Muito antes de ser apontada como a “Dubai brasileira”, Balneário Camboriú já teve um apelido mais pomposo nos anos 50: “Praia presidencial”. Tudo por causa do casal João Goulart e Maria Thereza, que tinha uma casa de veraneio na avenida Atlântica, próximo a rua 4600, antes de ele se tornar presidente, com a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. O lote foi adquirido de Normando Tedesco no final dos anos 50, que o conheceu no escritório de advocacia de Viriato Vargas, irmão do presidente Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Jango também foi Ministro de Trabalho de Getúlio. Antes de erguer a casa, onde hoje funciona o restaurante Lago da Sereia, Jango tinha um quarto cativo no Hotel Fisher, construído em 1957 e demolido em 2014. O Hotel Fisher foi o primeiro da cidade a ter banheiro privativo nos quartos e passou por algumas reformas, mas não resistiu a especulação imobiliária. O filho Klaus Fisher, em entrevista ao Arquivo Público de Balneário em 2006, contou que Jango avisava que estava chegando fazendo voltas com o avião Cesna sobre o hotel, e depois pousava na Vila Real, desabitada na época. Daí, o pessoal do hotel ia buscá-lo de Kombi para uma semana de descanso. O proprietário do Centro de Eventos Itália, Fernando Delatorre, filho do pioneiro do cinema em Balneário, conta que Jango era uma figura muito simpática e simples no convívio com os locais. “Era comum ver o casal no restaurante Mariluz, um dos mais antigos da cidade, onde se realizavam jantares e convenções políticas. E quando sua esposa ia a praia com um maiô de duas peças parava o trânsito! Naquele tempo não se chamava biquíni”, esclarece.
Presidente desfilava
A presença de João Goulart, que antes de ser vice de Jânio Quadros, foi vice de Juscelino Kubitschek, atraiu muita atenção para Balneário. Há quem diga que teve o dedo de Jango no traçado da BR-101 para que ficasse mais próxima ao litoral, em vez que passar por Brusque, a 35 km da costa. O que ninguém discute é que a presença da família dava um charme extra à praia, que começava a despontar como destino turístico nos tempos da bossa nova. “A Maria Thereza e os filhos praticamente passavam todo o verão aqui e quando o Jango vinha, eles passeavam com um Ford sem capota pela praia. A Maria Thereza, inclusive, era cliente do magazine de minha mãe”, relembra Álvaro Dias, 80 anos, o primeiro prefeito de Balneário depois que o prefeito Higino Pio foi levado por agentes da ditadura militar, e apareceu morto 11 dias depois. Álvaro era presidente da câmara de vereadores na época e ficou no cargo até a chegada do interventor, o engenheiro Egon Stein. Ele conta que os militares afirmaram que Higino tinha se suicidado, mas, da mesma forma que aconteceu com o jornalista Vladmir Herzog, a cena tinha sido armada. “A Comissão da Verdade, em 2008, investigou casos de desaparecidos políticos, e eu fui um dos que foi chamado a depor. Só nessa época algumas famílias começaram a ser indenizadas”, revela.
Uma triste coincidência
João Goulart foi derrubado pelo golpe militar justamente no ano da emancipação de sua adorada Balneário Camboriú, em 1964. Ele e a esposa tiveram que abandonar tudo e partiram para o exílio no Uruguai, onde a família tinha uma fazenda. Já outras propriedades, inclusive a casa de praia, foram confiscadas pela ditadura militar e a família chegou a passar necessidade. Jango faleceu em 1976, com apenas 57 anos, quando estava na Argentina, prestes a migrar para a Europa. Sua morte, porém, nunca foi devidamente esclarecida. A suspeita é que ele tenha sido envenenado, mas quando teve o corpo exumado, em 2008, já era tarde demais para confirmar a hipótese. Durante a Comissão da Verdade, o casal finalmente recebeu anistia política e o mandato de Jango foi devolvido de forma póstuma. Maria Thereza, hoje com 78 anos, acabou de lançar a autobiografia “Uma mulher vestida de silêncio”, escrita pelo jornalista Wagner William. O livro descreve os altos e baixos vividos ao lado do marido e a terrível perseguição que sofreram nos anos de chumbo. Da trajetória de Jango em Balneário Camboriú restam a homenagem da escola estadual que leva o seu nome na rua 1500 e uma estátua feita artista plástico Jorge Schroder em 2007, em frente a rua 4600, onde ficava sua antiga morada. Álvaro disse que o filho de Jango, João Vicente, tentou reaver a casa, mas acabou entrando em acordo com o proprietário atual. Já a memória de Higino Pio ficou imortalizada na praça nos arredores do shopping Atlântico.