Itajaí
Obras da bacia de evolução afetam pescadores artesanais
Barcos terão que ser fundeados em outro local e pescadores reclamam que dragagem está acabando com a pesca
Redação DIARINHO [editores@diarinho.com.br]








Francisco Manoel Patrício, o seu Chico, tem 78 anos e é o mais velho pescador na ativa da colônia do Pontal, hoje bairro São Pedro. Embarcou pela primeira vez aos oito anos de idade, ali naquela margem esquerda do rio, onde nasceu Navegantes. Ali teve, durante sua vida, 14 embarcações, criou a família e garante que tem mais de 200 sobrinhos na comunidade, todos nascidos e criados naquele pedaço de terra que se funde com o rio. “Um tempinho atrás eu podia dizer com orgulho que 100% da família era de pescador e vivia da pesca como sempre viveu. Agora, nos últimos tempos, não chega a 90%. Uma pena, uma tristeza”, se lamenta. A debandada, segundo ele, começou com as obras da bacia de evolução que permitirão que navios gigantes com até 366 metros de comprimento e 51 de largura atraquem no Complexo Portuário de Itajaí. “Eles estão nos jogando de um lado para o outro. E eu quero jogar a toalha”, disse. O problema é que os pescadores artesanais e seus barcos ficam no caminho das obras. Para que possam ser concluídas, os barcos de pesca artesanal não poderão mais ficar fundeados onde ficam, ao lado do molhe, o que afeta diretamente a vida e o sustento de pelo menos 30 famílias da região. José Renato Eleotério, 45, o Coroco, conta que há cerca de um ano, 16 pescadores foram obrigados a tirar seus barcos do píer onde atracaram por pelo menos 40 anos. “Eles precisaram derrubar o que tinha aqui e nos trouxeram para o molhe, ao lado da draga. Apesar da sujeira que ela faz, nesse local ainda tem profundidade suficiente pra gente chegar e sair com os barcos”, disse. Com a transferência de local e a derrubada dos ranchos que tinham na beira d´água, os 16 pescadores entraram na justiça e conseguiram obrigar o porto a construir um novo rancho próximo da nova atracação. “Mas agora querem que a gente vá para um local mais próximo do ferry boat, onde a água não chega a meio metro na maré baixa. Os navios passam e levam a água que depois volta batendo os barcos na areia. Muita gente aqui já parou de pescar depois que perdeu a batera com a repuxada ”, contou. A falta de profundidade do local também impede os barcos de saírem para a pesca do camarão por volta das três da madrugada. “Com a maré baixa fica impossível tirar um barco daqui”, garante. Além disso, o local fica a cerca de 500 metros do rancho da colônia, o que faria os pescadores carregarem os apetrechos a pé até o local. “É sempre a pesca artesanal que é a esmagada. Eles quebraram nossas pernas com isso”, reclamou. O pai de Coroco, Manuel Eleotério, ou seu Maneca, 69 anos, é um dos pescadores mais conhecidos da região. Depois da primeira mudança há um ano, agora passa os dias no rancho. “Ele só sai de lá quando cai a noitinha”, contou o filho. Seu Maneca, pescador desde que nasceu, sofreu um princípio de infarto no ano passado depois que teve seu barco retirado do local onde atracava há 40 anos e viu seu rancho ser destruído. “Isso não é dor pra ninguém, minha filha. Ninguém defende a gente, até nossos advogados que são da colônia deram as costas”, reclama. Seu Maneca disse que foi pego de surpresa mais uma vez com essa nova mudança. Segundo ele, os pescadores não foram avisados que teriam que sair do local para onde foram transferidos há um ano. “Nosso rancho é novo, está perto dos barcos e querem levar a gente pra um lugar que não tem rancho, não tem profundidade. Querem acabar com a pesca artesanal e com a nossa vida”, falou. Para pescadores, local é ruim Na semana passada, integrantes do porto, da prefeitura de Navegantes e Governo do Estado visitaram os pescadores do Pontal para apresentar o local onde serão transferidos com o andamento das obras da bacia de evolução. O novo espaço, entre o ferry boat e a prefeitura, os pescadores alegam não ser ideal por conta da pouca profundidade e da falta de ranchos para guardar os materiais pesca. “Nós aceitaríamos desde que fosse feita dragagem para que a profundidade seja suficiente para não