Balneário Camboriú
Construtora e morador disputam área histórica aos pés da roda-gigante
Empresa afirma ser dona de imóvel no costão do Pontal Norte onde mora descendente de “primeiro morador” de BC
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]



Uma disputa judicial em Balneário Camboriú busca o reconhecimento da posse de uma área histórica do município e coloca em disputa o escritor e historiador Isaque de Borba Corrêa, tetraneto do sesmeiro Balthazar Pinto Corrêa, e a construtora Planicap. O terreno no Pontal Norte é remanescente do único donatário da carta de sesmaria, assinada há 200 anos por Dom Pedro I, em território que daria origem a Balneário Camboriú.
A empresa reivindica a posse do terreno de 1.320 metros quadrados junto ao deque do Pontal Norte. Na área onde viveu Balthazar, com resquícios da primeira moradia, hoje há duas casas de madeira, uma construída, conforme Isaque, em 1951 (há 71 anos), onde até este ano ainda morava o cunhado do escritor, Wanderley Nogueira da Costa, e outra, de 1939 (há 83 anos), ocupada por Isaque, segundo o processo, desde 2011.
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Réu originário da ação, Wanderley teve que sair da moradia, onde já funcionou a “Casa do Papai Noel”. Agora, é Isaque quem teme a volta do oficial de justiça com uma ordem de despejo.
Em julho, ele conseguiu embargo contra a desapropriação pela construtora, mas a batalha segue no Tribunal de Justiça. A decisão judicial atinge a casa do escritor que, mesmo não sendo réu, tenta provar que é dono do local.
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Processo desde 2011
O processo da construtora contra Wanderley vem desde 2011, ano que Isaque também passou a morar na casa da família, após a morte de seu pai. Em 2022, saiu a decisão para cumprimento da sentença, mas a confusão sobre a propriedade é mais antiga.
Isaque alega que recebeu de seu pai, Germano Corrêa, a cessão de direitos da casa onde mora, enquanto que a primeira casa foi vendida por Germano para Wanderley.
Ocorre que, conforme o processo, o pai de Isaque havia perdido a posse do imóvel numa antiga ação de desapropriação do empresário Carlos Luz, após o advogado da família do escritor perder o prazo para defesa.
Depois, a propriedade foi vendida pela família Luz para a construtora Embraco que, por sua vez, a vendeu para a Planicap. Pelo cadastro imobiliário do município, a Planicap está registrada como dona do imóvel.
Contratos contestados
Wanderley seguiu morando no local após a negociação da construtora com base em contratos de comodato, espécie de aluguel gratuito, feitos com a empresa.
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A validade e a autenticidade desses contratos são questionadas por Isaque, pois os documentos colocariam o escritor como “inquilino” de Wanderley e abrangeria as duas casas.
O último acordo de comodato, de 2009, foi rompido pela construtora após Wanderley se negar a sair da casa alegando ter comprado o imóvel do pai de Isaque. A empresa conseguiu demonstrar a posse, culminando na ação de desapropriação que corre até hoje.

Terreno no Pontal Norte é remanescente do único
donatário da carta de sesmaria,
assinada há 200 anos por Dom Pedro I
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Posse passava por gerações

