SÉCULO 18
Atrações turísticas remontam à história da colonização
Cidade forjou sua identidade a partir do ciclo econômico da pesca da baleia, e continua se reinventando
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]
Quem passou a frequentar o município de Penha a partir dos anos 1990 por causa do Parque Beto Carrero, acabou descobrindo uma localidade rica em história e paisagens naturais, cujos retratos figuram hoje nas redes sociais de milhares de visitantes mundo afora. Marcos históricos como a Capela de São João Batista, a praia do Cascalho e a Ponta da Vigia, remontam ao ciclo econômico do óleo de baleia e atrai turistas em busca de cenários idílicos para o álbum de casamento ou simplesmente para contemplar o pôr do sol.
Aliás, foi por causa da pesca da baleia que Armação se chama Armação. A baía de Itapocoroy concentra boa parte da história registrada por navegadores que passaram pelo litoral catarinense no século 19, como o francês Auguste de Saint-Hilaire. No artigo “A instalação das armações de pesca da baleia em Santa Catarina no século XVIII”, de Fabiana Comerlato, publicada no site do Núcleo de Estudos Açorianos (UFSC), ela conta que a alcunha veio da instalação desse tipo de pesca, já que era preciso se armar para caçar o ‘grande peixe do mar’.
A primeira armação de baleias de Santa Catarina foi na Armação da Piedade, em Governador Celso Ramos, constituída em 1746. O segundo núcleo foi fundado em 1772 na Armação do Pântano do Sul, na antiga Desterro, atual Florianópolis. E a terceira, na Armação de São João Batista de Itapocoróia, em 1777, como consequência da invasão espanhola, que passou a controlar as demais armações, e não queria parar a produção de óleo de baleia para abastecer as lamparinas e postes das grandes cidades, numa época anterior à luz elétrica.
A enseada foi escolhida por sua localização estratégica, entre São Francisco do Sul e a Ilha de Santa Catarina, e pelas águas mais calmas e quentes, onde as baleias vinham se abrigar com os filhotes, facilitando a caça. O ciclo do óleo de baleia durou cerca de 50 anos.
Capela para registrar nascimentos, mortes e casamentos
Fabiana Comerlato destaca que a Capela de São João Batista é anterior à instalação do núcleo baleeiro. A autorização para sua construção se deu em 1759, pois já havia um pequeno arraial que vivia da extração de madeira e produção de lenha, que acabou com boa parte da vegetação da mata atlântica até a Ponta da Vigia. Eduardo Bajara,49, que está à frente da Fundação Cultural Picucho Santos, conta que antes de se chamar Ponta da Vigia, a morraria tinha o nome indígena de Jurubatuba, que significa “grande concentração de palmeira”.
Pedro Bersi, 59, filho do escritor Cláudio Bersi, lançou em 2008 o livro “Mar e sertão”, em que resgata histórias de Armação do Itapocoroy através da história oral de pessoas da comunidade, que viviam da pesca e agricultura de subsistência. No livro, ele descreve a construção da capela histórica, construída em alvenaria de pedra, com argamassa de cal do mar, barro e areia. O cal era obtido através da moagem de conchas, abundantes na região.
Tanto Pedro quanto Bajara não acreditam que o óleo de baleia tenha sido usado na construção, já que se tratava de um produto muito caro. Bajara conta que além da mão de obra escrava, que carneava o animal e derretia a gordura, a atividade também precisava de profissionais remunerados como os calafates, que consertavam as embarcações.
Penha registra quatro sítios arqueológicos
De uns anos para cá, caiu no gosto dos turistas acompanhar o pôr do sol de um dos lugares mais enigmáticos de Penha: a praia do Cascalho, onde fica a ponta da Cruz, local identificado como um dos quatro sítios arqueológicos do município. Estes locais são protegidos por uma lei federal de 1961, assinada pelo presidente Jânio Quadros, a pedido de pioneiros da arqueologia no Brasil, como o padre jesuíta João Alfredo Rohr, criador do Museu do Homem do Sambaqui.
O arqueólogo Valdir Schwengber conta que os sítios arqueológicos nos arredores da Capela de São João Batista são sambaquis, também conhecidos como concheiros e datam de mil a seis mil anos atrás. Se forem de populações mais antigas, se trata de caçadores-coletores, que não conheciam a agricultura. “Não se trata de um cemitério indígena porque era outra forma de agrupamento humano, em que não fazia sepultamentos em separado, como hoje”, explica.
