Dolor é um viajante. Começou cedo na estrada. Lá nos idos dos anos 1970, estimulado pelo movimento hippie, perambulava por aí vendendo artesanato ao lado da namorada Angela. O conservadorismo da época exigiu casamento, emprego fixo e salário no fim do mês. Entre 73 e 79 trabalhou em hotéis de Balneário Camboriú, Laguna e São Paulo. Foi nesse ínterim que a Angel surgiu. A esposa Angela usava recortes de malhas pra confeccionar roupas para os três filhos do casal. Admirado com a habilidade da mulher, Dolor, certa feita, apareceu em casa com uma máquina de costura, linhas de todas as cores, malha e botões. Saíam as primeiras peças da Angel. Em 1980, regressaram a Itajaí e, em 10/2/1984, fundaram a empresa, batizada com o apelido carinhoso que Dolor chamava a esposa. De Itajaí, Dolor saía carregado de malas abarrotadas de roupas em direção ao Rio de Janeiro, São Paulo e estados do Nordeste. A carta de clientes cresceu. O número de funcionários também. Hoje, a Angel conta com 250 empregados. A maioria, mulheres. A loja tem sete franquias e 1400 pontos de venda em todo país. Com todo esse império nas mãos, o empresário agora tem outras prioridades.Ele fundou um grupo de motociclistas que viaja pelo mundo em busca de aventura. Com a esposa, viajou pelas três Américas e planeja desbravar a Europa. Ah, mas antes disso, garante que na próxima eleição quer ser eleito prefeito de Itajaí. A entrevista foi concedida aos jornalistas João Pedro Machado, Raffael do Prado e ao repórter-fotográfico Minamar Junior.
Continua depois da publicidade
DIARINHO A Angel é uma franquia conhecida nacionalmente. Como foi o começo da marca?
Dolor Danúbio da Silva Fazíamos o produto para a pronta entrega. Fazíamos e depois íamos pra rua vender. Depois, vimos que esse processo tinha muitas limitações de espaço, de levar a mercadoria. Então, resolvemos fazer mostruários. Fizemos dois: um de verão e um de inverno. Quando estavam prontos, eu saía pra vender no Brasil. Então saía daqui e ia até Fortaleza. Parava no aeroporto e me perguntava: vou vender para quem? O sistema de comunicação era deficiente. Não tem as facilidades que temos hoje. Eu já ia conversando com as aeromoças, e perguntava se fosse pra comprar uma roupa de dormir pra dar de presente [A Angel ficou famosa, no início, pelos pijamas infantis]...Aí eu já me identificava. Tinha uma confecção de roupas. Aí, quebrava o gelo e elas me indicavam as lojas pra vender. Quando desembarcava, eu fazia as mesmas perguntas. Aí aglomeravam umas três ou quatro pessoas. Pegava um táxi e seguia pra fazer uma vistoria in loco das lojas. Era diferente. Eu saía com duas malas lotadas, às vezes até quatro. Era um trabalho danado. Eu levava umas peças de amostra na mão, entrava na loja, procurava o proprietário ou o gerente e dizia que eu era do Sul, que tinha uma confecção, produzo esses produtos aqui. Gostaria de fazer a venda aqui para vocês. Aquela história toda de vendedor. A preocupação sempre era que me deixassem abrir a mala. Se eu tivesse a chance de abrir a mala, a espada não voltava pra bainha sem sangue. Comecei a vender pelo Nordeste todo.Um cliente indica o outro. [Então, o primeiro mercado fora de Santa Catarina foi o Nordeste?] Foi o Rio de Janeiro, o primeiro mercado.[Mas como vocês chegaram ao Nordeste?] Olha, a nossa primeira cliente de pedido aqui em Santa Catarina chama-se Beti Bordados, que era uma loja super tradicional de Florianópolis, uma pessoa que nos ajudou bastante. Nós vimos a loja dela, uma graça, e nós pensamos: essa loja nos interessa. Falamos com ela, houve uma empatia logo no primeiro contato e a Beti adorou as coisas e era bem aquilo que ela vendia na loja. Foi nossa primeira cliente de pedido. Aí, perguntamos se ela poderia indicar alguém para nós.Ela indicou clientes dela. Ela também fazia alguns produtos, não o que a gente fazia, mas coisas de bordados lá da ilha, produtos lindos e de bom gosto. Ela já tinha uma clientela.E ela me deu esse portfólio. Não só deu o endereço como ligou e disse que tava comigo, que eu fazia um negócio bacana e tal. E eu fui atrás dessas indicações e tivemos um sucesso grande.
