POLÍTICA

Trump não oferece nada à América Latina e pode fortalecer China, diz pesquisador

Para Oliver Stuenkel, política externa estadunidense impacta mais seus aliados, como a Colômbia, que países distantes

Agência Pública [editores@diarinho.com.br]

Oliver Stuenkel, doutor em ciência política e pesquisador visitante na Universidade de Harvard (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)
Oliver Stuenkel, doutor em ciência política e pesquisador visitante na Universidade de Harvard (Foto: Roque de Sá/Agência Senado)

Por Isabel Seta | Edição: Bruno Fonseca

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As primeiras medidas de Donald Trump para os países da América Latina focadas na deportação de imigrantes, e a reação dele à breve crise diplomática instaurada com a Colômbia, demonstram que o presidente ...

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As primeiras medidas de Donald Trump para os países da América Latina focadas na deportação de imigrantes, e a reação dele à breve crise diplomática instaurada com a Colômbia, demonstram que o presidente não tem uma agenda propositiva para os países da região. Isso pode levá-los a diversificar suas parcerias e se aproximar ainda mais da China. A visão é de Oliver Stuenkel, doutor em ciência política e pesquisador visitante na Universidade de Harvard e pesquisador no Carnegie Endowment, centro voltado para política externa, em Washington.

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No último domingo, 26 de janeiro, o presidente colombiano Gustavo Petro afirmou, em rede social, que desautorizava a entrada de aviões militares americanos com deportados colombianos. Petro disse ainda que os Estados Unidos precisavam estabelecer um protocolo de tratamento digno aos imigrantes. Na sequência, ele postou um vídeo com os relatos de maus tratos de deportados brasileiros e disse que os imigrantes deveriam retornar a seus países em aviões civis.

Horas antes, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil havia informado que pedirá explicações ao governo dos Estados Unidos sobre o “tratamento degradante” sofrido por brasileiros deportados que chegaram algemados ao Brasil e relataram terem sido agredidos por agentes americanos de imigração.

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Trump respondeu a mensagem de Petro, publicada no X (antigo Twitter), com uma postagem em sua própria rede social, a Truth Social, na qual anunciou uma série de medidas em represália, entre elas a imposição de 25% de tarifas alfandegárias para produtos colombianos, a revogação de vistos para todos os funcionários e aliados do governo colombiano e controles adicionais para colombianos e mercadorias do país que quisessem entrar nos Estados Unidos. 

Enquanto o presidente colombiano respondia às ameaças, dizendo que também aumentaria as tarifas para produtos americanos, as diplomacias dos dois países atuavam para resolver a crise. Horas depois, a Casa Branca disse em um comunicado que Petro havia “aceitado todas as demandas” de Trump e que, por enquanto, “tarifas e sanções” ficariam em suspensão, enquanto as restrições aos vistos permaneceriam em vigor até o retorno dos aviões com destino à Colômbia. Já a pasta de relações exteriores da Colômbia afirmou que o governo havia “superado o impasse” com os Estados Unidos e que o governo colombiano continuaria a receber seus cidadãos deportados, “garantindo-lhes condições dignas”. 

O imbróglio provocou reações de outros países da América Latina. Em resposta a um pedido de Petro, a presidente de Honduras, Xiomara Castro, convocou uma reunião de emergência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) para esta quinta-feira a fim de discutir questões relacionadas à imigração. Segundo o Metrópoles, o governo Lula avalia participar da reunião de forma virtual. Já a presidente do México, Claudia Sheinbaum, disse nesta segunda-feira, 27 de janeiro, que é necessário manter a “cabeça fria” diante das primeiras medidas de Trump. Ela confirmou presença na reunião da Celac.

No entanto, é pouco provável que os países da região consigam articular uma resposta unificada e completa, até por diferenças ideológicas entre os governos, explica Stuenkel. Ainda assim, a postura de Trump pode levá-los a se afastar dos Estados Unidos, o que, no longo prazo, acarretaria em uma diminuição da influência estadunidense. Em entrevista à Agência Pública, Stuenkel analisa a disputa entre os presidentes colombiano e americano e o impacto da estratégia internacional de Trump para a América Latina. 