O arquiteto Dalmo Vieira Filho conhece a área como poucos, pois sua família adquiriu uma propriedade no local. Ele conta que o barranco está sofrendo com o processo de erosão, e é possível identificar fragmentos de ossos dos antigos moradores. Para ele, o mais provável é que sejam de povos indígenas. “Os tupis-guaranis saíram do centro do Brasil e vieram para o sul, até o rio da Prata, na divisa entre Argentina e Uruguai. Uma parte deles deve ter vindo para cá, provavelmente, durante a safra de tainha, quando a caça era abundante”, acredita.
Para descobrir o tipo de população que vivia ali seria preciso fazer escavações, que são desaconselhadas, a menos que estivesse no caminho de alguma obra estrutural. “Em Ilhota, por exemplo, identificamos um sítio arqueológico quando foi feito o estudo de impacto ambiental para a duplicação da BR-470, datado de 5700 anos”, revela o antropólogo Valdir Schwengber. Foram encontrados e resgatados esqueletos de duas pessoas e encaminhados para o Museu Etnoarqueologia de Itajaí, no Itaipava. “Onde agora é planície era um lago e acreditamos que os corpos foram enterrados numa ilha”, acrescenta.
Mirante é um dos melhores points para saltos de parapente
Em meados dos anos 2000, um grupo de praticantes de parapente de Joinville, que passava o verão em Penha, se uniu para dar forma ao mirante da praia Vermelha, usado antigamente para avistar cardumes. Eles ergueram o terreno próximo a estrada, colocaram uma escada e gramaram a pista. O resultado maravilhou até quem está acostumado às belezas da região.
“O voo de parapente na praia Vermelha é um dos mais lindos do litoral brasileiro. A grande extensão da morraria formada por mata nativa e praias junto ao oceano formam um visual indescritível”, descreve o instrutor de voo Anderson Peirão, o Pera, 45, que utiliza o local há 14 anos.
Ele conta que os pioneiros do local não utilizam mais a rampa, mas deixaram o legado para as novas gerações. “Nós, pilotos, fazemos a manutenção da pista, colocamos grama sintética na parte onde a grama natural não aguenta por conta do movimento. Num dia bom, como a morraria é extensa, chegamos a voar em 30 parapentes simultaneamente”, relata.
Pera também elogia o fácil acesso e as boas condições de voo. “O voo, em geral, é muito seguro, pois podemos observar as mudanças climáticas pelo mar a tempo de pousar, caso mude o clima. Temos que voar de olho nas condições que o mar apresenta no horizonte”, explica. Os pousos são na praia Vermelha, à direita, já que à esquerda a praia é privada.
Em cada recanto, seu encanto; cada praia, sua história
Até a popular praia do Trapiche, em que a galera se reúne para mergulhar, pescar ou aproveitar a paisagem, tem sua saga para contar. O escritor Pedro Bersi comenta que o deque foi construído no final dos anos 1980 no local onde havia um trapiche de madeira da antiga fábrica de gelo que ficava em frente ao campo de futebol da beira-mar. “A fábrica de gelo abastecia os barcos de pesca e são do tempo das salgas de camarão”, revela.
Já a pequena praia da Paciência, ao lado da praia Grande, faz menção à função do pescador em sua lancha que aguardava o sinal do companheiro, na ponta da Vigia, sobre a presença de baleias. E a chamada “coroa” em frente à praça do Coreto, onde se pesca mariscos em dia de maré baixa, tem relação com a Real Coroa do Brasil, para quem trabalhavam os africanos escravizados, responsáveis pela construção do molhe de pedra que havia no local.
Sem jeito para a pesca, Bajara se engajou na defesa da cultura popular
Bem que Eduardo Bajara, 49, tentou ser pescador, a exemplo de seus irmãos. Mas logo na primeira vez que embarcou, o enjoo foi tão forte que o jeito foi se aperfeiçoar naquilo que tinha mais facilidade: fazer contas. Assim, ele se formou em Matemática e através de concurso se tornou professor da rede pública. Sua maior paixão, porém, era a rica cultura local.
