Luta pela sobrevivência

Trabalhadores se sustentam com venda de mercadorias nas ruas

Quatro entre 10 trabalhadores brasileiros são informais e não estão protegidos pela legislação trabalhista

Ezequiel só fatura com a venda de picolés em dias ensolarados e de praia cheia
Ezequiel só fatura com a venda de picolés em dias ensolarados e de praia cheia

Por Renata Rosa
Especial para o DIARINHO

O poder de compra dos trabalhadores foi afetado desde o início da pandemia por causa da redução de vagas com carteira assinada, do achatamento dos salários e do aumento da informalidade para sobreviver num cenário de baixo crescimento econômico. Segundo o IBGE, a taxa de informalidade atingiu o recorde de 40% dos trabalhadores em 2022, que precisaram buscar uma fonte alternativa de renda, principalmente na área de serviço a domicílio, venda nas ruas ou por delivery.

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São 38,7 milhões de pessoas vivendo assim. Mesmo no setor privado, 13 milhões trabalham sem carteira assinada. Além destes informais, há também os subutilizados ou desalentados, que desistiram de procurar emprego e somam 32,9 milhões. No mundo todo são 300 milhões de trabalhadores informais, cerca de 10% deles vivem no Brasil.

O mato-grossense Ezequiel da Silva Maciel, de 40 anos, vende picolé nas praias de Navegantes e Atalaia, em Itajaí, desde 2022. Num final de semana de sol, ele consegue vender em média R$ 300 por dia, mas, se chega uma frente fria, como no último fim de semana, as vendas despencam. O paulista Márcio Rodrigues, de 49, também depende do tempo bom para vender água gelada no trânsito, e, quando o calor acaba, ele troca a água por bombons e maçãs do amor. Ele começou a trabalhar nas ruas desde que sua empresa foi à falência, em 2020.

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Já Vitória Cristina da Silva, de 23 anos, conseguiu voltar ao trabalho formal em 2021 depois de ficar desempregada durante um ano por causa da pandemia. Ela buscou nos cadernos da avó e tia receitas de família para fabricar doces e vender aos conhecidos. Agora, mesmo empregada, manteve a atividade já que o dinheiro dos doces representa metade da sua renda.

Quanto menos desenvolvido é o país, maior a informalidade

O trabalho informal é uma característica de países subdesenvolvidos, porque é resultado direto do baixo nível de emprego formal. A saída de muitos informais, para não ficarem totalmente desguarnecidos pelas leis trabalhistas, é contribuir para a previdência social, ou abrir um MEI, como fez a doceira Vitória.

Para Lauro Mattei, coordenador do Núcleo de Estudos da Economia Catarinense (Necat), mesmo quem possui MEI é considerado informal, por causa da instabilidade. Ele cita como exemplo um pintor que a renda varia conforme a demanda, não sendo possível assumir compromissos como financiamento de carro se não há comprovação de renda. E, se assumir, pode cair na grande massa de endividados por causa do uso sem limites do cheque especial e cartão de crédito, resultado direto na política de juros altos para conter a inflação.

Lauro é um crítico ferrenho do que ele chama de “rentismo” e a atual política de juros do Banco Central, que está em 13,75% ao ano, a maior do mundo. “Que empresário vai investir numa nova indústria se deixar o dinheiro parado vai render mais? Isso desestimula a geração de empregos formais e trava o desenvolvimento do país”, acredita.

Ele explica que não existe só uma fórmula para controlar a inflação e os efeitos mais fortes da pandemia, como escassez de produto e forte demanda, já passaram. “Uma economia só funciona com crédito barato. Se for caro, só quem ganha são os bancos, que vivem do pagamento de juros. Isso gera um ciclo vicioso que penaliza as famílias e paralisa a economia”.

Segundo a análise do Necat referente a outubro de 2022, o emprego formal catarinense apresentou queda de 54% no ritmo do crescimento de vagas em 12 meses (-117 mil postos de trabalho). Os setores da economia que tiveram os piores desempenhos foram a agropecuária e a construção civil.

