Narcotráfico na Amazônia

“Comunidades estão no meio do fogo cruzado”, diz especialista

Aiala Colares, professor quilombola, explica a expansão do tráfico no Norte do país e seu impacto nas comunidades locais

Aiala Colares/Arquivo pessoal
Aiala Colares/Arquivo pessoal

Por Andrea DiP, Ricardo Terto, Stela Diogo, Rafaela de Oliveira | Edição: Ludmila Pizarro

A região Norte do Brasil teve um crescimento acentuado do crime organizado, resultado do alto índice de violência, garimpo ilegal, lavagem de dinheiro, entre outras violações ambientais relacionadas ao narcotráfico. Segundo o 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve o aumento de 92% nas apreensões de cocaína no território nos últimos 11 anos. São 20 pontos percentuais acima da média nacional, que registrou alta de 72% no mesmo período. O levantamento aponta que no ano passado foram apreendidos 15,2 toneladas de maconha, contra 229 kg em 2013 – um acréscimo de 6.530%.

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Para analisar os fatores que contribuíram para o cenário da região, Andrea Dip recebe no Pauta Pública desta semana o professor quilombola Aiala Colares, da Universidade Estadual do Pará. PhD em Geografia e Especialista em Direito Penal, ele detalha as facções que atuam no interior da Amazônia Legal, especialmente nos estados do Pará, Amazonas e Amapá.

Colares explica as consequências enfrentadas pelas comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas localizadas nas principais rotas de tráfico de drogas do continente. Ele enfatiza que o Estado também é responsável por esses impactos ao reforçar uma lógica violenta de repressão. “A guerra às drogas, inspirada em um modelo norte-americano que não deu certo, reproduz a lógica de violência estatal de racismo e encarceramento em massa, além de não conseguir entender a importância da discussão sobre redução de danos e políticas públicas”, afirma. Ele também sugere diferentes alternativas de ações para frear o crime na região e melhorar a vida das comunidades locais.

Foto mostra o entrevistado Aiala Colares, pós-doutor em Geografia, professor quilombola da UEPA e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, fala sobre narcotráfico no norte ao Pauta Pública.
Aiala Colares é pós-doutor em Geografia, professor quilombola da UEPA e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Leia os principais pontos da entrevista e ouça o podcast completo abaixo.

EP 183 Rios de cocaína e sangue: tráfico e violência escalam no Norte

29 de agosto de 2025 · Professor quilombola explica cenário de expansão do tráfico no Norte do país e seu impacto nas comunidades locais

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Sobre esse dado de que a região Norte teve um crescimento de 92% nas apreensões de cocaína, num período de 11 anos. A que isso se deve?

Tem uma questão fundamental quando a gente fala de entrada e saída de cocaína do Brasil, porque a entrada é a Amazônia e a saída são os portos do Brasil. Dentro dessa lógica de organização espacial das redes do narcotráfico, a Amazônia cumpre o papel de ser a região que abastece tanto o mercado brasileiro quanto o africano e o europeu.

Então, nos últimos anos, o Brasil vem se destacando no consumo de cocaína em contexto global, sendo o segundo principal mercado consumidor da droga, depois dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, se destaca como o principal exportador para os continentes africano e europeu. Não que o Brasil seja produtor de cocaína, mas ele cumpre o papel de gerar trânsito. E a região amazônica acaba ocupando esse lugar central dentro dessa conexão.

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Um outro dado é sobre o aumento das facções criminosas. Quais são essas facções? E quais as principais atividades que elas exercem?

O problema das facções criminosas é um problema no Brasil. Hoje, todas as regiões enfrentam essa complexidade, mas o que muda são as escalas de atuação, o esquema de organização hierárquica entre elas. É o que acontece quando falamos, por exemplo, de facções na região amazônica. Existiam os grupos locais, que já atuavam nos estados da Amazônia, principalmente no Pará, Amazonas e Amapá. E, nos últimos anos, a entrada de facções do Sudeste [que] incorporaram as locais. Algumas poucas já existem, e passaram a fazer parte desse contexto de conflito da região.

Ou seja, a Amazônia já sofria uma série de agressões. E quando eu falo Amazônia, estou falando não só da natureza, do meio ambiente, da biodiversidade, mas também dos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, castanheiros e camponeses. Essas agressões são os problemas históricos relacionados à questão agrária: a grilagem, a expedição do latifúndio, o contrabando de madeira, o garimpo ilegal. Agora, tudo isso se soma à dinâmica do narcotráfico. Então, as facções, elas se deslocam para a região amazônica com o intuito de controlar as principais rotas do tráfico de cocaína.

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Como isso impacta as comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas?

É importante enfatizar que o impacto que as comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas e, até mesmo, o campesinato sofre na região amazônica com o narcotráfico, elas também sofrem com a presença do Estado. Isso porque o Estado reproduz uma lógica violenta de repressão ao tráfico de drogas. A guerra às drogas, inspirada em um modelo norte-americano que não deu certo, reproduz a lógica de violência estatal de racismo e encarceramento em massa. Além de não conseguir entender a importância da discussão sobre redução de danos e políticas públicas para chegar a uma possibilidade de resolver os impactos.

Essas comunidades estão no meio do fogo cruzado, de um lado as facções, do outro o Estado. E somando-se a tudo isso, nós temos outros atores sociais que já apresentavam uma série de dinâmicas de conflitos, como o latifundiário, o grileiro, o contrabandista de madeira, ou seja, várias atividades ilegais relacionadas aos crimes ambientais e à questão fundiária que vão se conectando com a questão, por exemplo, do narcotráfico.

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Atualmente, a dinâmica de problemas enfrentada por essas comunidades é muito mais complexa do que 15 ou 20 anos atrás. E esses são os impactos enquanto o Estado não entender, por exemplo, que a titulação da terra, a demarcação da terra, a regulação fundiária, acompanhadas de políticas públicas, são necessárias para criar um mecanismo de proteção desses territórios e eliminar os impactos causados pela presença do crime organizado.

Quais políticas públicas e ações poderiam frear o que está acontecendo, ou melhorar a vida das comunidades da Amazônia?

A primeira questão é regularizar a terra, porque quando analisamos o mapa dos conflitos na Amazônia percebemos que eles ocorrem, em sua maioria, onde não há regularização. Então, regularizar a terra é fundamental. Ou seja, demarcar a terra indígena, titular o território quilombola, demarcar o que é ribeirinho, fazer o projeto de regulação fundiária de assentamentos que não tiveram seu reconhecimento.

Depois disso, deve-se pensar nas políticas públicas de segurança e de prevenção para tentar dar oportunidade à juventude, impedindo que tenha uma ânsia em fazer parte de uma facção criminosa porque viu fulano ou ciclano vendendo drogas.

O terceiro ponto é desenvolver a região amazônica, o que requer dar autonomia para as comunidades, assim como investimento financeiro para que elas possam recomeçar a vida, devido à invasão do latifúndio, que desmatou tudo. E, por fim, criar uma estrutura para atender as demandas do desenvolvimento sustentável, incorporando as atividades econômicas que partem de comunidades locais, com o objetivo de fazer parte do circuito econômico sustentável, a partir daquilo que se aprende na região.

Para mim, esse seria o modelo perfeito. Uma Amazônia sem latifúndio, sem crimes ambientais, uma Amazônia sustentável e, claro, uma Amazônia viva. Quando eu falo viva, não é só a biodiversidade, mas as pessoas, porque o que temos hoje são pessoas morrendo. E junto com elas, a floresta.



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