Você escreveu que a estratégia do Trump em relação à Colômbia segue “um padrão”. “Aliados dos EUA são ameaçados ou punidos mais severamente”. Que padrão é este? É um padrão Trump?

É acima de tudo um padrão Trump. Donald Trump rejeita os três pilares da ordem pós-Segunda Guerra Mundial: primeiro as alianças militares por meio das quais os EUA exercem sua influência e também promovem segurança para os seus aliados; segundo a globalização, ele acha que os EUA estão sendo explorados por meio desses acordos globais, que é o oposto do que todos os líderes pós-Segunda Guerra Mundial fizeram; e o terceiro fator é algo que nem sempre foi aplicado de forma correta, mas seria a defesa da democracia liberal. E eu acrescento ainda um quarto aspecto que é o estabelecimento de regras e normas internacionais, a ordem multilateral.

Ele rejeita esses quatro aspectos. O desmonte desses fatores produz inevitavelmente um maior choque para os países mais integrados à essa ordem.

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Por exemplo, Alemanha e Japão, são países profundamente dependentes das alianças estabelecidas com os Estados Unidos. Já o México e o Canadá são países que têm uma profunda relação comercial. Então, são países que sofrem mais com essa postura de imposição de tarifas do que um país com poucos laços estabelecidos com os Estados Unidos. 

E a Colômbia é um caso interessante, porque apesar de ter um governo de esquerda, é o parceiro mais tradicional dos Estados Unidos na América do Sul, tem bases militares, ampla cooperação internacional no combate ao narcotráfico e uma relação comercial importante – é um dos poucos que ainda não tem a China como maior parceiro. 

Além disso, o Trump prefere lidar com autocratas, o que tem a ver sobretudo com o fato de que autocratas enfrentam menos restrições internas. Ele tem essa preferência de lidar com “caudilhos”, que conseguem dizer: “vamos combinar isso ou aquilo” e cumprir. Um exemplo: quando o líder da Arábia Saudita faz uma promessa, ele geralmente consegue entregar, porque não tem um Judiciário independente, um Congresso, etc. 

Esse conjunto todo faz com que os aliados sejam mais atingidos por essas mudanças de postura. Agora, o impacto disso a longo prazo pros Estados Unidos é muito ruim, porque os países que não têm essa proximidade olham e pensam: “os que mais sofrem são os aliados”, então para que vão querer se aliar?

Trump já havia dado declarações ameaçando Canadá, México, China com tarifas alfandegárias. Qual o significado da 1ª ordem – depois retirada – nesta direção ser contra a Colômbia, um aliado histórico como você colocou e, ainda, relacionada à imigração?

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Existe uma série de teorias sobre isso, porque há, possivelmente, um aspecto ideológico, vamos dizer assim. Essa questão dos imigrantes causou fricção com México, Brasil e Colômbia, países governados por governos de esquerda. Na retórica trumpista, eles dizem que a Colômbia é governada por um socialista [de forma depreciativa]. Então, tem esse aspecto. Mas o Petro também é muito controverso nas redes sociais, até parecido com o Trump no sentido de comentar tudo, ter essas brigas. E ele está numa situação muito delicada internamente, por causa do acordo de paz com o ELN [Exército de Libertação Nacional], tensão com a Venezuela. É possível que ele quisesse aproveitar para mobilizar seu eleitorado. 

Presidente colombiano Gustavo Petro desafia Trump em disputa sobre deportações e tarifas alfandegárias

O Trump pode ter alterado um pouco a forma como esses voos acontecem, agora com esses relatos de abusos, justamente porque ele quer mandar uma mensagem aos imigrantes: “não venham”.

Existem estudos interessantes que mostram que imigrantes que chegam nos Estados Unidos, em função da quantidade de dinheiro que gastaram para chegar lá e até para tranquilizar a família, falam sobre a sua vida nas redes sociais de forma exagerada, sem mencionar o quão difícil é. Isso acaba incentivando outros. Então, coisas como não dar água para as pessoas seriam uma forma de mudar essa narrativa.

Trump também está falando com o público dele, parte do qual é extremamente xenófobo, e que aprova uma política dessas.

