Matérias | Entrevistão


Reynaldo Wanderhec

“Em Itajaí, eu não vejo ninguém bater no peito e dizer: eu sou peixeiro”, analisava seu Reynaldo ao Entrevistão em 2013

Reynaldo faleceu neste sábado

Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]


DIARINHO - O senhor é proprietário da mais antiga agência de viagem em funcionamento em Itajaí. Há quantos anos está no ramo? O que foi mais difícil: ser o pioneiro ou atualmente sobreviver com tanta concorrência?


Reynaldo José Wanderhec: Ser o pioneiro, claro. Porque, antes desses 48 anos, mais ou menos, eu tive 15 anos de Varig, ou seja, já tinha uma experiência ...

 

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Reynaldo José Wanderhec: Ser o pioneiro, claro. Porque, antes desses 48 anos, mais ou menos, eu tive 15 anos de Varig, ou seja, já tinha uma experiência. Quando saí da Varig, não sabia fazer outra coisa, então fui pro turismo e ainda acredito que, quem faz o que gosta, faz bem feito. [E o senhor trabalhava na Varig fazendo o quê?] Eu entrei como auxiliar de carga, chefe de carga, auxiliar de reserva - na Varig você ia subindo gradativamente - , chefe de reserva, auxiliar de despacho, que era aqui no aeroporto, em Itajaí, e também de despachante. E, naquela época de despachante, apesar da gravata, do quepe e da camisa engomadinha, fazia-se tudo. Ajudava-se a carregar bagagem, a fazer limpeza no avião. Trocava o lixo. Ficava embaixo do avião apontando pro instrutor, pro comandante virar o motor. Pegava o extintor, pois, se pegasse fogo, agia. Destravar os ailerons [asinhas menores das asas do avião], o leme, tudo o que envolve aviação, até o comandante sair do pátio do estacionamento para a decolagem. [E foi na Varig que o senhor pegou gosto pelo turismo?] Até foi. Mas, se não foi só o gosto, foi a necessidade. Sim, porque nesses anos todos lá, a gente aprendeu aviação, até hoje me fascina.



DIARINHO- A internet proporcionou que as pessoas montem seus próprios pacotes e organizem suas viagens. Apesar disso, as agências não foram extintas. Mudou a forma de trabalho? O que oferecer de diferencial ao cliente para que ele prefira a agência à internet?

Reynaldo: Não há dúvida de que a internet tirou uma fatia da nossa clientela. Só que, pela internet, não só os pacotes, como as compras que você faz, dão problemas. Se eu tiver que comprar alguma coisa pra mim, não vou comprar na internet, pois, se não me agradou, eu vou reclamar pra quem? Não tem aonde ir. [O que oferecer de diferencial ao cliente?] O diferencial é o serviço que a gente procura fazer. Atender bem. Nós temos um plantão 24 horas, cada funcionário tem seu telefone. É uma cadeia de telefones. Alguns não atendem, mas outros atendem. No feriado agora [15 de junho, aniversário de Itajaí], a cidade fechou, mas a gente tava no plantão. Atendemos diversas pessoas. Acho que isso aí é diferencial pro passa


geiro. Vou contar um fato envolvendo o DIARINHO. A dona Aderci [viúva do doutor Dalmo] ligou a cobrar pra mim [de Barcelona, Espanha]. Eu atendi, é claro. E eu perguntei, o que houve, dona Aderci? Tudo bem? E ela: ‘tudo bem, nada. O Dalmo acabou de morrer’. [O senhor foi o primeiro a saber?] Sim, o primeiro a saber. Então, essa amizade, essa confiança, essa ajuda pra resolver os problemas, isso nos enaltece, dá ainda mais confiança para o que a gente faz. [Qual foi a situação mais inusitada que o senhor teve ao vender um pacote e depois teve que resolver um proble- ma distante?] O doutor Dalmo foi um deles, que a gente resolveu, instruiu. No primeiro momento, a família não queria que cremasse o corpo do doutor Dalmo. Mas, quando eu entrei na Varig, em 54 ou 55, a mulher do seu Vitor, dono da Samarco, morreu lá na Europa. E ela foi trazida numa caixinha desse tamaninho. Claro, lá é comum. Hoje em dia, já é normal aqui também. Trazer um corpo da Espanha pra cá é complicado. Tem que embalsamar, é uma burocracia. Isso vai demorar de 10 a 15 dias, além dos custos que vai ter. Então quem acatou a minha decisão, mesmo, foi o Dalminho [Dalmo Vieira Filho]. É mais esclarecido, sabe como é que é.

