Ciro: Tem bastante saldos positivos em área de estatística policial, em área social, e pessoas que foram resgatadas da situação de rua, tanto encaminhadas para clínicas como para a sua cidade natal, para ficar junto à família, tentar recomeçar a vida. Eu acho que o maior saldo positivo tem sido essa sensação de segurança, essa confiança que o povo está tendo aqui nas nossas forças policiais e na operação. [O senhor dispõe de números sobre criminosos identificados entre os moradores de rua abordados?] Grande parte dos problemas que estavam atingindo Itajaí era de furtos direcionados para aquela região. O tráfico de drogas partia dali, os roubos, a receptação acontecia naquele local. Tivemos números bem significativos em toda Itajaí. Teve um aumento, por exemplo, das prisões por tráfico. Fomos de seis para 20, aumento de mais de 200%. O número de homicídios baixou até os primeiros 15 dias, de três para um. O número de roubos baixou 92%. No ano passado, no mesmo período, ocorreram 13, esse ano em 15 dias teve só um roubo registrado. O número de mandados de prisão teve um aumento de 30%. O ano passado foram 12, aumentou para 17. A gente não tem previsão para tirar a barreira da entrada da comunidade do bairro Nossa Senhora das Graças. E o foco da operação acaba se espalhando para o resto da cidade. [As pessoas em situação de rua são fruto da criminalidade ou semeiam criminalidade?] No ano passado, a população percebeu esse aumento de pessoas em situação de rua. Quando analisávamos as filmagens de furtos de portão e de pequenos objetos, verificávamos que eram pessoas em situação de rua. Também se conseguiu identificar que esse direcionamento era para a região da Nossa Senhora das Graças, conhecida como Matadouro, para trocar os objetos por droga. Hoje, em Itajaí, não vemos uma pessoa em situação de rua que não esteja ali por causa do crack. Antigamente era muito comum a pessoa em situação de rua por conta do vício em bebida. Hoje, a maioria é por crack. [Alguém da saúde ou do SUS está acompanhando essa operação?] A operação Recomeço é uma ação bem mais ampla, tem pessoal da saúde acompanhando e fazendo levantamentos. O pontapé inicial é tentar conter o tráfico. O tráfico que movimenta o ciclo da criminalidade. Nem todos os moradores de rua estão cometendo crime, senão não conseguiríamos andar na rua pela quantidade, mas acaba que, pelo vício, eles acabam movimentando e essa minoria comete os crimes. Estamos cortando o ciclo, combatendo o tráfico.
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"Hoje, em Itajaí, não vemos uma pessoa em situação de rua que não esteja ali por causa do crack”
Ciro Adriano da Silva
Os moradores de rua são um problema de polícia ou social?
Ciro: A missão constitucional da PM é preservar a ordem pública. Eu vejo que uma pessoa em situação de rua, com certeza quebra a ordem pública por vários motivos. A ordem pública é aquele estado de paz social, que as pessoas convivem de forma pacífica, calcado em três pilares: segurança, salubridade e a tranquilidade. Eu vejo que toda pessoa que está sob efeito de droga, de crack, potencialmente pode cometer uma violência. Por algum motivo, ele está fora de si. A operação gera essa questão de tranquilidade. Muitos têm passagens policiais para manter o vício. Muitos também são vítimas de violência. Teve um aumento de homicídios no ano passado. Uma boa parte desse aumento foi em relação a moradores em situação de rua que brigaram entre si e se mataram, ou que por questão de dívida com traficantes foram mortos.
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Com a operação, houve migração de andarilhos para outros pontos. Esse tipo de ação não desloca apenas o problema, que antes era concentrado na avenida Contorno Sul, para outros lugares?
Ciro: Estamos dificultando o acesso à droga. Eles começam a migrar, mas migrando fica mais difícil pedir esmola. Fora daquele eixo, é mais difícil receber essa esmola que será usada para a droga. É mais difícil cometer furtos fora da área central. [Como a PM enxerga a questão do controle estatal do comércio de entorpecentes? Como já acontece com outras drogas, como o álcool e cigarros] Eu acredito que essa liberação não funcionaria porque a droga ilegal continuaria sendo mais acessível e mais barata do que a droga legalizada, que passaria por vários controles. Continuaria a briga por ponto e por venda. Continuaria sendo lucrativo vender drogas de forma ilegal, mesmo que fosse legalizado.
Qual o número de PMs em atuação em Itajaí? E qual é a defasagem no efetivo?
Ciro: Temos uma defasagem do efetivo da PM no estado inteiro, já foi noticiado que atingimos nos últimos anos o menor número de efetivo da história. A formação do policial é algo que é demorado, tem que fazer toda a seleção. Não se pode estar colocando na corporação alguém que tenha algum problema no passado, alguma restrição. Todo esse processo leva mais de um ano. Se formou agora no final do ano a primeira turma, 680 policiais militares, e já foi anunciada a entrada de mais 600. O problema com o efetivo não é algo que se resolve em meses, é algo que tem que ser resolvido em anos, tem que ser uma política do estado.
O PM da reserva Tadeu José de Andrade foi nomeado para comandar as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (Jaris) de Itajaí. Ele tem uma condenação por tortura e responde à corregedoria por expulsar, de forma ilegal, moradores de rua de Itajaí para BC. Como está o processo na corregedoria? Como o senhor avalia essa nomeação?
