Moradora da praia dos Amores teve jardim destruído por máquinas da prefeitura
Ação aconteceu sem aviso prévio. Prefeitura diz que iniciativa tem respaldo legal por ser baseada no decreto da dengue
João Batista [editores@diarinho.com.br]
Dona Aurita mostra o flamboyant e o balanço onde crianças brincam. Passeio foi revirado por máquinas
(Foto: Da Redação)
Ação foi localizada na casa da senhora e deixou um rastro de destruição (Foto: Da Redação)
Ação foi localizada na casa da senhora e deixou um rastro de destruição (Foto: Da Redação)
Dona Laurita é conhecida no bairro por cultivar plantas, árvores e flores (Foto: Da Redação)
Laurita Becherer, 68 anos, dona do “spa das plantas”, na Praia dos Amores, em Balneário Camboriú, denuncia que teve parte do jardim destruído por máquinas da prefeitura numa ação que iniciou na semana passada e foi concluída nesta terça-feira.
Já a prefeitura de BC justificou que a equipe fez a eliminação de focos do mosquito da dengue, após denúncias e com base no decreto que permite a entrada forçada em imóveis particulares.
Dona Laurita, que todos conhecem por Aurita, mora na casa número 177 da rua Evaristo da Veiga, na esquina com a José de Abreu. Ela conta que a prefeitura não seguiu o traçado original da via e tem sistematicamente “tomado” parte de seu terreno avançando com a via sobre o imóvel ao longo dos anos. Na semana passada, as máquinas avançaram sobre os pés de árvores frutíferas e destruíram diversos vasos de plantas e o gramado que ficava sobre o passeio do imóvel.
Os operários alegaram que as plantas ocupavam o passeio. Aurita diz que não foi notificada e nem avisada que precisaria retirar os vasos.
Dona Aurita é muito conhecida no bairro pelo dom de cuidar das plantas. No jardim, ela cultiva árvores nativas e tem espécies raras como uma cerejeira do Japão e um cajá-manga. Segundo contou, foram destruídos pés de acerola, laranja e limão e vasos com flores e plantas. Entre os vasos perdidos, foram dezenas de pequenos, fora os maiores que acabaram quebrando.
Ela estranhou a ação da prefeitura porque no outro lado da rua tem um lote com muita vegetação, mas lá nada foi feito. A alegação da prefeitura seria que os vasos se tornaram criadouros do mosquito da dengue. No entanto, a moradora lembra que os vasos tinham terra e que a rua José de Abreu foi asfaltada sem sistema de drenagem e a água represa toda vez que chove. “Fizeram um asfalto precário, sem drenagem, sem meio fio. A água desce ladeira abaixo e represa no meu terreno. A prefeitura nunca fez nada para reparar essa obrigação que é dela,” diz Aurita.
Ação integrada mexeu no passeio e retirou entulhos
A coordenadora de Vigilância Ambiental de BC, Veridiane Barbosa da Silva, alega que houve uma ação integrada entre várias secretarias, incluindo Obras, Saúde e Defesa Civil. Além da área do passeio, houve retirada de entulhos do terreno.
A medida se baseou no decreto contra a dengue que permite a entrada em imóveis particulares. Veridiane afirma que a moradora já tinha sido notificada e multada pelo acúmulo de materiais. As denúncias são feitas há cerca de dois anos, inclusive já com processo junto ao Ministério Público.
Na semana passada, Veridiane informou que foram retirados do local sete caminhões de entulhos. O trabalho seguiu nesta terça-feira. “No imóvel foram encontrados muitos criadouros, com larvas positivas do mosquito”, afirmou.
A coordenadora disse que o filho da moradora, que acompanhou a ação de limpeza, foi diagnosticado com dengue. Antes da intervenção, Veridiane esclareceu que a moradora foi notificada pra retirar os materiais em 30 dias, o que não foi feito. Com isso, as equipes da prefeitura foram mobilizadas.
Até sexta-feira, o Departamento de Vigilância Epidemiológica da Secretaria da Saúde de Balneário Camboriú registrava 4181 casos confirmados de dengue e 1292 aguardando resultado. A cidade já confirmou três mortes por dengue.
Jardim de dona Aurita iniciou quando Amores era um bairro “alternativo”
O ano era 1994 e pouca gente poderia imaginar que as vizinhas praia Brava, no lado de Itajaí, e a praia dos Amores, do lado de Balneário Camboriú, iriam se transformar em dois dos bairros mais valorizados da região. Dona Aurita Becherer ainda guarda o projeto do loteamento onde comprou o terreno para viver com a família. Ali plantou um jardim que a lembra dos tempos de infância, em Pouso Redondo, no interior de Santa Catarina. A casa nunca chegou a ocupar nem 1/3 do terreno, pois a senhora preferiu privilegiar o verde aos tijolos e o concreto.
Com um dom nato para “curar” plantas doentes e fazer brotar mudas de árvores, ervas ou plantas ornamentais, dona Aurita calcula que já teve mais de 10 mil vasos na casinha simples onde hoje vive com um cachorro. O local já foi apelidado de “floresta” pelos vizinhos. Na entrada uma placa resume: “Spa de plantas”.
