênero. Em regiões com menor população afro-brasileira, como Itajaí, os obstáculos eram ainda maiores, e sambistas recorreram às Associações de Auxílio Mútuo para manter viva a tradição.

Duas décadas de história e resistência no Mercado Velho

Em Itajaí, o Mercado Velho tornou-se o reduto onde o samba reina absoluto, espaço que acolhe vozes, ritmos e formações diversas — cenário essencial para o nascimento e consolidação do Samba de Bárbara, projeto que há duas décadas transforma a cena do gênero em Santa Catarina.

Criado por Bárbara Damásio, Rafaelo de Góes e William Goe, o grupo começou como um “samba de bar”: acústico, portátil, democrático — e com o trocadilho certeiro no nome da cantora. A própria formação, liderada por uma mulher loira e acompanhada majoritariamente por músicos brancos, contraria estereótipos e revela a potência contemporânea do samba no sul do país.

Das terças no Mercado às temporadas em espaços emblemáticos da cidade, o grupo espalhou ritmo e poesia. Durante os cinco anos de restauro do Mercado Público, ocupou o vão entre os prédios, mantendo viva a tradição das rodas de sábado ao meio-dia. De volta ao centenário Mercado Velho, consolidou um público fiel e transformou o local em palco permanente de celebração ao gênero.

O baterista e percussionista Jean Boca foi o primeiro a integrar a nova formação, que depois recebeu diversos convidados até chegar à banda atual: Rafaelo de Góes (violão 7 cordas), Marcos Renato (percussão), Boca (percussão), William Goe (percussão e direção musical) e o cavaquinista Edson Buiú, figura importante da comunidade negra de Itajaí e atual rei da Missa de Nossa Senhora do Rosário.

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A vivência intensa de Bárbara no Rio de Janeiro e em Salvador moldou a linguagem do projeto. Frequentadora da Lapa, dos ensaios de escolas e de casas emblemáticas como Carioca da Gema e Clube Democráticos, ela construiu repertório e identidade em diálogo com nomes como Alfredo Del-Penho, Pedro Miranda, João Cavalcanti e Moisés Marques — artistas essenciais na revitalização do samba contemporâneo.

O resultado é um projeto que virou referência estadual, sustentado por um público diverso e apaixonado. “O samba se realiza sozinho”, diz Bárbara, reconhecendo a força do ritmo que, sob seu comando, ganhou constância, afeto e identidade catarinense.

Para celebrar o Dia Nacional do Samba, em 6 de dezembro, o grupo recebe o trio “Gato com fome” — referência paulistana do Ó do Borogodó — e o violonista Rogerinho Caetano, parceiro de Zeca Pagodinho e ícone nacional. No dia 17 de janeiro, João Cavalcanti retorna ao projeto, reforçando laços construídos ao longo de quatro anos de intercâmbio artístico.

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