Itajaí
Quem deve resolver o caos do ferry?
DIARINHO ouviu especialista, prefeituras, empresa de navegação e motoristas sobre o problema que se agrava cada vez mais
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]




As constantes, demoradas e gigantescas filas provocadas por motoristas que querem chegar até a travessia do ferry e que provocam caos no trânsito do centro e do bairro Pontal, em Navegantes, infernizando a vida de quem mora e tem comércio por lá, parecem ser um problema que está longe de acabar. A situação também acaba respingando no lado de Itajaí, onde as filas começam já na avenida Beira Rio. Nesta sexta-feira, o problema voltou a acontecer. A prefeitura defende que a responsabilidade da organização da fila é da NGI Sul, empresa que toca a travessia. Já o pessoal da balsa alega que os funcionários não são agentes de trânsito e não podem atuar nas ruas. No meio do impasse, estão os motoristas que amargam até horas de espera pra chegar à balsa toda vez que a BR tranca, seja por acidentes ou movimento acima do normal. A NGI Sul afirma que o impacto ruim no trânsito no centro de Navegante é culpa da prefeitura, que não tem efetivo suficiente pra fazer a fiscalização. Além disso, a prefeitura não estaria atendendo aos pedidos do ferry pra fazer algumas ações, como melhorias na sinalização, desde a entrada da cidade até as ruas do centro que dão acesso à balsa. Um dos principais conflitos é dos espertinhos que tentam furar a fila. Contrato não prevê “fiscal de fila” O administrador da NGI Sul, Paulo Henrique Weidle, observa, ainda, que o contrato de concessão também não prevê que os empregados da empresa possam agir como “fiscal de fila” na rua. “Eu não consigo multar ou evitar brigas de trânsito, por exemplo. A empresa não tem poder de polícia nessas situações”, esclarece. A secretaria estadual de Infraestrutura e Mobilidade, que assumiu parte das atribuições do departamento Estadual de Transportes (Deter), extinto no governo Carlos Moisés (PSL), confirma que o contrato de concessão não prevê que a empresa fiscalize o trânsito. “Essa atribuição cabe aos órgãos competentes de cada município”, diz em nota. O órgão ressaltou estar ciente dos problemas de congestionamentos provocados pelas filas do ferry. Segundo a secretaria, o objeto da concessão, que é o serviço de travessia, está sendo cumprido pela empresa, sem haver necessidade de o Estado intervir. “A empresa já está se mobilizando juntamente à prefeitura para encontrar a melhor solução”, completou o governo estadual. Empresa sugere bolsão de espera ao lado da prefeitura Um grupo de trabalho sugerido pela NGI Sul e que contaria com a participação de representantes de vários órgãos, entre prefeitura, polícia Militar, Arteris Litoral Sul e secretaria de Segurança está sendo montado. O objetivo, segundo Paulo Henrique, é elaborar um plano em conjunto pra antever os problemas e atuar nos dias em que tiver tranqueira no trânsito, em especial na BR 101. Quando a rodovia para, as pessoas fazem o desvio por Navegantes e o problema nas filas aumenta. Ele informa também que a empresa tá pedindo pra usar uma área ao lado da prefeitura, onde funcionaria um bolsão de espera. O espaço poderia ser cedido ou alugado. O diretor da balsa diz que a área de cinco mil metros quadrados pode receber cerca de 200 carros, servindo pra tirar um quilômetro de fila nas ruas da cidade. “Eu resolvo o problema com isso”, acredita Paulo, que espera pelo aval da prefeitura. Outro projeto da empresa é abrir uma terceira rampa de acesso, colocando pra operar mais uma embarcação, que hoje tá parada. Com a medida, seriam cinco balsas fazendo o leva-e-traz de veículos, o que agilizaria a travessia. A empresa ainda tem uma sexta balsa de reserva. Paulo frisa que a empresa está aberta a sugestões dos usuários, que podem ser apresentadas pelo telefone (47) 3319- 3234. “O nosso interesse é que a população seja beneficiada”, completa. Ferry mudar de local poderia ser solução Para Johnny Coelho, secretário de Segurança de Navegantes, não se trata de passar a responsabilidade do trânsito para o ferry. “O que nós passamos é que eles têm que assumir a responsabilidade de, certa forma, organizar a fila, e a sinalização em alguns momentos, principalmente nos locais onde eles têm a concessão da União,” explica. Johnny diz que desde 2017 questiona qual área está cedida à empresa pela União, pra decidir sobre ações de sinalização, fiscalização e soluções contra as filas. Ele afirma que a empresa não respondeu mas, mesmo assim, a secretaria fez melhorias na sinalização no entorno da rua João Emílio, de acesso à balsa. De acordo com o secretário, a empresa tem a concessão de uma parte da praça no centro da cidade. Ele entende que, com base numa lei federal de 2016, que alterou o código de Trânsito Brasileiro (CTB), a empresa tem o dever de fazer a sinalização e cuidar da fila nas vias e nos estacionamentos que estão nessa área. “Nós temos que fazer cumprir a lei federal”, afirma. A legislação, no entanto, não fala em fila, só em quem tem o dever de sinalizar áreas privadas de uso coletivo. A empresa explicou que hoje dois funcionários já ficam na praça pra chamar os carros e organizar a entrada. Johnny confirma que a empresa fez o pedido pra construção da terceira rampa, mas adianta que é contra porque a medida vai ferrar mais ainda o trânsito da