Matérias | Especial


RIO GRANDE DO SUL

A história de luta de um quilombo que resiste às enchentes em Porto Alegre

Quilombo dos Machado, na zona norte da capital, organiza doações enquanto moradores lutam para escapar das águas

Agência Pública [editores@diarinho.com.br]

Por Texto: Alass Derivas | Edição: Bruno Fonseca, José Cícero

Não é a primeira vez que a dona Lúcia Muria, 72 anos, uma das anciãs do Quilombo dos Machado, localizado na Grande Sarandi, zona norte de Porto Alegre, se vê preocupada com a casa em que mora por conta das chuvas. Em 2013, a matriarca precisou ir morar em outra rua na Vila Respeito, que, novamente, foi uma das mais afetadas pelas águas na enchente recorde que assola a cidade desde o começo de maio. Mais distante do “valão”, próximo de onde residia, dona Lúcia se surpreendeu com o nível do alagamento: “Nunca vi a água chegar a este ponto”, relata.



A zona norte de Porto Alegre, região em que o quilombo está, é uma das que vêm sofrendo com a enchente histórica. Há vilas em que ruas inteiras estão com casas submersas. No último final de semana, a água chegou a baixar; no entanto, com a volta das chuvas fortes no estado desde sexta-feira, 10 de maio, o nível do rio voltou a subir. 

Confira a cronologia da crise no Rio Grande do Sul

27 a 28 de abril


Desde março, a MetSul Meteorologia vem alertando sobre chuvas intensas de abril e maio. No sábado, dia 27 de abril, algumas regiões sofreram impactos de chuvas e granizo. No dia seguinte, a Defesa Civil contabilizou impactos em 15 municípios.

30 de abril a 1 de maio


Na terça-feira, o Rio Grande do Sul registrou as primeiras mortes devido aos temporais. Na quarta-feira, o número de mortes aumentou para 11. Em todo o estado, casas, pontes e outras construções foram arrastadas pela força da água.

2 a 3 de maio

Na quinta-feira, o Rio Grande do Sul decretou estado de calamidade pública. Uma barragem rompeu parcialmente, e outras quatro apresentavam risco. Até sexta-feira, já haviam sido registradas 39 mortes.

4 a 5 de maio

O Rio Grande do Sul enfrenta a maior tragédia de sua história. Na manhã de domingo, o presidente Lula, acompanhado pelos presidentes da Câmara e do Senado, e pelo vice-presidente do STF, sobrevoou Porto Alegre de helicóptero.


6 a 9 de maio

As mortes chegam a 107 e os desaparecidos a 136, números que continuam aumentando. A quantidade de afetados passa de 1,3 milhão, em mais de 300 cidades impactadas. O número de pessoas desalojadas supera 164 mil, e há ainda 67 mil desabrigados.

10 a 13 de maio

Com final de semana chuvoso, mortes chegam a 147. Desabrigados já passam de 600 mil em 447 municípios afetados.

A Vila Respeito, onde está grande parte das 265 famílias do quilombo, foi fortemente atingida. Quarenta por cento das famílias tiveram suas casas afetadas pelas águas e precisaram deixá-las, segundo Rogério Machado, o Jamaica, 43 anos, liderança do quilombo. De acordo com ele, os moradores buscaram abrigo nas casas de familiares, amigos e vizinhos que não foram afetados. 


É exatamente nessa situação que dona Lúcia e seu esposo, Edenir Santos, estão: há mais de uma semana abrigam em sua sala a família do filho Luismar. “São vários filhos, sobrinhos e netos que estão desabrigados, ficando na casa de parentes, como aqui em casa”, conta dona Lúcia. A família é uma das mais extensas das que compõem o Quilombo dos Machado: somente dona Lúcia possui 24 netos e bisnetos. Alguns de seus filhos e sobrinhos vivem nas ruas da Vila Respeito e na Comunidade Sete de Setembro, onde está a sede do quilombo. 

 Desde o início de maio, dona Lúcia Muria, uma das anciãs do Quilombo dos Machado, vem abrigando familiares na sua casa

Luismar, pedreiro de 46 anos, precisou sair de casa com suas filhas, Kauane, 19, e Raiana, 14, e a esposa, Daiane Patrícia, recicladora, de 36 anos, porque a água chegou a mais de 1 metro dentro da casa da família. No sábado, 11 de maio, a enchente retrocedeu e ele entrou em sua residência, porém ainda não conseguiu avaliar os danos que a família teve. “Está tudo molhado com essa chuva. Aos poucos vamos separando as roupas, os móveis e ver o que dá para salvar.”

