A corretora de imóveis Cleide Bonetti, 41, há cinco anos atuando em Itajaí, conta que a maioria dos seus clientes são chefes de família que vieram trabalhar num dos setores em franco crescimento, como o de logística. Pelo mesmo valor de uma quitinete em Balneário, é possível adquirir em Itajaí um apartamento mais confortável, com piscina e espaço de lazer.
“Meu foco são famílias em busca de imóveis entre R$ 500 mil e R$ 2 milhões nos bairros Fazenda, centro, Dom Bosco, São Judas, Vila e São João. Não me identifico com o mercado de Balneário, focado em imóveis para investir”, compara. Ela relata que desde que começou a atuar, após se tornar mãe, o preço não parou de crescer. “Durante a pandemia, enquanto outros lugares estavam fechados, Santa Catarina continuou trabalhando, o que acabou trazendo mais gente para trabalhar em home office”, revela.
Segundo a corretora, a chegada de novos moradores gerou uma escassez na oferta de unidades, provocando a alta no preço dos imóveis de alto padrão, que têm um custo maior. E, com os imóveis valorizados, o comprador ou locatário precisou comprovar renda mais alta. “Para comprar um apartamento de R$ 500 mil é preciso ganhar R$ 22 mil”, revela. Já para morar de aluguel na Fazenda, o valor de um imóvel de três quartos com suíte pode chegar a R$ 15 mil, mesmo patamar da avenida Beira-mar, em Floripa. “Na Brava chega a R$ 25 mil”.
Isso provocou a elevação do do m² de Itajaí, atualmente o quinto maior do país, segundo a tabela Fipe (R$ 11.628), à frente de São Paulo. Segundo o Sindicato da Indústria da Construção Civil da Foz do Rio Itajaí (Sinduscon), o valor médio do m² em imóveis na região central da cidade gira em torno de R$ 12.797 - pesquisa da Brain Inteligência Estratégia. O crescimento nos últimos 12 meses ficou em 11%.
Imóveis de luxo impulsionaram aluguéis
A construção de prédios de alto padrão acabou inflacionando também os bairros, provocando migração de moradores para outras cidades e diminuindo a mão de obra. “Quem não tem renda para alugar em Itajaí está indo para Navegantes, mas por lá o valor também subiu. Se o aluguel aqui é R$ 3 mil, lá é R$ 2500”. Entre bairros próximos, o preço pode oscilar. “Eu moro no São João, próximo ao Bistek, é só atravessar a rua, o preço do m² sobe R$ 2 mil”, revela.
Cleide é gaúcha e já morou em Curitiba e São Paulo antes de se mudar para Itajaí em 2016, quando o marido veio trabalhar na construção naval. Ela abriu a própria empresa após perceber o potencial de crescimento do ramo imobiliário, amparada em 15 anos de trabalho com vendas. “Itajaí é uma cidade portuária muito bem equipada. Tem um bom sistema de saúde pública e privada, é uma cidade segura, quem é de fora se encanta”, elogia.
Cleide alerta que há muita gente iludida no ramo, esperando altos lucros, sem a estrutura necessária para que a atividade seja sólida. “Eu vendo de 20 a 30 imóveis por mês e tenho cinco corretores na equipe. Mas uma venda pode levar seis meses. Daí a importância de uma boa carteira de clientes para que a movimentação seja sustentável”.
Outorga onerosa permitiu elevar prédios em troca de melhorias
A escassez de terrenos em Balneário fez com que muitas construtoras passassem a investir nas cidades vizi-nhas, como Itapema, que já encostou no ranking das cidades com maior valorização do m² do Brasil, chegando a R$ 13.662, apenas R$ 28 atrás de Balneário, segundo a Fipe. Isso porque Itapema está tendo uma expansão imobiliária ainda mais acelerada, o que fez os imóveis valorizarem 13,56% nos últimos 12 meses, contra 7,53% da atual líder.
O presidente do Sinduscon, Rodrigo Silva, disse que a procura por apartamentos de alto padrão em cidades mais se-guras impulsionou as vendas, mas o crescimento só foi possível graças às mudanças no plano diretor e à adoção de outorga onerosa, que consta no Estatuto das Cidades, e possibilitou a construção de prédios maiores com compensação em infraestrutura.
“Aqui em Itapema temos parceria público-privada que estipula a altura que o prédio pode chegar e a devida compensação em projetos de mobilidade urbana”, exemplifica. Rodrigo confirma que, apesar da expansão do setor, a cidade também vive um déficit habitacional de moradias populares e que apartamentos de aluguel se tornaram raros. A falta de moradia atinge os operários que acabam migrando para Tijucas ou ocupam terrenos irregularmente.
“Um servente ganha R$ 1800, e o aluguel de uma quitinete em Morretes custa R$ 1500. Para motivar o trabalhador a ficar em Itapema, queremos estimular o empresariado a criar um plano de carreira”, revela. Já um apartamento de dois quartos custa R$ 2,5 mil. Para driblar a escassez de mão de obra também pensam em cooptar trabalhadores de outros setores.
Ricardo conta que a expansão imobiliária já chegou a Porto Belo, principalmente no bairro Perequê. “Porto Belo se tornou uma extensão de Itapema. Apenas em Bombinhas existe mais restrição por causa do pedágio e áreas de conservação”, compara. Para que os municípios não fiquem com as vias ainda mais congestionadas, ele espera que logo saia do papel o projeto de construção da rodovia Viamar, que vai ligar Joinville e Biguaçu, desafogando a BR 101.
