O caso acende a luz amarela em relação à forma que o poder público municipal encontrou para sanar parte do déficit de 10.065 mil moradias de Itajaí (segundo dados da Cohab de 2010), já que o novo plano diretor, que entrou em vigor este ano, não estabelece um tamanho mínimo da moradia, que antes era de 30m2. Em termos de comparação, o espaço médio de uma garagem, segundo o Manual de Trânsito Brasileiro, é de 13,75m2 (2,50m x 5,50m).
A única exigência, segundo o Art. 132, em unidades habitacionais de até 50m², em empreendimentos de até 16 unidades, é que o local deve ter 60% de vagas de estacionamento privativas ou rotativas. Além das regras habituais como recuo lateral de 3m entre vizinhos. Claro que não se aplica para quem morar no mesmo contêiner dividido ao meio. “É como se fosse uma parede cega”, comparou a arquiteta Katiane Lapa, diretora da secretaria Municipal de Desenvolvimento e Habitação de Itajaí.
Ela disse que a adaptação de contêineres para habitação pode ser uma boa alternativa de moradia, se respeitar a capacidade para duas pessoas. Em relação ao local, na esquina da rua Alexandre Fleming com a Travessa Laurentino Linhares, ela confirmou que não há projeto aprovado para residência e que as normas estão em desacordo com as regras de construção civil. Cabe recurso.
Casas minúsculas na Ásia, que tanto horror no ocidente causaram ao expor as condições insalubres de famílias vivendo em espaços mínimos, hoje estão se tornando o novo normal. Em São Paulo, viralizou nas redes em 2022 o anúncio do menor apartamento da América Latina de 10m2 no bairro São Cecília, e não custa barato. O apê estava à venda por R$ 200 mil.
Estruturas metálicas exigem isolamento térmico e conforto acústico
Segundo o Código de Obras (Lei 467/24) e o novo plano diretor de Itajaí, “contêineres, por serem estruturas metálicas, exigem soluções específicas para isolamento térmico (NBR 15220). Sem isso, os moradores podem enfrentar temperaturas extremas (...)”.
A NBR 15220 diz respeito ao desempenho térmico das edificações e a garantia de bem-estar das pessoas em relação à temperatura dos ambientes de uma construção. Excesso de calor no verão, frio no inverno e falta de ventilação natural pode tornar úmido e mofado, transformando a vida humana insalubre.
A NBR 5413 tem a ver com a iluminação dentro da residência. A normativa estipula a quantidade de luz que incide sobre uma superfície por m2 e contribui para a segurança, já que evita a falta ou super iluminação de um ambiente, que pode causar acidentes.
Já a NBR 15575 estabelece regras de desempenho de uma edificação em relação à durabilidade, segurança e conforto. No quesito durabilidade, a norma cita o tempo mínimo de vida dos sistemas que compõem uma edificação. No quesito segurança, os parâmetros se atém sobre a estrutura da edificação e prevenção de incêndios. Já em relação ao conforto, estabelece parâmetros mínimos de conforto acústico e térmico para habitação humana.
Política habitacional não acompanhou crescimento populacional
Na época da criação do Plano Catarinense de Habitação de Interesse Social (PCHIS), em 2010, a ideia do governo do Estado era definir metas na política habitacional pelos próximos 15 anos, que encerra em 2025. Para isso foi feito um estudo sobre a falta de moradias nas cidades catarinenses e Itajaí aparecia em quinto lugar, com 10.065 moradias a menos do que o necessário, e entra no cálculo casas em situação de risco social.
Em 2010, Itajaí tinha 183.373 habitantes. A projeção do IBGE para 2020 era de 223.112 habitantes, mas no censo de 2022, que atrasou por causa da pandemia, o número apontou 264.054 pessoas. Muito do crescimento se deve à imigração proveniente de outros estados, regiões e países, pessoas de baixa renda atraídas pela oferta de emprego abundante, mas esbarraram na falta de moradia acessível e compatível com a renda local.
Para piorar, a última vez em que o município foi contemplado com um programa habitacional foi em 2018, com a inauguração do maior projeto do Minha Casa Minha Vida do Estado, o residencial São Francisco de Assis, no bairro Santa Regina, foram 480 unidades de 40m2. O novo projeto do programa federal, com 176 unidades, será nos Cordeiros.
Já o governo Estadual prometeu diminuir a defasagem de 180 mil moradias com a construção de 34 mil unidades através do programa Casa Catarina, que subsidia ou financia compra de imóveis com renda bruta familiar de até seis salários mínimos. A gestão anterior, Moisés lançou em 2021 o Mais Moradia para famílias de baixa renda, mas Itajaí não chegou a ser contemplada com recursos. Nem o município criou programas próprios de habitação.
Especialista afirma que transformar contêiner em moradia fixa exacerba abismo social
O geógrafo Lino Peres, departamento de Geociências da UFSC, disse que contêineres podem ser adaptados para moradia, principalmente em situações emergenciais, como nas enchentes, que deixam muitas famílias desabrigadas, de forma articulada com a Defesa Civil. Mas não de qualquer forma. “Eu orientei estudos sobre a adaptação de contêiner, que é um passivo de Itajaí e cidades portuárias, no entanto, contêineres não são tão fáceis de adaptar. Eles não suportam calor e precisam de cobertura por causa da alta incidência solar”, alertou.
Já o engenheiro civil e professor da UFSC, Elson Pereira, afirma que existem estratégias mais inteligentes e modernas para sanar o déficit habitacional, sem que seja necessário precarizar a moradia. “Flexibilizar planos diretores, não limitando número de andares, nem o tamanho mínimo das residências é levar a desigualdade ao extremo. No ambiente financeirizado que se transformou a economia, a casa passou a ser uma commoditty, longe da função social prevista no artigo 182 da Constituição, cuja prioridade do poder público é o bem-estar dos moradores”.
Elson não vê com bons olhos o uso de contêiner para habitação em Itajaí, já que a cidade tem condições muito favoráveis para construir nos bairros por ser uma cidade plana. “Apostar numa expansão indefinida, jogando os trabalhadores para locais distantes é um grande erro, aumenta o custo social. E banalizar o uso do contêiner, que foi feito para transportar mercadoria, para moradia de baixo custo, é desprezar todo o conhecimento acumulado na área da construção civil, é o empobrecimento do pensamento”, acredita.
Ecovilas francesas aliam preservação histórica à integração de classes sociais
O engenheiro está terminando um pós-doc na cidade francesa de Grenoble sobre moradia popular, que se transformou num laboratório de arquitetura e urbanismo ao criar em 2009 uma ecodistrito numa área central, onde prédios históricos foram preservados e erguidos prédios residenciais para pessoas de todas as classes sociais.
“Eles deram um novo uso à uma área militar do século 19 com um projeto de 850 unidades habitacionais, sendo 35% destinado à habitação social. Isso porque a França se deu conta que jogar os pobres para a periferia acabou criando guetos marginalizados, com moradias precárias e carente de serviços, estigmatizando a população e gerando revolta”, relata.
Além das moradias, o projeto criou 20 mil m2 para lojas e escritórios e reservou 1,5 hectare para um parque imenso que integra os blocos residenciais. O projeto também não diferencia os materiais usados em apartamentos de dimensões diferentes para que o material utilizado não seja um fator de desigualdade. A iniciativa levou o prêmio Nacional de Arquitetura em 2009 e deu tão certo que foi copiado em várias cidades pelo país.