Luismar visita casa que foi tomada pelas enchentes e tenta avaliar o prejuízo para a família

Além do abrigo oferecido por dona Lúcia, a família Muria, assim como diversas outras famílias da região, conta com o suporte que vem sendo dado na sede do Quilombo dos Machado. Desde os primeiros dias de maio, a comunidade está sendo um local de amparo, apoio e resistência para quilombolas e inúmeras pessoas desabrigadas na região do Sarandi.

O território, certificado na Fundação Palmares desde 2014, está na luta para garantir sua titulação. Segundo o advogado da Frente Quilombola e do Quilombo dos Machado, Onir Araújo, após os estudos técnicos (antropológico, geográfico, histórico) a comunidade está aguardando a publicação do Relatório Técnico de Identificação (RTDI) para dar sequência no processo. “Sem previsão para titulação, vai levar muito tempo, até por causa do quadro baixíssimo de funcionários do Incra”, prevê o advogado. 

De acordo com o advogado, até o momento, o governo federal não ofereceu nenhuma ajuda ao quilombo, nem mesmo para as comunidades tituladas do Rio Grande do Sul. “Não teve nada do governo federal até este momento. Na estiagem de 2023, que afetou fortemente as comunidades, não veio nenhum auxílio para os quilombos. Segue o mesmo quadro agora”, aponta Onir. 

O cenário na Vila Respeito é desolador: muitas casas estão submersas, móveis destruídos, pessoas abrigadas em casas de amigos ou de familiares
O cenário na Vila Respeito é desolador: muitas casas estão submersas, móveis destruídos, pessoas abrigadas em casas de amigos ou de familiares
O cenário na Vila Respeito é desolador: muitas casas estão submersas, móveis destruídos, pessoas abrigadas em casas de amigos ou de familiares
O cenário na Vila Respeito é desolador: muitas casas estão submersas, móveis destruídos, pessoas abrigadas em casas de amigos ou de familiares

\

O cenário na Vila Respeito é desolador: muitas casas estão submersas, móveis destruídos, pessoas abrigadas em casas de amigos ou de familiares
O cenário na Vila Respeito é desolador: muitas casas estão submersas, móveis destruídos, pessoas abrigadas em casas de amigos ou de familiares

Sem apoio, quilombolas se auto-organizam para lidar com as enchentes em seu território

Rogério Machado, o Jamaica, liderança do Quilombo dos Machado, tem prestado assistência a sua comunidade e outras atingidas pelas enchentes

Na tarde de sábado, 11 de maio, o telefone de Jamaica não parou de vibrar, com notificações de mensagens que chegam ou ligações. O motivo eram pedidos de ajuda ou solicitação de informações para doações no quilombo. Desde o primeiro final de semana de maio, essa sede dentro do território tem sido a base de apoio aos quilombolas atingidos, aos desabrigados da Vila Respeito e de diversas outras vilas da região do Sarandi, como Dique, Nazaré, União e Nova Brasília. 

A sede do quilombo tem sido um ponto de distribuição de marmitas, cestas básicas, colchões, produtos de limpeza e água potável. Além dos produtos de necessidades básicas, de certa forma, também tem sido um local para orientar quem está perdido, com pouco apoio, suporte ou informação da prefeitura de Porto Alegre ou do governo do estado do Rio Grande do Sul. 

“O quilombo está cumprindo uma função de existência, resistência e sobrevivência”, conta Jamaica. “Estamos fazendo esse esforço de nos apoiarmos enquanto irmãos, família. É o se aquilombar. A gente, pela gente, com a gente, porque é difícil de vir alguma coisa de órgãos nem digo competentes, mas incompetentes”, defende.

Segundo Jamaica, quem tem garantido a maioria das doações que chegam são coletivos e movimentos sociais, o movimento negro, sindicatos, outros quilombos – Família Silva e Kédi – e articulações que vem através das redes sociais. A todo momento chegam carros deixando cobertores, água potável, marmitas, comidas, remédios, lonas, capa de chuva etc. 

“O trabalho do governo do Rio Grande do Sul e da prefeitura de Porto Alegre tem sido nos orientar à evacuação. Mandam uma ou outra cesta básica, pois somos um quilombo e é questão humanitária. Mas não recebemos nada de significativo para sustentar nossa resistência comunitária e dar conta das demandas do povo que chega aqui”, relata Jamaica.

A sede do quilombo tem sido um ponto de distribuição de marmitas, cestas básicas, colchões, produtos de limpeza e água potável

 

 

 

 

Medo de rompimento de dique assusta quilombolas

O esgotamento é nítido no rosto de Jamaica, da sua esposa, Tamires Machado, 34 anos, e daquelas mulheres e homens que estão juntos na linha de frente da base de apoio. Já são em torno de dez dias de constante atenção, pressão e atendimento a diversas pessoas em situações extremas de vulnerabilidade. 