O problema é que isso não é uma questão só para a Colômbia. A forma com que o Trump lidou – “vou impor 25% de tarifa” –, gera ressentimento e desconfiança, quando diplomacia é gestão de conflito e de tensões o tempo inteiro. Se a reação imediata, por causa de um conflito, é “vou impor tarifas”, o Trump não é visto como confiável e os outros países vão repensar sua relação de dependência com esse parceiro. Os Estados Unidos podem mandar essas pessoas de volta, muitos países fazem isso. Mas a forma com que Trump reagiu a essa disputa demonstra uma disposição de se impor de maneira muito direta, muito humilhante. 

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E temos exemplos interessantes de que isso não necessariamente funciona. Entre 2017 e 2023, a China teve uma nova abordagem diplomática, a “wolf warrior diplomacy”, algo como: o guerreiro lobo da diplomacia. Os diplomatas foram ultra-agressivos, atacavam políticos, um deles foi até um cônsul chinês que publicou um artigo atacando o [deputado federal] Eduardo Bolsonaro durante o governo Bolsonaro. Isso foi popular na China por um tempo. Depois perceberam que o impacto foi devastador, porque os outros países começaram a buscar alternativas de parceiros. Em 2023, houve uma nova diretiva para voltar a um estilo mais diplomático. 

Nos anos 1990, provavelmente esse estilo Trump poderia ter dado certo, porque os países não tinham alternativa. Se o Brasil fosse humilhado, ia buscar quem? Mas agora o mundo é multipolar. 

Voltando a um ponto que você colocou sobre a forma com que as deportações estão acontecendo. Considerando que governos democratas também deportaram muita gente, essa forma mais agressiva de condução também é uma tentativa de demarcar internamente que a política mudou?

Sim. Tem grupos diferentes na coalizão do Trump, os bilionários de tecnologia, os conservadores tradicionais, o universo MAGA [Make America Great Again] e esse elemento mais xenófobo mesmo, que acha que os Estados Unidos estão sofrendo uma invasão. 

De certa forma, o Petro acabou ajudando o Trump com essa estratégia: “olha, estão reclamando, nem querem aceitar os criminosos deles”, sendo que para muitas dessas pessoas o único crime foi entrar de modo irregular no país. Usaram coisas cinematográficas, como avião militar. Tem toda uma estética que acabou sendo de forma muito consciente. Eu duvido que em termos numéricos mude muito. Até porque, se deportar muito mais [que os governos anteriores], vai ter mais escassez de mão de obra, aumento dos salários, inflação. 

Imigrantes deportados relatam maus-tratos e abuso durante voos dos Estados Unidos, gerando reações de líderes latino-americanos

Você mencionou como Petro pode ter usado essa crise para mobilizar o eleitorado. Ele fez várias postagens provocadoras no X, Trump também fez posts. Enquanto isso, a diplomacia de ambos países parecia estar atuando para resolver o impasse, diante de ameaças que, comercialmente, não seriam bom negócio para nenhum dos dois. Para que então serve essa “diplomacia de rede social”? Para quem Trump e Petro estavam falando?

Para seus próprios eleitorados. Armar uma briga internacional tem utilidade. É até uma espécie de encenação. Mas no caso desses voos é um assunto real também. No caso dos deportados brasileiros, houve relatos de abusos gravíssimos, uma série de privações de direitos básicos, pessoas dizendo que foram agredidas.

Então, o fato de termos uma briga encenada na rede social não signifca que o assunto seja trivial. São assuntos sérios, e que impactam a reputação dos Estados Unidos na região. Um dos efeitos de uma briga de um país grande contra um país pequeno é o que se chama de “rally around the flag”, ou seja, despertar um sentimento nacionalista. O Maduro [presidente da Venezuela] faz isso com frequência. Uma ameaça pode unificar diferentes países.

Não à toa, a presidente de Honduras convocou uma reunião extraordinária da Celac para discutir as deportações. O Brasil já tinha publicado uma nota de repúdio, o México expressou preocupação com esse tema também. Mas os países da região têm relações de escalas muito diferentes com os Estados Unidos – alguns governantes, inclusive, são admiradores declarados do Trump, como os presidentes da Argentina e de El Salvador. Nesse cenário, o que a Celac pode fazer? Uma resposta conjunta é possível?

