O inverno ainda não começou, mas o clima digno da estação mais fria do ano me faz vestir a camiseta rubro-anil por cima do moletom. É uma opção esteticamente estranha e não tão confortável assim. Meu filho, com o manto por baixo de uma jaqueta, também está devidamente uniformizado e protegido do frio. O nosso destino é a arquibancada descoberta do estádio Dr. Hercílio Luz, que desde que eu me conheço por gente recebe o apelido, ao mesmo tempo carinhoso e jocoso, de Esquenta Galho. Nessa noite em que o Marcílio Dias recebe o São Luiz pela última rodada do turno da primeira fase do Brasileiro da série de D, paradoxalmente, faz muito frio no Esquenta Galho.
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Ao chegar, avisto a arquibancada lotada e a mancha branca da torcida organizada Fúria Marcilista, instalada bem ao centro. Lembro de um tempo em que não existia a Fúria, um tempo em que eu não era o pai e sim o filho. Foi em meados dos anos oitenta, numa tarde ensolarada de domingo, que minhas pernas pequenas e curtas venceram os degraus de cimento daquele lugar pela primeira vez.
Chegamos cedo, uma tentativa de não enfrentar a multidão. Lembro do cheiro dos foguetes que estouravam com frequência, anunciando que se aproximava a hora do jogo. Lembro de um homem refazendo a marcação do gramado com cal. Lembro do Nego Dico com a bola no gramado, incentivado pelos poucos torcedores que ali estavam a chutar a bola contra a trave vazia e comemorar como se tivesse realmente tivesse marcado um gol.
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Cresci frequentando esse lugar sagrado do esporte da minha cidade. Aprendi, como todo marcilista um dia aprende, a ser um pessimista esperançoso. A acreditar na vitória improvável e, principalmente, a duvidar do jogo ganho. No Esquenta Galho, que só tem esse nome autodepreciativo por abrigar uma torcida que adora rir do próprio infortúnio, eu mesmo aprendi a odiar e amar o Marcílio Dias e entender que ele faz parte do nosso jeito de ser itajaiense.
O jogo começa e é fácil perceber que muita coisa mudou nesse lugar. O acesso à arquibancada, que antes era apenas um túnel obscuro, hoje tem loja, bar com chopeiras, pavimentação e iluminação. Na arquibancada, a presença das mulheres nos enche de orgulho e deixa para o passado a ideia de que aquele é um lugar só de homens. Outra conquista recente que enche os olhos é ver toda a arquibancada com as cores do time da cidade, diferentemente de quando os uniformes dos “times de fora” eram permitidos no Gigantão das Avenidas.
Mas há algo que faz parte da alma do Esquenta Galho que continua intacto: o humor, a irreverência da torcida. A torcida que implica com o peso dos próprios jogadores, a torcida que encontra os meios mais criativos para xingar a arbitragem ou os adversários. O alvo dessa vez é o jogador do São Luiz que vai cobrar o escanteio. O torcedor, agarrado ao alambrado, não perdoa:
— Vai timbora, cu de grilo!
Tudo é festa. Tudo é riso. Tem espetinho de gato no intervalo, chope agora com copos retornáveis e personalizados, o reencontro de amigos, e o encontro de estranhos que se descobrem unidos por duas cores. E nem importa o resultado do jogo, a diversão é garantida.
Mas nessa noite de frio, a primeira vez de meu filho no Esquenta Galho, até o resultado nos traz alegria. O Marcílio joga bem, vence por 3 a 0 e assume a vice-liderança da competição. E para confirmar que o humor e o ceticismo dos marcilistas seguem afiados, um senhor ao meu lado se levanta e grita pra torcida quando o Marcílio marca o terceiro gol já na metade do segundo tempo:
— Calma que ainda tem jogo!
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