Estudo do instituto Oceana Brasil aponta que o Brasil desconhece a situação dos estoques de 94% de 118 tipos de pescados que são alvo da indústria pesqueira do país. Diante do quadro, o relatório, divulgado na semana passada, recomenda “uma profunda reforma” na legislação pesqueira, com mudanças nas normas de pesca pra garantir proteção das espécies e a captura sustentável.
A “Auditoria da Pesca Brasil 2020” fez uma radiografia da gestão pesqueira, avaliando legislação, gestão, situação dos estoques de peixes marinhos e regramentos das pescarias, como as cotas de captura ...
A “Auditoria da Pesca Brasil 2020” fez uma radiografia da gestão pesqueira, avaliando legislação, gestão, situação dos estoques de peixes marinhos e regramentos das pescarias, como as cotas de captura. Para quase todas as espécies capturadas pela frota de barcos, o estudo mostrou que não existem informações sobre a condição dos estoques e que o controle da pesca é deficiente.
O diretor-geral da Oceana, o oceanógrafo Ademilson Zamboni, disse que esse é o primeiro de uma série de relatórios anuais que a empresa fará para acompanhar a evolução da gestão da pesca nacional para propor melhorias. O estudo segue metodologia baseada em orientações da organização da Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), com 22 indicadores de desempenho.
Nessa primeira auditoria, foi constatada também que apenas 3% dos estoques possuem limites de captura estabelecidos, ao passo que apenas 8,5% deles estão incluídos dentro de planos de Gestão. Metade das 44 pescarias avaliadas possui algum tipo de ordenamento, em maioria medidas como defesos, tamanhos mínimos de captura, restrições de áreas ou características dos petrechos de pesca, regulamentadas por centenas de atos normativos.
A outra metade das pescarias marinhas não tem nenhum ordenamento de pesca, mesmo que seja precário. “O que, na prática, significa "livre acesso" aos estoques marinhos comercialmente interessantes”, diz a nota sobre o estudo, sobre a falta de controle na captura, mesmo de espécies ameaçadas.
O relatório também aponta que 48% das pescarias brasileiras atuam com frotas em áreas onde não há estatística pesqueira, sendo que só 23% das frotas são efetivamente monitoradas. Entre as ferramentas de controle estão os mapas de bordo, obrigatórios em 25% das modalidades de pesca, e o programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite (Preps), exigido em 15% dos tipos de pescarias.
Além de 118 estoques de pescados, o estudo analisou 44 modalidades de pesca, dentro das quais operam 19.066 embarcações, segundo os dados registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP) de 2017. O relatório avaliou ainda o funcionamento dos comitês Permanentes de Gestão e a transparência no acesso às informações, como boletins de produção pesqueira e atas de reuniões.
Modernização na lei e ampliação do monitoramento
Para o diretor da Oceana, o cenário de descontrole e desconhecimento dos estoques é reflexo de anos de conflitos de competência e instabilidade institucional na pasta da pesca. O setor chegou a ter um ministério próprio e, depois de vagar por outros ministérios, hoje é tratado por uma secretaria vinculada ao ministério da Agricultura.
"Com uma Lei da Pesca vaga e carente de definições claras, de instrumentos e de responsabilidades endereçadas aos órgãos competentes, os estoques pesqueiros e a própria pesca padecem," alerta Ademilson. Ele defende uma revisão na lei 11.959/2009, da política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca.
“Podemos encontrar soluções de curto prazo no monitoramento ou ordenamento de muitas pescarias. Mas uma mudança definitiva, que traga um sopro de modernidade à essa atividade tão importante, somente poderá ser obtida com uma revisão da lei”, completa.
Além da modernização na lei de Pesca, o estudo também recomenda a ampliação e transparência do monitoramento pesqueiro, assim como o desenvolvimento de planos de gestão e a definição de limites de captura para todos os estoques pesqueiros.