COP30

Obras bilionárias da COP30 revelam contradições entre progresso e precarização em Belém

De um lado, o prometido legado; de outro, atrasos e queixas de operários por salários e condições de trabalho

Eraldo Paulino/Agência Pública
Eraldo Paulino/Agência Pública

Por Eraldo Paulino | Edição: Bruno Fonseca

Belém, a sede da COP30, recebeu R$ 11 bilhões em investimentos para sediar o evento: R$ 6 bilhões do Governo Federal e R$ 5 bilhões do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). Durante meses, as obras de saneamento, mobilidade e reordenamento urbano foram anunciadas prometendo transformar a cidade e deixar um legado histórico. Mas a COP30 já teve início e algumas obras permanecem ainda incompletas, sob tapumes e com entulhos.

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Entre as intervenções ainda inacabadas estão a readequação da Avenida Rômulo Maiorana, no bairro do Marco, bem próximo de onde está instalada a área oficial e restrita onde ocorrem as negociações diplomáticas da COP; o Parque Igarapé São Joaquim, na Avenida Júlio César, via de acesso ao aeroporto; e canais em bairros periféricos, como os da Vileta, no Marco e o do Caraparu, no Guamá, onde famílias foram removidas.

“Eu vi minha rua virar uma avenida, com as mudanças no trânsito. Achei que fosse poder curtir o nosso canal igual fizeram na doca”, reflete a dona de casa Norma Leal, que mora nas proximidades do igarapé São Joaquim, no bairro da Sacramenta.

No caso das obras da avenida Rômulo Maiorana, governo do estado e prefeitura chegaram a divulgar em setembro que havia uma aceleração do processo para que fosse entregue até a COP. Agora, a via tão próxima dos eventos principais da conferência ainda está inacabada, curiosamente, com a parte de cima dos tapumes removidas.

A obra do parque é uma das mais ousadas, e que promete um grande legado para a relação da cidade com os rios. Previsto para quatro etapas, integrando as periferias com a orla de Belém, a primeira delas estava programada para terminar em outubro, mas isso não ocorreu.

Mesmo com várias frentes oficialmente “concluídas”, uma parte da paisagem urbana ainda mistura máquinas, lama e improviso — símbolo de uma cidade que corre contra o tempo.

A reportagem pediu posicionamento sobre as obras não concluídas para a Secretaria Municipal de Urbanismo do Município de Belém (Seurb) e Secretaria de Estado de Obras Públicas do Estado do Pará (Seop), que não responderam até a publicação.

E a COP com isso?

  • As obras na cidade de Belém foram anunciadas como um legado da COP30 para os moradores da cidade, um discurso que remete ao que foi anunciado com a Copa do Mundo de 2014.
  • Contudo, além de alguns dos projetos estarem inacabados, houve a remoção de moradores, impactos ambientais e ainda denúncia da precariedade das condições dos trabalhadores da construção civil.

Emprego cresce, mas informalidade resiste

O investimento bilionário nas obras da COP30 foi um dos fatores que impulsionou o mercado de trabalho e ajudou a reduzir a taxa de desocupação no Pará para 6,9%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) divulgada em agosto, acompanhando o bom momento nacional.

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Mas o cenário esconde um dado estrutural: o estado segue como líder nacional em informalidade, com quase 60% dos trabalhadores sem carteira assinada, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE).

“Essa estrutura desequilibrada impede que os trabalhadores se beneficiem do crescimento econômico e faz com que reajustes tão pequenos só venham após muita pressão”, avalia Everson Costa, técnico do Dieese-PA.

A insatisfação dos operários culminou na greve de nove dias da construção civil, entre 16 e 25 de setembro, que mobilizou cerca de 5 mil trabalhadores.

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O movimento conquistou 6,5% de reajuste salarial, R$ 160 na cesta básica e duas parcelas de R$ 350 de participação nos lucros — ganhos modestos diante da lucratividade do setor.

A paralisação ameaçou o cronograma das obras da COP, especialmente nas frentes conduzidas pela GPE Construção, responsável pelo Hotel Vila Galé, no Porto Futuro II, empreendimento com 206 leitos voltados à conferência. Mesmo sob pressão e com mediação do governo, o sindicato conseguiu aprovar a proposta integral da categoria.

“A patronal se recusou a negociar. O reajuste de 5,5% que ofereciam equivalia a R$ 5,60 de aumento real para quem ganha quase um salário mínimo”, afirma Ailson Cunha, coordenador do STICMB.

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A greve também abriu espaço para uma conquista histórica das mulheres operárias, que hoje são apenas 3% da categoria.

A nova convenção coletiva garante o direito à reclassificação profissional, permitindo que mulheres deixem de ser registradas apenas como “serventes” e passem a ser reconhecidas como profissionais qualificadas.

“Agora os engenheiros terão que reconhecer o nosso trabalho da mesma forma que fazem com os homens”, celebra Daniele Brito, diretora do STICMB.

Ela destaca que também foi consolidado um protocolo de combate ao assédio sexual e moral nas obras. “Antes, se uma mulher era assediada, tinha que escolher entre se calar ou perder o emprego. Hoje, a denúncia é um direito garantido”, diz.

As contradições entre o investimento nas obras e a realidade dos operários disparou uma greve em setembro que mobilizou 5 mil trabalhadores

Boom imobiliário, com lucros concentrados

Apesar das contradições, o mercado imobiliário de Belém vive um momento de euforia. Segundo o Sinduscon-PA, o Valor Geral de Vendas (VGV) na Grande Belém – uma estimativa do potencial de receita bruta que um empreendimento pode gerar com a venda de todas as suas unidades – R$ 1,5 bilhão em 2024, com alta de 34%. A capital também lidera o ranking nacional de rentabilidade imobiliária, com média de 8,41% ao ano – o ranking é uma lista que classifica cidades ou tipos de imóveis com base em seu potencial de retorno sobre o investimento.

Mas, para quem ergue os prédios, o progresso nem sempre chega. “Trabalho há 20 anos e ainda recebo R$ 300 por laje, o mesmo valor de 2005”, lamenta Claudeilton Almeida, ferreiro armador. “A gente ergue prédios de luxo, mas nunca vai morar neles.”

O metro quadrado em Belém custa, em média, R$ 8.164, valor superior ao de Cuiabá, capital do Mato Grosso, onde os salários e as condições de trabalho são melhores.

A ausência de fiscalização nas obras é outro ponto problemático para os trabalhadores. “Já trabalhei em lugar onde precisava levar água de casa, porque a que o patrão dava era da torneira”, conta Pedro Ivo, eletricista. Segundo ele, as condições insalubres são comuns, sobretudo em obras médias e pequenas, fora do radar das grandes empreiteiras.

O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) e a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) foram procurados, mas não responderam até o fechamento desta edição.

O déficit habitacional no Pará chega a 354 mil moradias, segundo a Fapespa (2023) — quase 80 mil apenas na Região Metropolitana de Belém. A Funpapa calcula entre 2.500 e 3 mil pessoas em situação de rua na cidade, mesmo com a valorização recorde do mercado imobiliário.

“Belém é hoje uma cidade marcada por desigualdades gritantes”, reforça Everson Costa, do Dieese. “As obras da COP avançam com cifras bilionárias, mas os frutos não chegam às mãos de quem constrói esse progresso.”



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