DIARINHO- Trabalhar com turismo é trabalhar com a realização do sonho das pessoas. Quais os cuidados necessários para não transformar esse sonho em pesadelo?


Reynaldo: Primeiro, vender alguma coisa na qual a gente tenha confiança. Participamos muito desses congressos, reuniões, e estamos a par da situação das companhias aéreas e das operadoras. Nós tivemos uma operadora muito antiga, a Soletur, famosa, e a gente, nesses congressos, percebeu que ela tava mal das pernas. Então, deixamos de vender pacotes. Outras agências venderam e se deram mal, porque ela faliu. A Transbrasil, a mesma coisa. A gente viu que não andava bem e procurou não vender. Vendia de outras empresas, e daquela não. Fechou também, deu aquela confusão, gente querendo o dinheiro de volta. Demorou pra vir. Acho que recebeu. Nós não tínhamos cliente que tinha comprado. Nessas reuniões com agentes de viagem, nós temos uma associação chamada Abav [Associação Brasileira de Agências de Viagem], e eles alertam a gente sobre esses riscos. Se bem que eles não precisam avisar porque gato escaldado tem medo de água fria.

DIARINHO - Qual o perfil do viajante itajaiense?

Reynaldo: É difícil, varia. Você chega a ter passagem de avião de Itajaí pra Porto Alegre mais barata do que num ônibus leito daqui pra Porto Alegre. Aliás, chega a ter passagem igual ao preço dos ônibus convencionais. Tem um monte de cliente que andava de ônibus – porque eu vendo passagem de ônibus e de avião também. Na cidade, só eu vendo passagem de ônibus e o shopping, se não me engano. As outras agências não vendem. Isso há muitos anos. Às vezes até me perguntam: ‘ué, vende passagem de ônibus? Passagem de ônibus não dá nada’. Eu digo, não, dá? Se não desse, esses postos de combustível não tinham essa tal ‘loja de conveniência’, que eles dizem agora, né? Há alguns anos, não muitos, a passagem de avião subia, o pessoal corria pro ônibus. O ônibus subia, o pessoal corria pro avião. Quer dizer, cercava o passageiro, como se cerca tainha. Então, a gente sempre teve uma clientela mais ou menos fiel. Eu acho que por causa da atividade, então o pessoal acredita na gente. Eu procuro fazer com que eles acreditem sempre. Procurem não pisar na bola, como vocês dizem. [E quem é que procura a agência, hoje, pra comprar um pacote?] Quem quer viajar e quer uma agência estabelecida. E, depois, a minha filha se especializou em cruzeiros marítimos. Ela faz esses cursos, se aperfeiçoa. Então, ela já fez viagem, eles convidam pra ver como é, pra poder vender o peixe, como se diz. [Aumentou a procura por cruzeiros?] Sim! Porque, além de barato, tem a facilidade do pagamento. Dez vezes sem juros, quer dizer, a pessoa faz esse cruzeiro, somando tudo, você vê que tem a viagem, em si, tem o restaurante e tem o hotel, tudo ali dentro. Então, quem quer fazer uma viagem, só paga a passagem mesmo. Claro, a bordo, quem quer exagerar, toma um uísque, ou uma coisa diferente...

DIARINHO - O senhor é pessoa bastante ativa na agência Mundial e trabalha sempre na companhia da família. Já tem um sucessor?

Reynaldo: Eu prefiro continuar assim. Eu tenho o meu filho, que trabalha comigo e tá até aposentado. Quando os dois filhos fizeram 14 anos – porque naquela época começava a trabalhar com 14 anos, hoje é 16, mas naquela época era com 14 - , eu dei de presente de aniversário uma carteira do Ministério do Trabalho. Eles estudavam no Salesiano e atravessavam a rua, vinham direto pra agência e ficavam ali, até a hora de ir pra casa. Quer dizer, era só atravessar a rua pra trabalhar. Então foram enfronhando, tomaram gosto pela coisa. Meu filho fez até o curso de piloto. Passou. Mas não quis voar. Eu fico até contente com isso, né. Minha filha também, fez economia, fez pós-graduação. Mas quis ficar por ali, então nem precisa de sucessor porque, automaticamente, vão ser os dois, né? [Seu filho não quis ser piloto?] Eu preferi que não, não só eu, como a mãe dele. Se bem que hoje em dia voar é mais seguro do que andar de ônibus. Mas ele preferiu ficar por ali e ficou. Não tem um anel no dedo nem um diploma na parede porque não quis. Mas, graças a Deus, um neto já tem: é engenheiro químico da Bunge. Então, me sinto bastante satisfeito com isso.


