Os pescadores contestam tanto a classificação de risco da espécie, afirmando que há “abundância”, como a norma de não poder desembarcar os animais capturados “acidentalmente” e destinar ao mercado. No vídeo, oito anequins aparecem mortos na embarcação. Ao final da gravação, dois deles são lançados no mar.
“Finalizamos aqui um dia de trabalho e olha só a abundância de cação [nome comercial dado à espécie]. Agora nós temos que jogar tudo no mar. Enquanto tem milhões de brasileiros passando fome, e aqui a gente jogando o alimento fora. Isso é correto?”, narra um dos pescadores.
Ele fala que os trabalhadores vão pro mar pra “pegar peixe” e não pra “levar água do mar pra terra” e cobra ações dos representantes da pesca e dos governantes pra evitar o descarte de pescados.
“Nós viemos com um barco desse aqui com 23 toneladas de óleo, é rancho, é tudo, e nós não podemos nem pegar e levar mais nem uma espécie de cação pra terra, que é [por causa] da extinção. Como em extinção? Vem aqui provar pra tu vê a abundância”, afirma.
Conforme revela, todo dia é “uma montoeira” de tubarão jogada fora. “É um absurdo, enquanto milhões de pessoas estão passando necessidade em terra”, completa.
Desde 2022, o tubarão-anequim está na lista de 392 espécies de peixes ameaçadas. Na ocasião, ele foi incluído com outros quatro tipos de tubarão, com captura proibida a partir de maio de 2023. O anequim é classificado como “criticamente em perigo” de extinção.
Portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) proíbe a captura, coleta, transporte, armazenamento, guarda, manejo, beneficiamento e venda de todas as espécies listadas. O anequim é uma das espécies da operação que apreendeu 28,7 toneladas de barbatanas de tubarão em 2023, considerada a maior do mundo pelo Ibama. Do total, 27,6 toneladas foram retidas na Kowalsky Pescados, em Itajaí.
Querem suspensão de portaria federal
Na sexta-feira, o pescador e armador de pesca em Penha, Joab Hamilton, fez vídeo cobrando uma mobilização dos parlamentares catarinenses contra a Portaria 445, do MMA, que trata das espécies de peixes ameaçadas de extinção.
Ele lembrou que, ainda em 2015, um ano após a portaria ser lançada já houve um Projeto de Decreto Legislativo (PDC) pra suspender a portaria ministerial, em proposta do deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS). Em 2023, foi o deputado federal catarinense Zé Trovão (PL) que entrou com um PDC de teor parecido.
O projeto aponta que o MMA “exagerou” sua competência em incluir espécies na lista de extinção sem apresentar planos efetivos de preservação no prazo de cinco anos previstos na legislação. Para o deputado, a portaria é ilegal e tem gerado “grande prejuízo econômico” ao setor pesqueiro.
Em Penha, Joab defende o avanço da proposta e cobra o envolvimento de outros parlamentares de Santa Catarina e de estados vizinhos na causa. “Que até 2026 [ano de eleições federais], se eles não fizerem nada com esse PDC, se eles não mudarem essa portaria 445, nós vamos lembrar dos nomes de todos eles”, afirma.
O armador defende a suspensão por considerar um “absurdo” a portaria. Joab ressaltou que a situação vem desde 2004, quando foi publicada a Instrução Normativa 05, do MMA, que reconheceu como ameaçadas de extinção as espécies constantes na lista que vem sendo atualizada periodicamente.
“Fez 20 anos agora, em 21 de maio, que nós estamos proibidos de trazer o peixe pra terra e estamos obrigados a jogar fora”, protestou, destacando ainda que os pescadores são criminalizados pela normativa. “Isso não é preservação. Isso é uma porcaria, uma destruição do mar e dos pescadores. Os barcos estão sendo inviáveis de trabalhar nessas modalidades e estão jogando toneladas e toneladas de peixes fora”.
Captura “acidental”
Na postagem do IDP, os pescadores dizem que o anequim é capturado acidentalmente nas pescarias. A espécie faz parte da chamada “fauna acompanhante”, quando não é alvo da pesca, mas pode vir junto nas capturas liberadas para outros peixes. Em operações de apreensão, porém, o Ibama já acusou que licenças para outras espécies são usadas indevidamente pra captura intencional de tubarões.
“Quando os pescadores lançam seus espinhéis ao mar, muitas vezes acabam capturando essas espécies que, na verdade, não estão em extinção e já vêm mortas nos anzóis. Contudo, as portarias proíbem que essas espécies sejam trazidas para terra, obrigando os pescadores a descartá-las no mar, desperdiçando alimento”, rebatem os pescadores.
Com uma “legislação séria” eles dizem que poderiam trazer o peixe para a terra, registrando a pesca acidental no mapa de bordo. “Essas espécies deveriam ser liberadas para pesca, já que são abundantes no mar. O controle deve existir, proibição não, para não prejudicar o trabalho dos pescadores, dificultando ainda mais o setor pesqueiro”, completa a manifestação.
O anequim é a espécie mais rápida de tubarão, podendo alcançar 70 km/h. O animal é alvo de capturas intensivas pelo mundo devido ao elevado valor comercial da carne. As barbatanas também são valiosas e são consumidas como iguaria em mercados asiáticos.
O governo federal trabalha num plano de ação pra preservação de tubarões ameaçados. O primeiro ciclo de estudos, de 2014 a 2019, foi lançado em 2023.