Em geral, o histórico de países da Celac e de países da América Latina de coordenarem suas posições diante de grandes desafios é muito limitado. Isso não quer dizer que não possa haver algum tipo de comunicação oficial que vise estabelecer uma série de regras sobre voos de deportados, esse tipo de coisa. Mas eu acho pouco provável que isso tenha um impacto grande, porque nenhum desses países está disposto a punir os Estados Unidos.

O Milei [presidente da Argentina] dificilmente assinará uma declaração crítica ao Trump. E os países da América Central são muito menos dispostos a confrontar os Estados Unidos que os países da América do Sul. Tudo isso dificulta o espaço para realmente articular uma estratégia mais completa. 

Uma das ordens executivas assinadas por Trump no dia da posse prevê classificar “cartéis” como grupos terroristas. Ainda veremos como isso se desenrolará, que grupos serão classificados, mas essa medida pode ter impacto nas relações da região?

Classificar algum grupo como terrorista permite a imposição de sanções mais severas, também facilita enquadrar esse tipo de tema numa chave de segurança nacional, envolvendo o Pentágono e os setores de Defesa americanos.

Também se trata de uma medida populista no sentido de que meramente declarar carteis como grupos terroristas não resolve nenhuma das grandes dificuldades que o México e os Estados Unidos estão enfrentando nessa questão.

Há uma questão fundamental que é a enorme demanda nos Estados Unidos por entorpecentes, muitos dos quais só se pode acessar por mercados ilícitos, o que eleva o surgimento do crime. Os Estados Unidos são o maior mercado para consumo de drogas, há muita demanda, isso desestabiliza países da região pelos quais essa mercadoria passa. Então, não é uma mudança significativa. 

Mas uma coisa que eu acho que é importante nisso tudo é a forma com que Trump lida com a América Latina. A América Latina é, na visão dele, uma fonte de ameaças: migrantes, criminosos, drogas e terrorismo. Por que eu acho que isso acaba sendo ruim para os Estados Unidos? Olha o que o Xi Jinping [presidente da China] fez logo depois da eleição do Trump: ele viajou para o Peru para inaugurar um porto e disse que os países são parceiros, que vão trabalhar juntos. Enquanto isso, o que o Trump oferece aos países da América Latina? Não tem uma agenda propositiva ou positiva, não é uma agenda atraente para que os líderes esses países queiram estar mais perto dos Estados Unidos. 

Na diplomacia, se pode oferecer coisas e fazer ameaças. Mas os Estados Unidos hoje não têm uma proposta concreta, não querem oferecer, nem negociar. A proposta chinesa é cheia de problemas também, é assimétrica, mas ela é contundente do ponto de vista argumentativo: “venham trabalhar com a gente e a gente vai se desenvolver juntos”. 

Na semana passada, ao responder uma pergunta sobre a relação com o Brasil, Trump disse: “nós não precisamos deles”. Na visão dele, ele não perde muita coisa. Você está dizendo que a longo prazo os Estados Unidos sim perdem ao abrir mão dessas relações, é isso?

A longo prazo, os países buscarão se proteger, por meio da diversificação das parcerias. A gente viu isso já no 1º mandato do Trump, quando o grande vencedor foi a China. Veja, o que o Trump oferece ao Milei? A única coisa é um apoio simbólico e de comunicação. Mas é importante notar que nem o Milei está se afastando da China. 

A estratégia do Trump vê nesse sistema que eu descrevi uma ameaça, mas foi por meio desse sistema que os Estados Unidos se mantiveram como grande potência e como principal vencedor da ordem pós-Segunda Guerra Mundial. O Trump está desmontando essa ordem. Então, vai obrigar os países europeus a pagarem mais pela sua defesa? Pode até ser, mas com isso ele terá uma influência menor na Europa também. No dia que Alemanha e Japão tiverem dúvidas sérias sobre a disposição dos Estados Unidos de defendê-los, eles vão começar a desenvolver suas próprias armas nucleares, e os Estados Unidos perderão a influência que têm hoje nesses países. Por isso que, tanto para a Rússia quanto para a China, o melhor cenário era esse de vitória do Trump. 




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