DIARINHO- O senhor nasceu em Itajaí? Qual a diferença da Itajaí das décadas passadas para a cidade de agora?

Reynaldo: Eu, sinceramente, preferia antigamente. Eu sou dos ‘anti- gamentes’. Por exemplo, uso colete, coisa que ninguém mais usa hoje em dia. Eu uso boné, como o doutor Dalmo. E eu dei um pra ele um dia... Tenho o Ford 29 [calhambeque], aquele que vocês fizeram reportagem, moro numa casa do sítio, onde meu pai passou 32 anos remando, atravessando o rio Itajaí-Mirim pelo Vassourão, que hoje não é mais Vassourão, é São Vicente. Então eu estou lá porque gosto de lá, tem as coisas mais antigas. Tenho meu apartamento, edifício Paraíso, bem no Centro, perto da igreja nova, mas tá fechadinho. [E o senhor vai todos os dias até o Rio Pequeno?] Sim, vou e volto. Na hora do almoço, pra ir e voltar, é um dra- ma. Vocês sabem, né, o trânsito. [Mas por que o senhor prefere a Itajaí de antigamente?] Pelas amizades, todo mundo conhecia todo mundo. Havia tranquilidade. Agora até foi inaugura- do esse Café Democrático, né? Vi, o nome tão bonito, fui ali, mas não é o nosso Café Democrático dos tempos antigos. Vocês não conheceram, é claro. Mas traz recordação das coisas antigas. Eu gosto muito. Recordar é viver, e eu gosto de recordar aquelas coisas. Gostaria até que voltasse, mas sei que não vai voltar nunca mais, então procuro seguir na linha mo- derna, não desprezando o que ficou pra trás. [E na cidade? Onde há mais diferença?] Tudo. Tudo mudou na ci- dade. O casarão onde eu morava, na 15 de novembro, foi demolido. No dia do aniversário de Itajaí fez três anos que ele veio abaixo. Era ali na 15 de Novembro, pertinho da Famai. Agora é um estacionamento. Aquilo ali era meu, foi feito pelo seu Olímpio Mi- randa. Ele fez aquele casarão, criou a família ali e, depois de muitos anos, eu sonhava em ter uma casa antiga, e acabei comprando aquela casa. E fiquei 15 anos ali, reformei toda, do jeito que eu queria. Depois a minha sogra morreu, os filhos casaram, nin- guém quis morar ali. Eu e minha mu- lher morar numa mansão daquela, não tinha jeito, né?! Tive que vender. [Os casarões antigos fazem falta ao centro...] Sim. Eu até gostei que re- formaram nosso mercado [Mercado Velho]. Acho que o palácio Marcos Konder não vão derrubar nunca. Tem uns outros poucos aqui ainda, que eu gosto de visitar. Tem o casa- rão do Malburg também [da Receita Federal]. [O que piorou na cidade?] O que piorou é o movimento, o corre- -corre, a dificuldade de se locomover. O que melhorou foi que engrandeceu e enriqueceu a cidade, trouxe gente pra cá. O nosso porto é responsável por isso. Todo mundo quer o progresso. Eu, por exemplo, faço parte de todas essas associações pra ajudar o progresso da cidade no que é possível, quer dizer, na parte do turismo.

DIARINHO- Itajaí tem visto vários casarões que representam parte da história da cidade irem ao chão. Até mesmo a antiga aduana, no final da avenida Prefeito Paulo Bauer, está ameaçada...