“Eu era fascinado pelas histórias que os antigos contavam sobre a pesca da baleia e as festas que embalaram gerações, como a Festa do Divino e o Mastro de São Sebastião, herança dos trabalhadores escravizados, já que se tratava de uma congada”, esclarece.
Bajara entrou para a vida pública quando foi chamado para trabalhar na secretaria de Cultura. Em 2020, foi criada a Fundação Municipal de Cultura Picunho dos Santos, uma homenagem ao poeta popular, pai de Sarita, proprietária do restaurante de comida açoriana Pirão D’Água. Em 2021, foi a vez de homenagear seu Dico do Amâncio, que dá nome à Casa de Memória. É lá que está o acervo do ex-governador Antonio Carlos Konder Reis, que tinha casa na cidade.
Agora, Bajara corre contra o tempo para contar a história de Penha de forma cronológica no site da prefeitura. Desde 2017, ele já publica em seu perfil no Facebook postagens sobre Penha durante o mês de julho, quando Penha faz aniversário. Ele também quer resgatar eventos que caíram em desuso, como a festa de Nossa Senhora do Rosário, e fortalecer grupos de ternos de reis e boi de mamão. Sua contribuição ao resgate da cultura local foi reconhecida este ano pelo Núcleo de Estudos Açorianos (NEA), e agraciado com o troféu Ilha Graciosa.
Beto Carrero se encantou com Penha após perder um voo em Navegantes
O Beto Carrero World é considerado o melhor parque da América do Sul e colocou Penha na rota do turismo internacional. Mas pouca gente sabe como Sérgio Murad, o criador do personagem Beto Carrero, escolheu a região para criar sua versão da Disneylândia. Como as boas coisas da vida, essa história aconteceu por acaso, quando ele perdeu o voo numa viagem a negócios, em 1973, e quis conhecer a região de táxi. Ao encontrar o jovem Lilo, que conduzia um carro de boi, parou para conversar. A partir dali, Penha nunca mais seria a mesma.
Nessa época, o empresário já conhecia Santa Catarina por conta das viagens comerciais para vender publicidade de grandes empresas fabris, como a Karsten, Teka e Buettner, para a revista Cláudia. A oportunidade de conhecer o estado aconteceu quando Beto se mudou do interior para São Paulo nos anos 1960, e emplacou como vendedor de anúncios, primeiro na Folha de São Paulo, e depois, na Editora Abril, através de sua agência de propaganda.
Apesar do êxito comercial na cidade grande, ele nunca abandonou o sonho de ter um parque de diversões de alto nível, sem abandonar suas origens. Por isso a simplicidade e a hospitalidade dos penhenses conquistaram o empresário que, sem titubear, tirou as malas do carro, se hospedou na casa do seu Pedro Patrício e decidiu que ergueria ali o parque sonhado.
Primeiro, ele começou comprando terras na região. Na década de 1980, ele já havia construído na Santur, em Balneário Camboriú, a Beto Carrero City, uma reprodução do Velho Oeste. Em 28 de dezembro de 1991, ele inaugurou o parque na Penha, que ganhou novas atrações a cada ano, como a Fire Whip, uma montanha-russa invertida, e a Big Tower, que proporciona aos amantes de emoções fortes uma queda livre a 120 km/hora.
Beto é natural de Ribeirão Preto/SP e veio de uma família de 11 irmãos. Desde muito pequeno mostrava que tinha espírito empreendedor. Aos seis anos, já trabalhava com o pai fazendo carreto, de onde veio o nome artístico. Aos 14, levou Mazzaropi para uma turnê no interior. Aos 18, formou uma dupla sertaneja com Nhô Moraes e adotou o nome Beto Carrero. Aos 21, estreou como locutor de rádio. Em São Paulo, conheceu artistas como Dedé Santana, que viria a estrelar o programa Comando Maluco, gravado no Parque Beto Carrero e exibido no SBT.
Beto Carrero saiu de cena em 1° de fevereiro de 2008, mas deixou a sua marca. Hoje, o Beto Carrero World recebe 2,5 milhões de visitantes por ano e gera dois mil empregos. Por causa do seu empreendimento visionário, Penha saiu de um período de estagnação econômica e se tornou um dos principais destinos turísticos do país, atraindo investidores e multiplicando a rede hoteleira e de bares e restaurantes, que deixou de atender turistas apenas no verão.