quebrar os barcos e para sairmos mesmo em maré baixa. Os ranchos também têm que ser construídos aqui”, explicou Coroco. De qualquer maneira, os pescadores ainda ficam receosos que o espaço disponível não consiga abrigar os barcos de todos. “Precisamos de cerca de 100 metros de distância um do outro quando estamos fundeados. Não temos certeza se aqui será o suficiente”, disse. O porto informou que entre os estudos que estão sob análise consta a realização dos serviços de dragagem nesse ponto que é afastado das obras da Bacia de Evolução, mas que para isso, seria necessária uma licitação específica. Além disso, o porto levanta a possibilidade de que essa mudança seja definitiva para a atracação dos barcos. Quanto ao rancho coletivo dos pescadores, a administração portuária ainda informa que a estrutura poderá ser deslocada para outro local e que o atual ponto seria uma instalação provisória. “Temos um compromisso de compatibilização com as atividades do setor da pesca. Estamos em parceria com o Governo do Estado e prefeitura de Navegantes tentando encontrar uma melhor forma de acomodar todos os interesses de uma forma que fique bom para todos”, disse o superintendente do porto de Itajaí, Marcelo Werner Salles. Na visita da semana passada, o prefeito em exercício de Navegantes, Donizete José da Silva, afirmou que a prefeitura vai pedir tanto ao governo do estado quanto ao porto de Itajaí que sejam feitos os serviços de dragagem nas áreas que concentram a atividade pesqueira da colônia. “A bacia de evolução é importante para Itajaí e Navegantes, mas também queremos que os nossos pescadores artesanais tenham qualidade de vida”, disse. Obras devem ser concluídas até abril de 2018 As obras para a bacia de Evolução do Complexo Portuário de Itajaí começaram há cerca de um ano e têm a previsão de serem concluídas em abril de 2018. O investimento de R$ 105 milhões custeado pelo Estado permitirá que navios de até 366 metros de comprimento e 51 de largura atraquem no porto. O local onde hoje os pescadores estão com seus barcos é o ponto exato que será usado para o giro de manobra dos navios que contarão com 530 metros de diâmetro e 13 metros de profundidade para as manobras. Depois de realocado o molhe norte, o de Navegantes, o canal da barra ficará com 170 metros de largura. Menos peixe na rede A pesca de rede e a captura do camarão são do que vive a colônia de pescadores do Pontal. Para estar de pé no barco às três da manhã, os pescadores dormem com as galinhas, depois da luz do dia cair. “Num bom dia, um barco traz 100 quilos de camarão, num dia ruim traz 30”, conta Coroco. Desses quilos que vendem a restaurantes locais sustentam suas famílias e criam seus filhos. “Se isso acaba, fazemos o quê?”, questiona. Ele caminha pelas ruelas do Pontal apontando casa por casa. Conhece a vida de quase toda a comunidade e conta com tristeza nos dedos das mãos a quantidade de pescadores que desistiram da profissão e venderam seus barcos desde que as obras começaram. Seu Maneca explica o motivo. Há tempos a renda dos pescadores vem diminuindo. O lodo depositado pela draga próximo dali e a sujeira tem reduzido a quantidade de pescado diariamente. “É pedaço de pau, lata, muita sujeira que está acabando com a pesca. A draga suga e joga de volta, tudo vem parar aqui”, garante. Seu Chico confirma a redução da pesca e parece adivinhar a consequência de tanta mudança em seu ambiente. “Isso é uma calamidade para eles. Esse é o nosso emprego, nosso sustento. Nascemos aqui e vivemos daqui. Se isso acabar, acabou o emprego”, afirmou. ENTENDA A OBRA • Investimentos aproximados de R$ 105 milhões pelo Governo do Estado via secretaria de Estado da Infraestrutura (SIE); • Concluídas as obras, o Complexo Portuário de Itajaí poderá operar com navios de até 366 metros de comprimentos e 51 metros de boca (largura); • O giro de manobra dos navios precisa de 530 metros de diâmetro e profundidade de 13 metros; • O prazo para conclusão das obras é abril de 2018; • O volume estimado de pedras a ser removido é de 463.140,39 metros cúbicos; • A realocação do molhe de Navegantes possibilitará que o canal de acesso fique com a largura de 170 metros.