Escritor e historiador Isaque de Borba Corrêa corre o risco de despejo
Há divergências se o despejo envolveria ou não as duas casas do terreno. Isaque afirma em recurso que tem a posse da casa onde vive, passada por seu pai, que também recebeu das gerações anteriores da família. Ele destaca as certidões da terra desde a época de seu tetravô, Balthazar Pinto Corrêa, considerado o “primeiro morador” de Balneário Camboriú, antes de a cidade ser formada.
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Balthazar recebeu a carta de sesmaria do imperador Dom Pedro I, entre 1822 e 1823, o primeiro despacho que autorizava a fundação de uma vila na região. As sesmarias, distribuídas após a independência, eram documentos que concediam terras da Coroa para a ocupação de donatários, criando condições de cultivo e povoamento.
Conforme livro do próprio Isaque, a sesmaria de seu tetravô permitia ocupar uma gleba de terra no canto norte da praia e começar o povoado. A área envolvia inclusive terras que hoje ficam no outro lado da avenida Atlântica. Na época, a região fazia parte da Freguesia de Porto Bello.
Os registros da igreja apontam que Balthazar morava no que viria a ser o Pontal Norte ao menos desde 1821. O povoado começou em 6 de setembro de 1826, com a criação da Vila dos Pioneiros, atual bairro Pioneiros. No local nasceram os antecedentes de Isaque e foi origem de Balneário Camboriú e Camboriú.
Documentos antigos e até mapas mais recentes mostram a relação da família de Isaque com o canto norte da então “Praia de Camboriú”. As áreas desbravadas por Balthazar eram chamadas de “Morro do Corrêa”, “Caminho do Corrêa” e “Praia do Corrêa”. Uma das casas do terreno chegou a ser tombada como patrimônio histórico em 1989, junto com outros imóveis, mas o decreto foi revogado em 1994.
Com o destombamento, parte do imóvel foi declarado de utilidade pública pelo município e desapropriado para construção dos deques que contornam o costão norte da praia. Ao longo do tempo, terrenos contíguos à gleba original de terra da sesmaria também foram vendidos e ocupados, restando o último resquício das origens da cidade na área onde está a casa de Isaque.
O escritor defende que os locais onde estão as duas casas são imóveis separados. Ele prepara documentos e levantamento topográfico para apresentar à Justiça. Isaque afirma que todo canto da praia é um sítio arqueológico. Ele mesmo guarda peças líticas usadas por povos pré-históricos e que serão destinadas ao arquivo arqueológico.
Deque vai receber nome de pioneiro: Balthazar Pinto Corrêa

Proposta de nomear deque teve adesão de 11 vereadores
Na semana passada, a Câmara aprovou o projeto de lei que nomeia como “Deck Balthazar Pinto Corrêa” a passarela de madeira do canto norte da praia Central, que dá acesso às praias do Canto e do Buraco.
A proposta foi do vereador André Meirinho (PP), assinada por 11 vereadores, com objetivo de resgatar a história de ocupação da região norte, homenageando o “único sesmeiro” de Balneário e pioneiro da formação da cidade.
“É a primeira vez que o cidadão mais histórico da cidade recebe uma homenagem pública. O deque praticamente contorna as terras onde ele requereu essa sesmaria. Todo aquele lugar é um santuário arque-histórico que deveria ser tombado pelo patrimônio histórico”, postou Isaque após a aprovação do projeto.
Advogado da Planicap diz que Isaque é "invasor"

Advogado alega que imóvel foi desapropriado dos pais do escritor
pela família que era dona, e o terreno foi comprado mais tarde pela construtora
O advogado que atua na defesa da Planicap, Iolando Marciano Rodrigues, diz que Isaque é quem é o “invasor” e comenta que a carta de sesmaria tem a ver com Camboriú e não com Balneário Camboriú, formada só depois.
Segundo Iolando, o imóvel foi desapropriado dos pais do escritor pela família que era proprietária, e o terreno foi adquirido mais tarde pela construtora.
O advogado contesta a alegação de que as casas são imóveis separados, afirmando que tudo é uma propriedade só, conforme matrícula no registro imobiliário.
“Aquilo ali é uma propriedade particular. Nunca foi dele [Isaque]. A empresa quer apenas tomar o que é dela”, destaca. Iolando lembra que, no próprio depoimento, o escritor afirmou que morava de favor na área ocupada pelo cunhado.
Contestando informações já divulgadas sobre a polêmica, o advogado ainda observa que Isaque não nasceu no local e que o escritor e o pai nunca moraram ali. A defesa acusa Isaque de ter juntado documentos falsos no processo para provar a posse da área.
“Ele quer ganhar na mão grande”, acusa. Conforme o advogado, as chances de recursos já se esgotaram e o ordem de desapropriação pode ser cumprida a qualquer momento.