Apesar de a obra de alargamento ter mudado o perfil da orla de BC, a falta das tainhas, no entanto, estaria mais ligada às condições climáticas. É o que explica o professor da Univali, Paulo Ricardo Schwingel, doutor em Ciências Naturais. Segundo ele, as tainhas ainda não deram muito as caras na região pela demora na chegada das frentes frias, o que manteve as temperaturas muito altas até o início de maio.
“A pesca da tainha começou com um pouco de retardo, de quase 15 dias. Parece pouco, mas não é”, comenta. Schwingel lembra que a pescaria só ocorre em maio, junho e julho, sendo que a partir da metade de julho praticamente já não há mais captura. “Apesar de falarmos de três meses, no máximo nós temos aí dois meses e meio. Então, 15 dias em dois meses e meio é um tempo significativo”, considera.
O atraso das frentes frias, que trazem os cardumes, está associado às condições do clima. O professor explica que a permanência de um bloqueio atmosférico impediu o avanço das frentes frias para o norte, em direção a Santa Catarina. Esse fenômeno, inclusive, foi a causa do desastre climático no Rio Grande do Sul, com volumes de chuva muito acima das médias históricas.
As frentes frias que “estacionaram” no estado gaúcho deveriam ter entrado em abril em Santa Catarina, mas só foram chegar a partir da metade de maio, trazendo chuva que dura um ou dois dias e condições que derrubam as temperaturas. São essas condições que trazem as tainhas para o estado, destaca Schwingel.
“O que dispara o gatilho de migração das tainhas são as frentes trazendo temperaturas baixas, diminuindo a temperatura no Rio Grande do Sul, bem como na região do Rio da Prata, entre o Uruguai e a Argentina. Essas frentes estavam bloqueadas, mas vão trazendo agora, a partir de meados de maio, para a costa de Santa Catarina”, afirma.
Além da entrada das frentes frias numa sequência normal, o professor ressalta que outros fatores são importantes pra chegada das tainhas, entre eles a duração e a intensidade da frente fria. “Frentes com mais duração e com temperaturas mais baixas vão trazer a tainha para o nosso litoral”, diz. O vento também é outro componente na equação, responsável por “empurrar” os cardumes pra região costeira.
Para o professor, a presença das tainhas na região depende muito mais dessas condições do que qualquer outra coisa. “Então, o fato de que elas não apareceram até agora na praia da região central de Balneário Camboriú, muito provavelmente está associado ao atraso da entrada dessas frentes frias no estado de Santa Catarina”, resume.
Mudança no perfil da praia
O professor não desconsidera que o alargamento na Praia Central de BC tenha mudado o perfil da praia, avaliando que o material depositado ainda não está consolidado. “Pode provocar pequenas elevações – dunas – submersas, dificultando um pouco a aproximação da tainha na costa”, observa.
Para os pescadores, dunas em trechos de águas mais rasas dificultam o arrasto das redes, que se enroscam em bancos de areia, onde ficam presas ou se arrebentam. Schwingel comenta que os bancos, apesar da praia ser de baixa energia, podem prejudicar a operação das redes, mas pra confirmar a formação das dunas seria preciso um estudo de batimetria pra analisar a topografia de fundo.
“Em princípio, como os pescadores estão dizendo que tem essa formação de dunas, isso pode afetar a aproximação da tainha a chegar mais perto das praias. Essas elevações, essas dunas submersas, podem acontecer, mas isso teria que ser verificado com um trabalho de batimetria”, ressalta.
A bióloga Maria Heloísa Furtado Lenzi, que está afastada da chefia da Secretaria de Meio Ambiente de BC pra tratamento de saúde, não acompanha a situação no momento, mas opina não ver “muito sentido” na queixa dos pescadores.
“O fato de ter areia no fundo, sempre teve. Se a areia é mais grossa ou menos grossa, lá na Barra Sul tinha muito mais bancos de areia antes, quando foi feito aquele outro alargamento com areia do rio, e não era esse o problema”, disse.
Ela observa que teria de fazer uma análise aprofundada do que contribui ou não para a presença das tainhas, mas acredita que a situação tem mais a ver com o fato de a Praia Central ser mais movimentada.
“Acaba que as praias agrestes sempre têm capturado mais que a Praia Central”, lembra. Na sexta-feira passada, inclusive, foram 1370 tainhas capturadas em Taquaras. Nas praias de Laranjeiras e Estaleiro também já teve lanços nesta safra.
A secretaria de Meio Ambiente faz o monitoramento da Praia Central após as obras de alargamento. Estudo em 2023 concluiu que a situação era de estabilidade do aterro em quase toda a orla, mantendo a praia próxima das condições originais. O programa de monitoramento segue vigente, até julho de 2024.
Barcos têm que ficar a uma milha
A pesca artesanal da tainha é reconhecida como patrimônio cultural imaterial de Balneário Camboriú desde 2019. Este ano, uma lei também declarou como de valor histórico, cultural e social dois ranchos tradicionais de pesca da Praia de Taquaras. A prefeitura ainda atendeu pedidos de melhorias nos ranchos da Praia Central e praias agrestes.
As queixas ainda persistem contra a circulação de embarcações perto da praia, que seria uma das causas da “fuga” das tainhas. Por lei, durante a safra, os barcos devem ficar a uma milha náutica (cerca de 1,8 km) da orla. A medida vale pra jet skis, lanchas, rebocadores e outras embarcações.
Pra ajudar na fiscalização, a prefeitura contratou uma empresa com lancha e marinheiro. Também está sendo usado um quadriciclo na orla, além de haver previsão de atividades de educação ambiental.