A boa fama logo se espalhou e dona Aurita ficou conhecida como a senhora que recupera qualquer planta no seu “hospital”, onde dispõe de mudas de árvores raras e cultiva flores, muitas já ofertadas à vizinhança.
“Dinheiro nunca ganhei, pois sei cuidar de planta muito bem, mas não sei cobrar,” confidencia.
Mas se dinheiro fosse questão ela já teria aceitado propostas de construtoras e teria cedido o imóvel de esquina para algum projeto de luxo no bairro onde uma casa ou imponentes sobrados valem alguns milhões.
“Fui vizinha de uma baronesa que tinha uma propriedade aqui no bairro. Ela me ofereceu na época 2 mil euros pelo meu lote. Ela queria comprar para manter essa área verde, mas eu nunca quis vender e ele continua verde,” relembra.
No auge da valorização da construção civil e também da epidemia de dengue, a simpatia de alguns vizinhos à senhora se divide a belicosidade de outros moradores que a denunciam seguidamente à prefeitura. “Vivo aqui sem celular e sempre no quintal. Nunca tive dengue. Acusam meu terreno de criadouro de dengue, mas o bairro inteiro tem água parada e plantas em vários quintais e terrenos baldios. A água empoça a cada chuva porque a prefeitura asfaltou a rua e esqueceu da drenagem dessa ladeira. Mas agora a culpada sou eu,” lamenta dona Aurita, que estendeu um pano negro em sinal de “luto” quando uma vizinha exigiu uma poda agressiva numa rara cerejeira do Japão que tem no jardim. “Aqui as crianças brincam no balanço da minha calçada (feito sob um frondoso Flamboyant) e os passarinhos comem as frutas no quintal. Enquanto eu viver, é para isso que esse lugar existe,” resume a senhora.
Aurita confidenciou que o bisavô alemão vivia na Floresta Negra, e era botânico. Ele veio ao Brasil pela primeira vez interessado pelas florestas brasileiras onde pesquisava plantas que curam. Para a bisneta, esse amor à natureza “está no sangue” e transpassa gerações.
Denúncias de alguns vizinhos
O presidente da Associação de Moradores da Praia dos Amores, Valdir de Andrade, entende que a medida da prefeitura foi por causa de criadouros do mosquito da dengue e também pela ocupação do espaço público. Segundo confirmou, as duas situações vinham sendo alvo de denúncias de vizinhos.
Com a retirada das plantas e vasos, ficou visível o muro que antes era aterrado de plantas sobre o passeio público. Parte da ocupação ainda avançava na rua, provocando o estreitamento da via. “Por tornar a rua com eixo menor e obstruir a visão, já ocorreram vários acidentes”, disse.
Valdir credita a isso uma das batidas que envolveu um carro dele, que era conduzido pelo filho. O veículo foi atingido pelo carro de um terceiro que entrou fechado na rua. No local, a sinalização de Pare sobre o asfalto está apagada e faltam placas de trânsito.
Aurita diz que os projetos originais do loteamento mostram que o traçado da rua Evaristo da Veiga foi sendo alongado sobre suaa propriedade ao longo dos anos e que a prefeitura nunca exigiu calçadas, tanto que o imóvel em frente a sua casa e boa parte da rua não conta com bueiros, meios-fios ou passeios públicos.
“Arbitrariedade com quem não pode se defender”
O morador da praia dos Amores Josuan Moraes Junior, de 59 anos, tem um imóvel na mesma rua onde dona Aurita construiu seu jardim. “Fiquei perplexo quando vi a cena de destruição. Dona Aurita convive pacificamente com todos. Vivo no bairro há quase 20 anos e nunca a vi fazer mal a alguém. Acolhe crianças, vizinhos ou quem passa para conversar. Passarinhos preferem o quintal dela. Lamentável essa truculência com uma pessoa de idade e que preza o bem comum,” disse ao DIARINHO.
Josuan lembra que o problema de falta de calçadas e de drenagem nas ruas é de conhecimento de todos e que apesar do IPTU caro que os donos de imóveis pagam, a prefeitura de Balneário Camboriú não investe em infraestrutura básica no bairro. “Região valorizada e que cresceu desordenadamente. Acúmulo de água da chuva e falta de bueiros são questões graves e que tem muitos culpados, mas estão usando dona Aurita como bode expiatório. Uma injustiça,” lamenta.
A estudante de direito Erika Barbarini, outra moradora das proximidades, também procurou o DIARINHO para pedir atenção das autoridades com a moradora que faz parte da história da praia dos Amores.
“Dona Aurita teve sua a sua casa invadida pelas secretarias da prefeitura de Balneário Camboriú. Um jardim destruído, suas plantas, vasos importados e muitas relíquias tratados como lixo. Não apresentaram qualquer notificação. Foi de chorar o que fizeram. Presto minha solidariedade,” disse Erika ao DIARINHO.
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