Reynaldo: Aquela ali [a antiga aduana], eu acredito que não tem como recuperar. A casa Mello não tinha condições. Aquela aduana lá, onde era a fiscalização do porto, até pode ter, mas, sinceramente, apesar de eu gostar dessas coisas, eu acho que é um estorvo. [O senhor não acha que daria para aproveitar esse patrimônio arquitetônico para fazer um museu e fomentar o turismo?] Tem pouco pra se ver aqui de histó- rico. Mas já é uma coisa que incenti- va. Itajaí tem outras belezas turísticas também. [Até que ponto o turismo perde com esses casarões demoli- dos?] Perde o interesse histórico. Eu sou um, que quando vou por aí, pro- curo uma igreja, um museu. Eu não vou num Empire State, numa Torre Eiffel. Tive lá perto, mas não quis subir. Eu sou assim mais conserva- dor. Há muitos anos, quando a Varig lançou o DC-9, o jato DC-9, teve um funcionátio da Varig na minha agên- cia e disse: ‘vou mandar um pôster do DC-9, nosso avião que tá sendo lan- çado agora’. Eu disse, tudo bem. E ele disse: ‘eu tô vendo tanta coisa antiga nessa agência. E eu disse, eu gosto de coisas antigas’. Ele disse: ‘nós temos o pôster do Atlântico’. O Atlântico é um avião, do qual eu tenho o pôster lá na agência, que pousava na água. Mas não é esse que vocês chegaram a ver em retrato, não, por que esses já são de dois motores na frente. E esse que eu tenho lá parece uma lancha. É comprido, motor em cima. Um mo- tor puxa e outro empurra. Tá lá na agência. E eu disse: ‘eu prefiro que o senhor me mande aquele [pôster do Atlântico]’. E ele: ‘mas como? O senhor não quer um avião moderno, um DC-9?’ Eu disse: ‘o DC-9 hoje é moderno, amanhã não é’. Tem o DC- 9, depois vem o DC-10, um monte de coisa. O DC-9 nem existe mais. O Atlântico tá lá na minha parede.

DIARINHO - Os investimentos que a prefeitura faz no receptivo dos turistas na temporada de cruzeiros se justifica? Os turistas de transatlânticos trazem o mesmo dinheiro pra cidade ou isso é uma ilusão?


Reynaldo: Veja bem. Eu digo isso com orgulho em todo lugar aonde eu vou. Agora ainda, fui em Santos, vim anteontem de lá - minha gente mora toda lá -, e ainda comentei com amigos que Itajaí é a única cidade do Brasil que possui um píer turístico de navios de passageiros. A única. Claro, eu conheço o porto de Santos. Fica nas docas. Quer dizer, ali onde passa o trilho do trem, caminhão cargueiro, passa tudo. Claro que o armazém só pra passageiro tem certo conforto. No Rio de Janeiro, a mesma coisa, também nas docas. Em Itajaí, o porto fica lá, e o píer turístico fica aqui. Uma ideia brilhante, que, se não me engano, foi do doutor Amílcar [Gazaniga], na época. É uma referência. O nosso píer turístico é uma referência. O passageiro desembarca ali, é muito bem recebido, tudo limpo, cheio de flores. Aliás, até nosso porto era bastante cuidado. Cheguei até a ver vasos com flores no meio daqueles contêineres todos. [Mas os turistas dos transatlânticos realmente trazem dinheiro pra cidade?]. Não trazem nada pra mim. As pessoas acham um tanto estranho. Turistas, naquela época em que os argentinos invadiram aqui, Balneário Camboriú, eu não vou dizer que eles traziam prejuízo, mas traziam certo incômodo. O turista que vem pra cá, já traz seu bi- lhete de volta. Ele não traz benefício nenhum. Eu não tenho van pra fazer turismo, pra ciy tour, e nem quero ter. Então, o turista passava lá pra pegar informação, que a gente sempre dá. Se bem que, quando ele é recepcionado, já recebe aqueles folhetos. Mas gastam nas lojas, nos hotéis, nos restaurantes, nos táxis. Trazendo dinheiro pra cidade, tá bom.

DIARINHO - O que mudou no serviço e atendimento das agências de turismo com o maior número de pessoas, da Classe C principalmente, integradas ao mercado consumidor? É a classe que mais consome passagens?

Reynaldo: Eu acredito que sim. A elite mesmo não vai mais muito nesses cruzeiros, porque consideram muito banalizados. [De quanto tempo pra cá o senhor percebeu essa mudança?] Praticamente logo que começou a operar o cruzeiro marítimo aqui. Porque você sabe que na Europa eles ficam parados, né? Quando acaba a temporada aqui, eles vão direto pra lá. Até já estou vendendo passagem. [O senhor vende mais cruzeiros ou pacotes de avião?] De avião, porque avião tem o ano inteiro. Transatlântico é só na temporada, e o passageiro viaja o ano inteiro. E também existem pacotes aéreos com preços bastante acessíveis e facilidade no pagamento.

DIARINHO - Onde estão as grandes oportunidades para os empresários com a popularização do turismo no Brasil? 

Reynaldo: Pra mim, em qualquer lugar. Depende da capacidade, da ação e da vontade. Na Suíça, você toma bons vinhos que são cultivados na pedra. Naqueles morros, fazem planaltos, põem a terra adubada e cultivam uva ali. Lá na pedra. E aqui também nós temos um terreno pra poder explorar. Já se falou diversas vezes em fazer um teleférico daqui até o morro da Cruz e outras coisas assim que também não saem do papel.