BC é referência em apartamentos de luxo
Se já é difícil encaixar o custo da moradia dentro do orçamento em Itajaí, se torna uma tarefa quase impossível em Balneário, onde a prefe-rência das construtoras por lançamentos de alto padrão fez com que apartamentos menores sumissem do mercado.
Os poucos prédios com apartamentos de dois quartos são disputados, mesmo com valor elevado. Segundo o presidente do Sinduscon de Balneário Camboriú, Carlos Haacke, a cidade passa a-gora por uma nova fase: de demolição de prédios menores para dar lugar a prédios de luxo.
“É que há 35 anos, quando cheguei em Balneário, a demanda era por apartamentos de temporada, mais simples. Dos anos 2000 pra cá, começaram a procurar apartamentos para morar, realizar o sonho de viver perto da praia e com acabamento melhor do que na cidade de origem”, justificou. Ele conta que, antes, um apartamento de 100 m², com três quartos e suíte, era grande. Hoje, os apartamentos têm quatro e cinco quartos com suíte e chegam a 250 m². “Há 20 anos nunca imaginaríamos que os imóveis pudessem chegar ao preço que chegaram”.
O primeiro sinal de qualificação das construções na orla de Balneário começou com amplas varandas gourmet para quem sonhava em fazer um churrasco na praia com estilo. “Antes as pessoas queriam tomar sol na varanda, sentir a brisa marinha, agora, o foco é outro”. O perfil dos compradores também mudou. “Primeiro eram empresários gaúchos e paranaenses ligados ao agronegócio. Agora tem cliente de São Paulo, Mato Grosso, Goiás e até do norte”.
O consultor imobiliário Bruno Cassola confirma a mudança. Ele atua há 18 anos e se especializou nos lançamentos de alto padrão, voltados para investimento. Seus clientes são empresários da soja, algodão e pecuaristas. “Balneário sempre foi referência em investimento imobiliário e teve um boom após o engordamento da praia, que permitiu a construção de prédios mais altos e apartamentos que chegam a valorizar 30% em um ano”, afirma.
Mudança na estrutura
Por causa da demanda por imóveis de luxo para investimento, se tornou inviável construir prédios com apartamentos modestos. “O novo plano diretor favorece a construção de prédios mais altos porque os terrenos estão escassos. Faz 10 anos que não se constrói apartamentos de dois quartos”, revela. A mudança também atinge o aluguel de temporada. Bruno conta que seus clientes alugam o ano todo por R$ 150 mil/mês apenas para passar fins de semana.
A falta de moradia mais acessível fez com que muitas pessoas tivessem que migrar para Camboriú, ou comprar um imóvel na cidade vizinha, pensando na valorização dos próximos anos. “Eu sempre digo aos meus clientes para comprar o imóvel logo que é lançado porque no ano seguinte será mais caro. Estamos em um momento extraordinário em Balneário. Meus colegas que atuam em Jurerê Internacional dizem que lá não chega nem perto”, compara.
Mas a prevalência dos prédios de luxo em Balneário também traz consequências difíceis para o mercado da construção civil, como a escassez de mão de obra. Carlos Haacke conta que há 600 vagas abertas, do servente ao engenheiro, e que já se reuniu com os novos prefeitos de Balneário e Camboriú para demarcarem áreas de moradia popular. “Os planos diretores estão sendo revisados para estas áreas ficarem de fora do mercado de investimento”, garante.
Valorização dos imóveis encarece custo de vida para a população local
Se por um lado, a expansão imobiliária gera empregos e traz divisas para os municípios, por outro, eleva o custo para os residentes, que viram o aluguel subir bem acima dos salários. Um itajaiense de 44 anos conta que está há um ano tentando alugar uma casa com a companheira, a filha e a enteada. Ele vive com a mãe, na Vila Operária, e cansou de procurar por uma casa compatível com a renda do casal (R$ 4,5 mil). “As imobiliárias pedem renda três vezes maior do que o aluguel e por R$ 1500 só encontramos quitinetes em bairros que pegam enchente”, lamenta.
O economista Daniel Corrêa e Silva, 37, explica que a valorização dos imóveis também provoca o aumento de serviços como a alimentação fora de casa, salão de beleza e academia, já que o ponto comercial se tornou mais caro. Já para os moradores que precisam se mudar para a periferia, há prejuízo de qualidade de vida pelo tempo que perdem no deslocamento, além do gasto em combustível e aumento da poluição.
Daniel dá aula de relações internacionais na Univali e morava no centro de Florianópolis até 2022, quando viu o aluguel do apartamento subir 50%, obrigando-o a se mudar para São José. Ele conta que, na capital, a expansão imobiliária está forte no sul da ilha, impulsionada pelo aumento dos voos internacionais e a reforma no aeroporto, que ganhou mais uma pista.
Governo europeu limitou Airbnb nos centros históricos
O engenheiro civil, Pedro Andreazza, 70, veio de Pelotas morar em Balneário Camboriú há 13 anos. Ele é professor de construção civil e viu a transformação na cidade onde sempre sonhou morar. “É impressionante como as construções se modernizaram graças à tecnologia trazida do exterior”, elogia. Mas também percebeu o quanto a cidade encareceu para os moradores.
“Está acontecendo aqui o mesmo processo de gentrificação de Lisboa, onde morei. As pessoas foram expulsas do centro à medida que os aluguéis se tornaram impagáveis”. Ele conta que para resolver os problemas gerados pela falta de moradia, o governo investiu em política habitacional e restringiu o Airbnb.