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Trabalhadores com ensino superior tiveram 47% menos vagas e 86% das vagas criadas são remuneradas com, no máximo, dois salários mínimos. Segundo o estudo, isso demonstra a crescente precarização do trabalho e corrosão da renda per capita. “Por causa da pandemia, muitas funções tiveram os salários rebaixados para evitar demissões e, depois que a atividade se restabeleceu, os salários não voltaram aos patamares anteriores”, acredita.

Índice de desemprego diminui durante a temporada por causa do aumento da informalidade

Índice de desemprego diminui durante a temporada por causa do aumento da informalidade (foto: Matheus Petters)

 

Célio Bananinha pedala 42 km por dia vendendo quitutes há 30 anos

Célio vende 70 pães e 75 bananinhas todos os dias

Célio vende 70 pães e 75 bananinhas todos os dias

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Não tem tempo ruim para Célio Bananinha, de 60 anos, o folclórico vendedor de pão caseiro e pastel de banana que circula pelos bairros de Itajaí, faça chuva ou sol, desde 1992, quando veio para a cidade, depois de um tempo na Armação (Penha). A clientela é fiel e sabe que a encomenda está chegando quando ouve o assobio estridente seguido do bordão “Pão, bananinha!”. Ele vende os quitutes sempre com um sorriso no rosto e um causo ligeiro inspirado nas notícias do dia, já que também compra exemplares do DIARINHO e leva para clientes.

E quem vê aquela figura bem-humorada circulando de bike com uma caixa acoplada na frente não imagina a rotina dura que ele enfrenta. Célio conta que ele e a esposa Cleide já estão de pé às 2h30 para preparar a massa do pão. Ele mistura os ingredientes e põe na masseira para sovar enquanto Cleide prepara as formas. Eles fabricam 70 pães por dia e 75 bananinhas. E não sobra nada. “Enquanto eu não vender tudo, não volto pra casa”, afirma.

Para atender a clientela com produto fresco, são preparadas quatro fornadas de 18 pães, duas de manhã e duas à tarde. Às 5h da matina a primeira remessa vai pro forno, e às 6h30 começa a entrega. “O povo quer o pão antes de sair para o trabalho. Se eu atraso é uma reclamação danada!”, conta. A clientela é, principalmente, dos bairros Fazenda, onde mora, e São João, onde morou. Mas ele também faz vendas quando passa pelo centro e Vila. Ao todo, roda cerca de 42 km por dia e volta quatro vezes para casa para reabastecer.

Para facilitar as vendas, Célio também aderiu ao pix, mas diz que não é todo mundo que consegue pagar com agilidade, o que acaba tomando tempo. O que ele mais usa é o zap para atender encomendas. Ele conta que o trabalho como vendedor ambulante em 30 anos possibilitou a compra da casa própria, um carro, uma bicicleta elétrica, além de estudar quatro filhos, dois no ensino superior. E mesmo sendo informal, ele não deixa de pagar o INSS para ele e a esposa para garantir a aposentadoria e auxílio em caso de doença.

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Com as bênçãos da madrinha Ana

Tudo começou quando ele, que é de Blumenau, foi visitar a madrinha Ana, que tinha casa de praia na Armação. Todo dia ela fazia dois pães, cujo cheirinho enlouquecia os veranistas do Camping da Hering, ao lado. Era tanta gente perguntando pelo pão que Célio teve a ideia de fornecer para os turistas.

De cara, produziam três fornadas por dia, depois passou para oito e a esposa Cleide foi convocada para ajudar. Até que chegou uma hora que a madrinha jogou a tolha. “Ela disse que tinha vindo para a praia pra descansar e tava trabalhando mais do que antes. Mas eu fiquei com aquilo na cabeça e, quando me mudei para Itajaí, botei em prática o que aprendi com ela”, revela.

De formação, Célio é ator de teatro e fez parte do grupo Faz-me Rir dos 17 aos 29 anos, mas teve que parar. “O diretor gastava mais na produção do que conseguíamos arrecadar”, lamenta.