Ciro: Trabalhei cerca de seis meses com ele. Sei que fez um trabalho bastante importante na PM, é um policial que tem engajamento até acima do normal, que trabalhava mais. Trabalhou muito e, com certeza, a pessoa que trabalha mais está mais sujeita a cometer erros, a cometer falhas. Ele está respondendo pelo que, eventualmente, fez de errado. Com relação à investigação do caso dos moradores de rua, ele responde à Corregedoria Geral, não tenho acesso. O inquérito foi inicialmente instaurado aqui no 1º Batalhão, foram ouvidas na época 10 pessoas que estavam no Centro Pop, mas a corregedoria geral assumiu o caso e não tivemos mais contato, não sei como está o andamento. [Quando um policial que foi condenado ou quando um PM comete uma ilegalidade, o senhor, enquanto comandante, enfrenta dificuldades para cobrar da tropa que siga as regras do estado democrático de direito?] Sempre orientamos a tropa: se sair e cometer ilegalidade está sujeito a responder. O quartel de Itajaí tem um rigor grande. Tem bastante policiais respondendo processos que podem resultar em exclusão. São oito policiais nessa condição. Acredito que seja o batalhão do estado que mais tenha policiais respondendo a esse tipo de procedimento. A tropa sabe da legislação, sabe das regras... [E como se valoriza o bom policial, o policial que faz o seu serviço respeitando todas as regras? ] É um desafio grande no serviço público, em geral, como fazer essa valorização. Procuramos, quando possível, dar oportunidade na questão de folgas e escalas... [Como está a saúde mental da tropa?] Hoje, a gente não tem na região um aparato para dar esse suporte ao policial, na questão psicológica. O policial acaba tendo que, meio que por conta, buscar um apoio de psicólogo. Foi lançado um projeto para a PM pagar psicólogos que se cadastrassem para fazer o serviço pros policiais. O valor da consulta, se não me engano, é R$ 200, mas tem que ser uma clínica.
"O tráfico movimenta o ciclo da criminalidade”
Ciro Adriano da Silva
O senhor é a favor do uso de câmeras corporais pela tropa?
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Ciro: A câmera é uma questão de política de Estado, de comando geral de Estado, fica um pouco difícil para estar opinando. [Mas a tropa vê com bons olhos ou não?] Teve várias ocorrências aqui que, mesmo sem câmera policial, tem câmeras em comércio, pessoas filmando. Dificilmente o policial vai atuar em uma ocorrência que não tenha ninguém observando e filmando. Eu, como comandante, não tenho sentido falta da câmera por conta desse grande "big brother" que já está na sociedade.
Em 2024, um homem armado com uma faca foi morto com tiros à queima-roupa no São Vicente. O crime foi filmado e a família denunciou a violência da PM, afirmando que o homem era trabalhador e tinha problemas psicológicos. O treinamento militar não deveria prever o uso de força moderada antes de atirar pra matar?
Ciro: Somos acostumados a ver o policial levando até o limite da ocorrência, e algumas vezes isso dá errado. Tivemos o exemplo do policial de Criciúma, que a pessoa sem nada na mão, sem faca, sem arma, foi até a viatura, pegou a arma do policial e matou ele com a própria arma. Quando se tem uma ocorrência dessas com faca, existem várias alternativas táticas: uma delas é quando o indivíduo que não está obedecendo às ordens e continua vindo para cima, é realizar o disparo. Na distância que estava ali, se o indivíduo vai para cima do policial correndo, dificilmente o policial não iria receber uma facada. Ele ou algum outro cidadão que estava próximo. Esse é um dos exemplos que a câmera não fez falta, tem vários ângulos sendo filmados.
Uma das questões graves da segurança pública, hoje, é a atuação do crime organizado dentro de presídios e também junto a pontos de tráfico de drogas. Como conter o avanço dessas quadrilhas em Itajaí e Santa Catarina?
Ciro: O crime organizado já está bem evoluído, com lavagem de dinheiro e outras formas de trabalhar. Acaba que a Polícia Militar consegue agir até em um ponto de ostensividade, que seria combater o tráfico que é feito nas ruas, a venda ilegal de drogas. O avanço do crime organizado tem que ter medidas mais firmes de governo para conter essa lavagem de dinheiro, esse financiamento do tráfico, envolve a Polícia Federal e a investigação da Polícia Civil também. As informações que chegam passamos para os órgãos responsáveis.
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"O pontapé inicial é tentar conter o tráfico de drogas"
Ciro Adriano da Silva
E o como estão os frutos do Proerd?
Ciro: O Proerd é o maior programa preventivo do Brasil. Em Santa Catarina, está há mais de 25 anos, com mais de um milhão de crianças formadas. Tenho uma boa notícia: vamos aumentar, ampliar a nossa atuação em cerca de 30%. Estaremos com um policial a mais trabalhando fixo.
A PM deve receber muitas ocorrências com relação aos pequenos furtos, como de fios de cobre, de bicicletas, de residências. Como o senhor citou na entrevista, eles estão relacionados geralmente ao usuário de drogas, ao tráfico de drogas. Como que tá a repressão a esse crime?
Ciro: Estamos trabalhando junto com a prefeitura, a nova gestão, identificando locais que receptam esses produtos de furto. Já foi feita uma notificação ao maior estabelecimento que comercializa sucatas no Matadouro. Recebeu uma multa de R$ 24 mil, porque foram encontrados produtos de furto. Está para ser fechado. Também trabalhamos com o aumento de abordagens, mas focar nos receptadores ajuda a diminuir os crimes.
Qual conselho o senhor daria aos jovens que sonham em ingressar na carreira da Polícia Militar?
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Ciro: A PM é o sonho de muitos jovens. Tem que ter vocação, tem que gostar do que faz, porque o trabalho exige muito do policial. Estar à noite nas ruas cumprindo missões; enquanto tá todo mundo fugindo, o policial está indo em direção ao perigo. Também tem muitas coisas da rotina que são cansativas. Vale a pena, é muito satisfatório, podemos ajudar as pessoas, estar salvando uma vida. É uma profissão muito bonita, mas é uma vocação.