DIARINHO - O senhor foi um dos fundadores da Marejada. Como sur- giu a ideia da festa e como avalia a Marejada nos dias de hoje?

Reynaldo: Tudo surgiu depois da enchente [1984], quando Itajaí e Blumenau ficaram arrasadas. Nós tínhamos antes aqui o Festival de Inverno, do Nóbrega Fontes, que morreu e desprezaram. Houve um desacerto aí, acharam que dava muita despesa, não dava lucro, um negócio assim. Então, cancelaram o festival de Inverno. Então a gente sempre pensava em fazer um negócio diferente pra atrair o turista, que estava vindo pra Oktoberfest. A Oktoberfest fez uma festa lá, deu resultado, a cidade ficou conhecida, tão reformando a cidade, então vamos fazer aqui também. E pensamos na Marejada. Dávamos opinião, dizíamos “Festa do Peixe”, “Festa do Mar”, não sei o quê. Ficou Marejada. O Felipe Graff, que era um moço, mas agora não é mais tão moço, muito inteligente, deu a ideia de Marejada. Um olhou pro outro: ‘o que é Marejada?’ Marejada é mais ou menos o mar encrespando com o vento e tal. O emblema da Marejada era mais ou menos assim mesmo, umas ondas. E ficou Marejada.

DIARINHO – Como foi fazer a pri- meira Marejada?

Reynaldo: Foi aos trancos e barrancos. Cada um ajudou um pouco. Saímos distribuindo os cartazes, uns não queriam deixar exibir os cartazes porque eram de partido oposto ao do prefeito, mas com a conversa que tenho, que Deus me deu, consegui convencê-los que aquele cartaz não era do prefeito, mas era pra promover a Marejada. Era de Itajaí! ‘Isso não é do prefeito, estamos fazendo isso tudo de graça, nos esforçando...’, eu falava. Cada um pegou um pedaço da cidade. O segundo ano, o terceiro, alguns anos foi assim. Depois passou a ser profissional. A gente já não teve que se esforçar tanto. A gente só comparecia nas reuniões para dar palpites, sugestões, para discutir, mas já estava profissional. Agora, somos convocados em uma reunião ou outra para dar alguma sugestão. [Como o senhor avalia a Marejada nos dias de hoje?] Melhorou. Hoje é profissional. As coisas são mais modernas, tem mais segurança, mais limpeza, agora também vai ser menor. Espero que seja menor, porque atualmente é muito esticado. [A essência da festa permanece? As pessoas ainda têm vontade de ir?] Tem! Você vê pela quantidade de pessoas que vão na Marejada. Tem o artesanato, comidas. Isso cativa as pessoas. Também os shows com artistas locais, acho isso muito válido, para dar chance para o pessoal aqui. Itajaí é um celeiro de artistas, de músicos. Eu tive dentro da banda Guarani uns 30 e poucos anos. [O senhor tocava?] Eu não tocava nada, só tocava o pessoal [risos]. Fui tudo lá dentro. A banda Guarani foi famosa naquela época e sempre abria e fechava a Marejada. Lá dentro daquela bandinha, nós formamos excelentes músicos. O Paul, vocês devem ter ouvido falar, começou lá. Nós tivemos um que foi para o Rio de Janeiro e foi convidado para a Escola Nacional de Música. No mês passado foi lá visitar a gente na agência, depois de tantos anos. E ele recebeu um telefonema que tinha que voltar logo para o Rio, porque tinha uma recepção em Brasília e ele precisava estar lá. [A banda Guarani ainda existe?] Tá praticamente apagada. Porque mudou de direção e nós tivemos um maestro que eu nunca vi igual – excelente. Esses anos todos passaram uns 10 ou 15 maestros por lá, e igual a ele nunca vi. Ele era de uma capacidade extraordinária, mas era muito rígido. Ele era militar aposentado, então como militar, cobrava muito. Mas da criançada não tem como cobrar e para ele era difícil. Nós saímos, eu e mais outros abnegados, eu sempre tive outros abnegados, aju- dando em tudo. Nós saímos por essas escolas dos Cordeiros, Espinheiros, da Murta, do Matadouro, pra conversar, levar um músico ou dois, eles sempre tocavam uma coisinha, e entusiasmavam a piazada. A gente arrebanhava 20, 30 músicos. Eles ensaiavam, e daqueles 30 ficavam uns três ou quatro. Os outros achavam o maestro muito duro na queda. [Mas a banda está na ativa, tem ensaio, funciona?] Eu até nem sei, mas a banda está muito fraca. Eu não acredito que ela vai sobreviver. Na nossa época, não tinha o que tem hoje: não tinha a Apae, Orquestra Sinfônica de Itajaí, não tinha nada disso. Tinha nós, banda Guarani, a banda das freiras lá, que acho que não existe mais, e tinha a fanfarra do Salesiano.

