São Pedro
Bibi é a terceira geração nativa de benzedeiras
Giro pelo bairro São Pedro, ou Pontal, é como se fosse uma volta no tempo
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]

Andar pelo bairro São Pedro, em Navegantes, também conhecido como Pontal, é como voltar a um tempo bom em que os vizinhos se cumprimentavam, as crianças soltavam pipa na rua, as casas ficavam abertas até de noite e alguns saberes ancestrais se mantinham preservados. Uma dessas preciosidades, que atrai gente de longe e se mantém nos dias de hoje, é o benzimento, prática passada de mãe para filha há gerações e atende pessoas cujas enfermidades a medicina “não dá conta”. Uma das benzedeiras remanescentes deste saber é Maria Beatriz Romão Emílio, 63 anos, a Bibi.
Ela nasceu numa sexta-feira santa e, por isso, sua mãe sempre soube que a filha tinha a mesma missão que ela: benzer pessoas enfermas sem esperar nada em troca, caso contrário, sofreria as consequências. “Quando era mais moça a tia sofria uns desmaios, ataques que ninguém sabia o que era, mas quando começou a benzer, passaram”, conta a prima Olívia, 53.
Bibi aprendeu a benzer contra quebrante (mau olhado) e zipra (erisipela), e conta que quando começa a benzer dá sono, e se a pessoa está muito carregada pela inveja, a energia negativa passa pra ela. “Tem gente que já me deixou de cama”, revela. Além do benzimento, ela também aprendeu com a mãe o poder medicinal das plantas, como o boldo e o ora-pro-nóbis.
Outros males, como arca caída (pontada) e cobreiro (herpes), quem benzia era a dona Maurina, que morreu em dezembro. Ela também benzia de “bruxa”, quando a criança minguava, e sol na cabeça (insolação). “Para benzer de sol na cabeça, a Maurina colocava uma garrafinha com água e alho na cabeça que chegava a ferver! Isso a medicina não explica”, acredita Olívia.
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Beto começou a pescar aos 12 anos e não tem data para parar
Uma certeza que todo morador do Pontal tem é ver a canoa do seu Beto se aprochegar quando o sol se põe, pintando de laranja as águas barrentas do rio Itajaí-açu. Afinal, esta é a rotina diária de Albertino José Pereira, 75 anos, desde que era menino e aprendeu a lida com o cunhado Osmir. E não tem feriado ou dia santo que faça Beto dar um tempo da atividade que exerce há 60 anos. Para ele, pesca e vida se confundem. “Eu só vou parar quando morrer. Trabalhar é bom pra saúde, pra memória, tenho muito orgulho de ser pescador”, afirma.
A trajetória de Beto acompanhou as transformações econômicas e sociais da localidade. Ele começou a pescar aos 15 anos de forma artesanal, mas logo foi contratado para atuar na pesca industrial, ocupando todos os cargos da embarcação, da popa à proa. Depois de 12 anos contratado de uma traineira, conseguiu comprar o próprio barco, aliás, dois, que batizou de Elisandra e Pátria, um para pescar camarão e o outro, sardinha. “Tive os barcos durante 49 anos, que pescavam de Laguna a São Sebastião (SP). Mas quando me aposentei vendi, porque comandar duas tripulações não é fácil”, revela.
Hoje quem lhe faz companhia é Jaison, 17, que aprendeu os macetes com o avô quando Beto voltou para a pesca artesanal, após a aposentadoria. A rotina continua a mesma: acordar antes do sol nascer, tomar um café reforçado, preparar o lanche com frutas e água para levar no barco, assim como os utensílios de pesca. E percorrer o rio Itajaí adentro em busca de tainhas.
“Quando as empresas soltam os resíduos de peixe no rio, o cardume vem se alimentar e a gente aproveita. É a melhor hora do dia”, comemora. O pescador Beto nem traz para o bairro, vende direto do lado de lá do rio, no Mercado Público. A renda, junto com a aposentadoria e a reforma de redes, é o suficiente para levar uma vida ativa e tranquila, que só não é plena pela falta da companheira, já que a esposa Marlene faleceu há dois anos. “Mas já estou arrumando uma namorada, não nasci para viver sozinho”, admite, soltando um sorrisinho maroto.

Passarinho chegou de longe e lidera um projeto social
Nos últimos anos, Navegantes viu sua população se multiplicar e ficar mais diversa graças à chegada de imigrantes de norte a sul do país, atraídos pela promessa de emprego e por uma vida mais tranquila entre o mar e o rio. Um desses migrantes, que tem o codinome de Passarinho, veio do Amapá a convite de um amigo, e apesar da economia parada daquele ano, conseguiu se integrar no Pontal como se ali sempre vivesse.
Jefferson Pereira, 47, é natural do Rio de Janeiro, mas como o pai era da Marinha mercante, a família fez do êxodo um estilo de vida. Primeiro eles se mudaram para Belém do Pará, quando era adolescente. Por lá ele começou a jogar capoeira, arte que une luta, música e canto, com um forte sentimento de conexão com a ancestralidade da Mãe África.
Aos 19 anos, foi para Macapá (AP) participar de um evento e gostou tanto que por ali ficou, formou família e se graduou em Educação Física através de uma bolsa de estudos em troca de aulas de capoeira. Lá, ele conheceu a vertente “marabaixo”, que tem origem na história oral dos africanos escravizados que sobreviviam à travessia no Atlântico. “Os tambores tinham uma pegada pesada, quase uma marcha fúnebre, em homenagem aos que se foram”, revela.
Mas a violência que queria escapar tanto do Rio quanto do Pará começou a chegar ao isolado estado do extremo norte brasileiro. A saída foi migrar novamente, desta vez cruzando o país. Em Navegantes, Passarinho expôs seus projetos sociais que unem arte popular e cultura e conseguiu a adesão da comunidade. Assim nasceu o Centro Cultural Vivência, em parceria com a Escola de Samba Estrelinha do Mar, onde dá aula de capoeira para crianças e adolescentes.
E comanda na rádio comunitária Dengo Dengo (FM 98,5) o “Berimbau sonoro”, aos sábados, das 13h às 15h. No programa, ele divulga artistas locais das mais variadas sonoridades, como forró, reggae, rap e também resgata atividades culturais locais, como a cantoria do boi de mamão, uma expressão da cultura brasileira, presente em todo território nacional.
Redação DIARINHO
Reportagens produzidas de forma colaborativa pela equipe de jornalistas do DIARINHO, com apuração interna e acompanhamento editorial da redação do jornal.