Neste momento, eles se concentram na gerência de recebimento e distribuição de doações. Mas, há alguns dias, lidavam com a pressão da possibilidade de a enchente chegar à sede do Quilombo.

No dia 5 de maio, domingo, a informação de que a represa do bairro Sarandi teve seu dique rompido, repassada em grupos de WhatsApp e alarmada por agentes públicos de trânsito e policiais em ruas próximas ao dique, provocou um alerta falso. A orientação urgente da prefeitura de Porto Alegre era de evacuação da zona norte, o que causou pânico na comunidade.

Em pouco tempo, dezenas de carros de apoiadores chegaram ao quilombo a partir de um chamado de urgência para ajudar em uma evacuação emergencial.  Naquele momento, o nível de tensão sobre Jamaica foi às alturas, por conta da existência da possibilidade de ter ou não de orientar uma evacuação do território, que hoje é base de suporte a centenas de famílias. Após alguns minutos de choro e correria, uma nova informação: a água extravasou o dique, não rompeu. O clima tenso se acalmou e a evacuação foi reavaliada.

A distribuição de marmitas e água no almoço e no jantar chega até a algumas pessoas que seguem ilhadas na Vila Respeito. Pelo menos duas vezes ao dia os barqueiros Artemis da Silva, 40 anos, e Richard Schmitt, 31, moradores da Comunidade Sete de Setembro, saem da base do Quilombo dos Machado para levar alimentos para as pessoas que não têm como buscar.

“A gente vai fazendo o máximo que pode. Me pedem Pix. Pix não tenho, mas aqui temos comida, um colchão, roupa. E assim vamos se ajudando. Sentimento de família mesmo”, conta Richard, que no último 6 de maio celebrou o aniversário com alguns amigos, na sede do quilombo, entre uma demanda e outra.

A comunidade tem consciência de que os desafios estão só começando. 

Quando a água baixar, será possível ver o tamanho do estrago dentro das casas. A reconstrução, ainda sem previsão de quando começará a acontecer, levará tempo e precisará que a força-tarefa e a auto- organização continuem.

 




Comentários:

Somente usuários cadastrados podem postar comentários.

Clique aqui para fazer o seu cadastro.

Se você já é cadastrado, faça login para comentar.

Entre em contato com a redação ❯
WhatsAPP DIARINHO

Envie seu recado

Através deste formuário, você pode entrar em contato com a redação do DIARINHO.

×






3.143.204.241

Últimas notícias

Empresários de sucesso da região compartilham desafios no PIB Connect

PIB Education

Empresários de sucesso da região compartilham desafios no PIB Connect

Universidades estão oferecendo cursos online e gratuitos; veja oportunidades

OPORTUNIDADE

Universidades estão oferecendo cursos online e gratuitos; veja oportunidades

Pré-candidato de Penha levou surra na Festa dos Amigos

PENHA

Pré-candidato de Penha levou surra na Festa dos Amigos

Brusque visita o lanterna Guarani buscando sair do Z4

Série B

Brusque visita o lanterna Guarani buscando sair do Z4

Clóvis Jr. é confirmado candidato a prefeito de Itapema pelo PSD

ITAPEMA

Clóvis Jr. é confirmado candidato a prefeito de Itapema pelo PSD

Vôlei e basquete masculinos estreiam neste sábado nas Olimpíadas de Paris

Agora é pra valer!

Vôlei e basquete masculinos estreiam neste sábado nas Olimpíadas de Paris

Marcílio empresta o zagueiro Luan para o Caxias

Futebol

Marcílio empresta o zagueiro Luan para o Caxias

Denúncia questiona contratação de agentes de trânsito para a Guarda Municipal

ITAPEMA

Denúncia questiona contratação de agentes de trânsito para a Guarda Municipal

Programa contra diabetes de Itajaí diminuiu atendimento por falta de pessoal

SAÚDE

Programa contra diabetes de Itajaí diminuiu atendimento por falta de pessoal

Mobilização das agências reguladoras federais faz atos também na região

ITAJAÍ E NAVEGANTES

Mobilização das agências reguladoras federais faz atos também na região



Colunistas

Dublê de vampiro é pura simpatia

JotaCê

Dublê de vampiro é pura simpatia

Atentados ao patrimônio histórico

Coluna Fato&Comentário

Atentados ao patrimônio histórico

Os desafios da presidente do TRE-SC nas eleições 2024

Coluna Acontece SC

Os desafios da presidente do TRE-SC nas eleições 2024

“Crescendo Juntas”

Via Streaming

“Crescendo Juntas”

Coluna Esplanada

Que Paes é esse?