DIARINHO – Ainda sobre a Marejada, a gente vê na Oktoberfest muitos alemães baterem no peito e falaram que são alemães, e aqui em Itajaí, a gente não vê os itajaienses batendo no peito falando que são peixeiros. Falta orgulho da cidade? Falta orgulho da Marejada?

Reynaldo: Em Blumenau é outra cultura, é origem. Se bem que já está diferente de antigamente. Em Itajaí, eu não vejo ninguém bater no peito e dizer: eu sou peixeiro. O alemão gosta, eles mesmos fazem a fantasia e um procura fazer melhor que o ou- tro. Aqui já é diferente, já tem que ter o auxílio da prefeitura, senão não vai. [Mas para a Marejada não faltou essa identificação com o público?] Acho que não. Lá é cultura alemã. São alemães na terra de alemães. [Mas a organização poderia fazer alguma coisa para ajudar a inserir essa cultura?] Aqui, puxou mais pelos costumes portugueses e esse costume português não foi muito aperfeiçoado. Logo meteram muita coisa diferente na própria Marejada. O cardápio português ficou um pouco fraco. Foi muito mesclado com outras coisas, churrasco, cachorro-quente, batata suíça. A gente vê que não existe muito apego àquela tradição que a Marejada deveria se orgulhar.

IARINHO – A Volvo Ocean Race deixou um legado para o turismo da região?

Reynaldo: Sim, claro. Mas, infelizmente, a RBS, que é a emissora que mais se vê aqui, não divulgou a regata. Quem divulgou bastante foi a RIC Record, só que ela não tem tanta audiência. Ou seja, lá fora, o pessoal nem sabia que a regata no Brasil era em Itajaí. Isso era uma coisa que deveria ser alardeada à beça e não foi. A regata foi tão boa que a próxima edição da Volvo vai passar por aqui novamente. A regata mudou a face de Itajaí. Pena que não foi mais divulgada. Eu ainda ostento na minha agência um totem. Quando ia ser realizada a regata, o doutor Amilcar Gazaniga, que conhece a gente há muitos anos, foi prefeito, levou um totem e colocou lá. E eu não tirei ainda. [Mas o senhor acha que as pessoas de fora reconhecem Itajaí por causa da Volvo?] Sim. Atraiu gente de fora, gente do Rio, veio gente de São Paulo, de toda a parte. Se não me engano, veio gente até do Norte pra ver a regata aqui. A gente via marcação de passagem e o povo comentando “vim aqui para ver esta tal regata”. A regata de fama mundial vir a Itajaí, cidade desse tamanho, tem que trazer gente. E também ajudou a divulgar Itajaí lá fora. [Qual a expectativa com a chegada da regata Jacques Vabre a Itajaí?] Acredito que cada regata que vier para cá desperta o interesse das pessoas, e vai nos valorizando e nos tornando conhecidos mundo afora.

DIARINHO – Falta para a região um roteiro turístico regional, que englobe várias atrações das cidades vizinhas? Isso faria a diferença naopção do turista por nossas cidades? 

Reynaldo: Itajaí não tem uma atração que possa prender os passageiros. Nós temos a nossa comissão de turismo, mas eles se esforçam pra fazer alguma coisa; mostrar a cidade para o passageiro. Há alguns anos, o Volnei Morastoni era deputado estadual e queria fazer um vídeo histórico de Itajaí. O professor Acy [da Univali] disse que o Volnei queria fazer um apanhado de Itajaí e precisava de uma condução mais antiga para dar uma volta na cidade com um cinegrafista e um locutor. Então, fizemos uma volta na cidade e tem um vídeo, que nem sei onde anda, mostrando a cidade. Eu ia dirigindo e falando, mostrando a igrejinha, a saída para Navegantes, não tinha o píer turístico ainda, logo à frente tinha o nosso porto, em frente a igreja Matriz. Um passeio de uma hora. Isso ajudou a divulgar a nossa cidade. [Mas existe um pacote integrado para o turismo, por exemplo, visitar Itajaí, amanhã Penha, depois Barra Velha, Blumenau, e assim por diante?] Eu desconheço. Talvez seja falta de interesse ou de verba ou qualquer coisa assim. Quando o navio chega, eles entregam algumas coisas, um folheto dando os locais aqui, mas dando os locais os passageiros vão se quiserem. Não tem nada que os prenda aqui. Não tem condução à disposição ou roteiros pré-definidos.