cidade. “O tempo de embarque vai demorar mais ainda. Em vez de quatro ferry-boats embarcando e desembarcando, serão seis [a empresa fala em cinco]”, analisa. Ele ainda aponta o risco de acidentes aquaviários com mais balsas circulando entre barcos de pesca e navios. O secretário sugere que, no lugar de nova rampa, a empresa coloque embarcações maiores pra fazer as travessias. “Ou eles melhoram o ferry-boat, aumentando o número de vagas e construindo ferry-boats novos, ou trocam de lugar”, indica Johnny. “Aqui no centro eles que fiquem somente com o embarque e desembarque de pedestres, ciclistas e motociclistas, e levem pra depois da área do porto, tipo ali no São Domingos, o embarque de carros”, sugere. Paulo Henrique afirmou que a mudança é inviável. “Não temos área lá, e a decisão e cessão de espaço aquático não está na possibilidade dele [secretário]”, rebateu. Município não pode delegar competência, explica especialista Na visão do especialista em Trânsito Carlos César Pereira, secretário-executivo do sindicato dos Motoristas de Itajaí, se a fila tá em via pública, a responsabilidade de controlar é do município. “Ninguém pode cuidar se não for agente de trânsito. O município não pode delegar poder a uma empresa privada”, frisa. Segundo César, até não haveria problema de os funcionários do ferry ajudarem na orientação do trânsito. “Mas o poder de polícia não é deles”, observa. Ações como mudar o sentido das vias, interditar ruas ou multar não poderiam ser feitas pelos empregados do ferry. “O máximo que eles podem é ficar chamando os carros”, explica. O especialista não vê uma solução fácil para o problema das filas, a não ser que as prefeituras pedissem pra tirar a balsa do lugar. Uma alternativa seria criar uma terceira pista só pro ferry, mas César entende que não há necessidade disso, levando em conta que o enrosco não é todo dia. “A solução é a fiscalização em cima”, completa. O que diz quem usa o transporte No meio das discussões, estão os motoristas que sofrem com problemas no trânsito e a falta de melhor organização das filas. E não só na temporada ou nos feriados. Morando há dois meses em Itajaí, o vendedor Valdir Sobolewski Júnior, 48 anos, relatou na sexta-feira que quase perdeu o caminho do ferry em Navega por falta de sinalização nas ruas de acesso. “Está muito mal sinalizado”, destacou. Sobre quem deveria fazer a organização, Valdir observa que até poderia ter um funcionário da empresa cuidando, mas avalia que a responsabilidade não é da empresa. “A parte da organização do trânsito tem que ser com a polícia Militar ou com os guardas municipais”, entende. Pro eletricista Renan Felipe, 26, que na sexta ficou pelo menos 20 minutos esperando na fila, o problema é na entrada pra balsa, onde o fluxo deveria ser mais rápido. “Mas concordo que tem que ter um agente de trânsito cuidando [da fila]. É bem raro vê-los por aqui. Já o funcionário da empresa tem que cuidar do fluxo”, indica. Pendenga judicial A concessão doferry boat está no meio de um rolo judicial que corre desde 2014, quando o ministério Público abriu uma ação civil apontando ilegalidade na autorização dada pra operação da empresa. A promotoria quer que o Estado faça uma nova licitação do serviço. A justiça de Navegantes chegou a dar liminar pra que o extinto Deter abrisse o processo licitatório. Pela decisão, até ser conhecido o vencedor da concorrência, a empresa atual deveria seguir tocando a balsa. O Deter recorreu no tribunal de Justiça, que aceitou o recurso e derrubou a liminar. Agora, o caso tá no superior Tribunal de Justiça (STJ) e no supremo Tribunal Federal (STF). Problemas pontuais, avalia a Codetran Itajaí também é afetada pelas filas do ferry. Nas últimas temporadas de verão, e quando há acidentes, a tripa de carros alcança o trecho da Beira Rio, perto do Centreventos. O principal enrosco é no entorno do Mercado Velho. Nas ocasiões, a Codetran chegou a reforçar a sinalização e demarcar a fila pra ninguém bloquear os cruzamentos e evitar os furões. No entanto, por diversas vezes o DIARINHO registrou queixas de falta de agentes da Codetran na rua. Eduardo Teodoro Teixeira, diretor de Fiscalização do órgão, avalia que as situações que acontecem em Itajaí são pontuais. “Não é diário, é esporadicamente. Mas é claro que, cada vez que acontece, atrapalha,” observa. Pra vereador, é com a empresa O vereador Cirino Adolfo Cabral Neto (MDB), presidente em exercício do legislativo de Navegantes, defende que a responsabilidade de cuidar das filas é da empresa. “É quem cobra do usuário, então a fila é dela”, entende. O parlamentar chegou a denunciar o problema ao ministério Público no ano passado e o caso ainda está sendo avaliado. Cirino rebate o argumento da empresa de que os funcionários não são agentes de trânsito e, que por isso, não serão respeitados pelos motoristas. Ele destaca que os empregados podem ser fiscais da fila, fazendo o balizamento, indicando rotas e controlando o fluxo pra evitar os fura-filas. Pro vereador, a prefeitura não pode arcar com essa tarefa. “O fato é que a organização é deles. O serviço público não pode parar por causa da fila de uma empresa privada”, completa. Ele ainda observa que o estado também tá faltando na fiscalização. “O próprio Deter é conivente e não cobra as medidas que a empresa deveria adotar”, diz.
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