Sorte nossa que Célio acabou vindo morar na cidade peixeira, onde representa uma classe de vendedores de bicicleta, que eram abundantes em Itajaí até os anos 80, quando se vendia de um tudo: de peixe à bananinha, do sonho com goiabada e linguiça. A atividade traz comodidade aos consumidores e é responsável pelo sustento de muitas famílias brasileiras.

 

Márcio viralizou nas redes sociais vendendo água na rua através do pix

Beba primeiro, pague depois: o segredo do sucesso de Márcio Rodrigues

Beba primeiro, pague depois: o segredo do sucesso de Márcio Rodrigues

Durante 19 anos, Márcio Rodrigues trabalhava na própria empresa, que prestava serviço para construtoras revendendo material de construção. Mas aí veio a pandemia e ele se viu, de um dia para o outro, sem condições de honrar os compromissos. Resultado: acabou na rua, revirou lixo para comer e chegou a tentar o suicídio. Até que um dia sentiu a presença de Deus e deu a volta por cima, mas sem abandonar a rua, só que desta vez como garçom de semáforo.

“Eu queria apresentar um trabalho diferenciado, oferecer uma água bem gelada e dar condições aos clientes de pagar depois, através do pix. Como as pessoas estão dirigindo e muitas vezes não tem como pegar o dinheiro antes do sinal abrir, facilita”, explica.

Quando decidiu mudar de vida, procurou um pastor que conhecia em Peruíbe (SP), que lhe ofereceu um lugar para dormir. E, para pagar a pensão, foi vender bombons no trânsito. Mas por ser uma cidade pequena, que só tinha um semáforo, preferiu se mudar para Praia Grande. Na época, ele adesivou os bombons com pix e QR code. Começava ali a saga entre carros e motos, distribuindo gentilezas, adoçando a vida dos motoristas e matando a sede alheia.

“No começo fiquei constrangido em vender bombom na cestinha, mas aquela era a minha realidade. Eu sabia que tinha que começar por alguma coisa”. A ideia de se vestir de garçom surgiu quando tentava a vida em Santos, em 2021. Ele conta que uma moradora do prédio em frente à praia fez uma foto e a imagem do moço de sorriso largo e bem vestido vendendo água e viralizou. Márcio virou notícia nacional. Aí ele começou a pensar grande, mas desistiu de Santos por causa da violência.

“Enchi o carro com fardos de água e me mudei para Balneário Camboriú, atraído pela prosperidade da cidade”. Ele veio com a namorada, que decidiu abandonar a vida pacata pela chance de um futuro diferente. “Quando eu a conheci, expliquei que não tinha nada, mas estava determinado a vencer. A família surtou, até porque sou negro, mas agora eles me aceitam”, conta.

3 milhões de visualizações no Tik Tok

Por causa do custo de vida em Balneário, Márcio mudou-se para o bairro São Vicente, em Itajaí, onde reside numa quitinete com Cleide, que é diarista. Diariamente ele chega às 8h na sinaleira ao lado do Colégio São José para garantir a vaga do carro, onde ficam as caixas de isopor com gelo e as garrafinhas de água. Ele vende em média 80 por dia, ao custo de R$ 4 no dinheiro ou pix, que pode ser feito depois do motorista chegar em casa. “Eu nunca me preocupei em levar calote. Tem gente que tira sarro de mim, diz que não devia confiar nas pessoas, mas quando eu checo os depósitos na minha conta, nunca tive prejuízo. Pelo contrário, até gorjeta”, revela.

Aliás, o vídeo em que mostra o extrato quilométrico com as vendas por pix caiu no gosto do Tik Tok. O clipe tem mais de 3 milhões de visualizações. No Instagram, os seguidores crescem a cada dia. Até o momento da reportagem, eram 27 mil.

Mas e quando o calorão acabar? Márcio vai vender maçã do amor. E para o futuro, quer lançar a própria marca de água e dar palestras, contando sua história. A primeira já está agendada para 16 de maio, ao lado da igreja Ágape. Lá ele vai interagir com empresários e divulgar seu modelo de marketing. “Eu sempre soube do risco de não exigir pagamento à vista, mas eu preferi acreditar nas pessoas como um dia acreditaram em mim”.




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