DIARINHO – Por ser dono de agência de viagens, o senhor viajou muito? Qual a viagem mais marcante que já fez?

Reynaldo: Já viajei bastante. A mais marcante foi para a Itália, quando as companhias aéreas estavam no auge e, duas vezes por ano, a gente ia pro exterior a convite. A viagem que mais gostei, a mais marcante foi para Suíça, que é um país neutro. Mas a mais marcante foi a viagem a Roma, quando a Varig comprou o 747 jumbo. A gente embarcou e no embarque, o comandante fala lá da cabine, depois de estar todo mundo sentado, amarradinho. “Aqui vos fala o comandante Kurmelato...”. Ele deu as orientações do voo. Eu chamei a comissária e perguntei quem era o co- mandante Kurmelato, ele é antigo já? A comissária: ‘sim, é um velho meio gagá, já está usando suspensório e está para se aposentar’. Ela perguntou por que e eu expliquei que ele viajava lá em Itajaí, no tempo do DC-3, porque naquela época o aeroporto era aqui em Itajaí. O aeroporto era no local onde hoje fica a Celesc. Daí, o comandante mandou me chamar para a cabine do jumbo, lá em cima. Colocou a minha mulher na primeira classe, a primeira classe são só 12 lugares e tem três comissários para atender. Mandou eu sentar ali, tirou o copiloto e foi contando sobre a história de Itajaí e o que aconteceu. Aquilo me marcou. Nós pousamos em Roma com uma chuva de pedra tremenda e as pedras batiam todas ali. Aquilo me mostrou o quanto é seguro o avião. Antigamente, o pessoal tinha medo de avião, hoje em dia ninguém tem mais. Eu já sabia que era seguro e ele me explicou o quanto era seguro. Aquilo me deixou mais satisfeito do que a própria viagem para Roma. [O senhor já pensou em ser piloto?] Eu fiz o curso para comissário de voo. Fiz o curso e passei. Quando eu fui apro- vado, eu e mais um monte gente, a Varig fechou a aquisição de homens. Antigamente, era só comissário, não existia comissária de bordo, era só homem. A Varig, então, trancou e começou a admitir só mulheres. Ficou assim um ano até preencher o quadro, homem e mulher. Depois, quando abriu de novo, me chamaram, mas eu já tinha casado e não quis mais. Mas foi bom. Depois, a Varig fechou, faliu, deu aquela confusão e aquela tristeza…

DIARINHO – Como surgiu a sua marca pessoal de ofertar chocolates para as pessoas?

Reynaldo: Esse chocolatezinho mixuruquinha que a gente entrega aí, é uma coisa que não existe aqui e nem nas casas de importados. Você traz lá de fora ou compra no free shop, tem que pagar em dólar. Quando eu viajo, eu trago. O meu filho está chegando de Cancun hoje [terça-feira] e traz. A gente distribui porque é uma coisinha diferente. Eu estive na Suíça na fábrica da Lacta, Lindt e a outra é a Nestle. Como não tem aqui, eu trago porque é diferente. Eu gosto de ser diferente. [É uma marca de gentileza...] Sim, uma gentileza que chegou a abrir algumas portas.

DIARINHO – O senhor tem algum envolvimento com política? Tem li- gação com algum grupo?

Reynaldo: Política e futebol eu quero estar bem longe. Dia de Copa do Mundo eu vou lá para o sítio do meu compadre para não ouvir rádio e ver televisão. [Não gosta de futebol?] Detesto! Eu acho um absurdo um jogador de futebol, que teve na escola até o terceiro, quarto ano, não enfrentou uma faculdade, não queimou as pestanas, ganhar um dinheirão. E um médico, que salva tantas vidas, um professor, que ensina, tira a gente da burrice, serem tão mal pagos. Ele pode até ser bom nos driblês, mas a mídia também leva ele lá no alto, e isso não me agrada. Eu sempre pensei dessa forma, nunca joguei futebol. Na época de guri, o pessoal jogava com bola de meia, eu nunca fui disso. Por isso, eu detesto futebol e política. [Mas política por quê?] Eu, sinceramente, pode registrar isso aí: eu gostaria que este país voltasse ao regime militar linha dura. [Por que, meu Deus?] Pra acabar com essa bagunça, com essa roubalheira, com essa barbaridade que se vê no nosso Congresso, na nossa Câmara. Todo mundo comenta e é verdade, no tempo dos militares linha dura, Geisel, Castelo Branco, Costa e Silva, não tinha gre- ve, não tinha estupro, roubo, assas- sinato – quer dizer, tinham poucos porque as pessoas tinham medo. Nós somos país de terceiro mundo e não somos educados pra levar uma vida decente. Por quê? Porque o camarada mata um, é preso em flagrante, paga e é solto. Fica aí, vai responder o processo em liberdade. [A impunidade que lhe incomoda?] A impunidade! Você disse as palavras certas, porque vocês estudaram e tem palavras bonitas para dizer.