Sobre os “monstros” em cada um de nós

Ideal Mente

Sobre os “monstros” em cada um de nós

Cauã no Estaleiro

Gente & Notícia

Cauã no Estaleiro

Os 5 melhores ativos para investir em inteligência artificial (IA)

Diário do Investidor

Os 5 melhores ativos para investir em inteligência artificial (IA)

Márcio Coelho apresentado

Show de Bola

Márcio Coelho apresentado

De parar o trânsito!

Foto do Dia

De parar o trânsito!

Coluna Exitus na Política

Musical e efeito para todos

Priscila Meireles em rede nacional, terreno gigante à leilão: os destaques do DIARINHO nas redes

Na Rede

Priscila Meireles em rede nacional, terreno gigante à leilão: os destaques do DIARINHO nas redes

Lençóis Maranhenses

Coluna do Ton

Lençóis Maranhenses

Direito na mão

Aposentadoria pelo pedágio de 50% e 100%: como funciona?

Trip dos Silva

Jackie Rosa

Trip dos Silva

Tema: pedir aumento de salário, dicas para um assunto delicado

Mundo Corporativo

Tema: pedir aumento de salário, dicas para um assunto delicado

Histórias que eu conto

Colégio Catarinense 7 – final

Artigos

Nos 164 anos de Itajaí, as pontes são para o futuro



TV DIARINHO






Especiais

Programa de bônus especial para jogadores regulares no Pin Up Casino

CASSINO

Programa de bônus especial para jogadores regulares no Pin Up Casino

Steven Levitsky: “O atentado contra Trump vai ter menos impacto que a facada em Bolsonaro”

ESTADOS UNIDOS

Steven Levitsky: “O atentado contra Trump vai ter menos impacto que a facada em Bolsonaro”

Por que Balneário Camboriú é a preferida para férias em família?

turismo

Por que Balneário Camboriú é a preferida para férias em família?

 Barra é uma joia do outro lado do rio Camboriú

paraíso

Barra é uma joia do outro lado do rio Camboriú

BC está na rota do turismo que mais fatura no mundo

TODAS AS CORES

BC está na rota do turismo que mais fatura no mundo



Blogs

 A cafonice do uniforme do Brasil

Blog da Jackie

A cafonice do uniforme do Brasil

João Rodrigues aterriza na região

Blog do JC

João Rodrigues aterriza na região

Brasileiro de Oceano será decidido na sexta-feira; Pangea de Floripa favorito ao bi na RGS

A bordo do esporte

Brasileiro de Oceano será decidido na sexta-feira; Pangea de Floripa favorito ao bi na RGS

Como higienizar seu alimento!?

Blog da Ale Francoise

Como higienizar seu alimento!?

Arquiteta Jordana Battisti, de Balneário Camboriú, apresenta o Café Bistrô Chá da Alice na CASACOR/SC - Itapema

Blog do Ton

Arquiteta Jordana Battisti, de Balneário Camboriú, apresenta o Café Bistrô Chá da Alice na CASACOR/SC - Itapema

Warung reabre famoso pistão, destruído por incêndio, com Vintage Culture em março

Gente & Notícia

Warung reabre famoso pistão, destruído por incêndio, com Vintage Culture em março

Como parcelar o IPVA de forma rápida e segura

Blog Doutor Multas

Como parcelar o IPVA de forma rápida e segura

Pirâmides Sagradas - Grão Pará SC I

Blog Clique Diário

Pirâmides Sagradas - Grão Pará SC I

Grupo Risco circula repertório pelo interior do Estado

Bastidores

Grupo Risco circula repertório pelo interior do Estado



Entrevistão

"O PL continua sendo o nosso vice, mas eu preciso acertar esse detalhe com o governador”

Liba Fronza

"O PL continua sendo o nosso vice, mas eu preciso acertar esse detalhe com o governador”

"Hoje nós não temos um litro de esgoto tratado em Navegantes”

Rogério Tomaz Corrêa

"Hoje nós não temos um litro de esgoto tratado em Navegantes”

"Nós já éramos PL antes do Bolsonaro entrar no PL. Nós não somos aproveitadores que entramos agora”

Carlos Humberto

"Nós já éramos PL antes do Bolsonaro entrar no PL. Nós não somos aproveitadores que entramos agora”

"O prefeito foi sete vezes a Dubai, em um ano, mas não se tem notícia de ter se reunido em um bairro de Balneário Camboriú”

Claudir Maciel

"O prefeito foi sete vezes a Dubai, em um ano, mas não se tem notícia de ter se reunido em um bairro de Balneário Camboriú”



Hoje nas bancas

Capa de hoje
Folheie o jornal aqui ❯








Jornal Diarinho© 2024 - Todos os direitos reservados.
Mantido por Hoje.App Marketing e Inovação