DIARINHO – Como o governo deve lidar com esses protestos que estão acontecendo?

Reynaldo: Eu assisti na televisão os manifestantes no meio da rua, não queriam sair, o cara meteu o carro por cima. Ele tava com uma criança doente, que estava levando para o hospital. Eu acho válido o manifesto, o que eu acho errado é esse quebra-quebra, danificar as coisas. Vocês viram a depredação que foi? Agora o governador [de São Paulo] proibiu usar bala de borracha e bomba de efeito moral, então, o que eles querem? O pessoal vai invadir mesmo. Se trancasse no começo, colocasse a polícia à frente, aqui não passa ninguém, se passar vai levar chumbo, daí o pessoal se intimidava. [O problema não seria só o aumento da passagem. Os manifestantes se revoltam com a impuni- dade, os políticos corruptos. É uma forma de demonstrar que o povo está descontente...] Estar desconte eu acho que é válido, mas não agir dessa forma. Porque aquilo ali tudo vai sair das costas da gente mesmo. Nós que vamos pagar porque vai ter que consertar e o governo vai precisar de dinheiro, vai aumentar impostos. Acaba saindo tudo do bolso do povo.

DIARINHO – A agência Mundial está quase completando 50 anos. Qual a receita que o senhor deixa para as pessoas que estão entrando no mundo do turismo agora?

Reynaldo: Agir com sinceridade e honestidade com o passageiro, como eu procuro fazer. As companhias aéreas, principalmente por causa das tarifas baratas, com prazos longos de pagamento, fazem algumas restrições às passagens. Eu digo pro meu pessoal, que eles têm que dizer pro passageiro assim: “uma passagem para o Rio de Janeiro o senhor vai pagar R$ 180, mais barato que o ônibus, mas tem uma coisa: o senhor vai neste voo e não pode mudar. Se o senhor quiser mudar de voo está sujeito a pagar o dobro ou até mais”. As companhias aéreas tem aquele esquema do avião, elas oferecem 10 passagens com desconto de 70%, 15 passagens com desconto de 60%, ou seja, o avião vai lotando e as passagens vão subindo de preço. Ulisses Guimarães falava assim: “quem chega cedo, bebe água fresca”. Tem gente que já comprou passagem para dezembro e está pagando pouquinho. Se deixar para comprar na véspera de Natal, vai pagar um preço exorbitante.

DIARINHO – O que o senhor espera nos próximos 50 anos para a agência Mundial?

Reynaldo: Eu espero que continue sobrevivendo, porque a gente vive daquilo, é o nosso ganha-pão. Que os meus funcionários continuem levando também. Eles, eu até vou ser sincero, não são bem pagos, mas eles são contentes. Os meus filhos estão há 30 anos ali. Eu tenho um boy completando 30 anos de casa. A irmã dele tem 16 anos de casa. Um outro, que é primo da minha mulher, também tem 30 anos de casa. Ele é muito eficiente, está comigo nestes anos todos. [Trinta anos ganhando mal? Qual o segredo para mantê-los?] Eu procuro facilitar a vida de todo mundo. Eles tem direito a Unimed, cada um tem o seu celular por conta da empresa, porque eu utilizo o plantão. Oferta de folga, sem problemas. A moça que trabalha na passagem rodoviária ficou doente e veio com o atestado. Não precisa atestado. Todo mundo recebe seus direitos direitinho, mas chega atrasado, telefona que não pode vir, não se desconta nada. Eu procuro ser amigo de todo mundo, e o meu filho mais ainda. Eu acho que isso é um bom termo para se conviver com esses funcionários. Mas eu sempre digo para eles: quando vocês acharem que tem coisa melhor, vocês podem sair. Diversos já receberam propostas para ganhar mais, mas não saíram.

 




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