Continua depois da publicidade
DIARINHO Quantas lojas vocês administram além da indústria?
Dolor São sete franquias e mais 1400 pontos de venda espalhados por todo o Brasil.
DIARINHO Seus filhos trabalham na administração da empresa?
Dolor Todos.Eles começaram a trabalhar quando tinham 13 anos.[Como é a relação entre vocês na parte administrativa? Há muitos conflitos?]. Olha, a gente sabe que existem problemas no relacionamento familiar de sucessão. Os noticiários do dia-a-dia nos alimentam com esse tipo de informação. Mas nós temos um relacionamento não só familiar... Aliás, a gente não consegue ter as duas coisas distintas. Não consegue ter um relacionamento familiar bom e um relacionamento profissional ruim. E vice-versa. As coisas, naturalmente, se confundem. Como é que uma pessoa pode ter um relacionamento com os filhos perfeito, aí na empresa se pegam de pau? Isso não vem pra dentro de casa? Eu não consigo entender isso. Então nós sempre tivemos um relacionamento familiar. Houve uma dedicação, tanto minha quanto da minha mulher e dos nossos filhos. Isso sem nenhuma cobrança de resultado, que tem assim, que tem melhor. E nós envolvemos os nossos filhos nos nossos negócios.Porque eles já nasceram aqui dentro da fábrica, dormindo em rolos de malha. E a convivência, no dia-a-dia, isso contaminou nossos filhos positivamente. Primeiro, porque, é uma coisa agradável, trabalhávamos nós dois, minha mulher e eu, e alguns funcionários. Nós gostávamos do que nós fazíamos. É diferente de nós estarmos transferindo para nossos filhos algumas frustrações, decepções, conflitos que nós tenhamos no nosso negócio, dizendo que é um inferno trabalhar, que esse negócio é uma porcaria, que os empregados são isso, porque o cliente é aquilo, porque o fornecedor é isso e tal. E daqui a pouco, tu crias uma situação de inferno e daí tu chamas teu filho para trabalhar. Mas ele não vai querer. Ele vai dizer que não quer ir para o inferno. Então eles sempre tiveram uma visão positiva do nosso trabalho. Porque sempre foi positivo. Problemas têm? Mas é lógico que sim. Mas problemas são feitos pra terem solução. E eles começaram com funções dentro da nossa empresa com 13 anos. E nós sempre privilegiamos o trabalho, o estudo. Aliás, os dois podem caminhar perfeitamente juntos, de mãos dadas. Sem problema nenhum. Quando eu digo que privilegiamos o trabalho em relação ao estudo, é porque quando vêm aqueles questionamentos das crianças e dos adolescentes, é normal. Ah, pai, mas eu tenho prova amanhã e não posso trabalhar. Negativo. O que tem a ver a prova com o trabalho? Eu dizia que tu não vais estudar o dia inteiro, a tarde toda, a noite toda. Se tu estudares uma hora, tá perfeito. A tua prova amanhã tá ótima. Vai pro trabalho. Se vocês um dia resolverem montar um negócio e levarem os filhos de vocês ao trabalho, até porque as crianças chegam a uma idade, oito, nove, 10 anos e querem muito trabalhar. Aí o pai resolve dar o trabalho e leva o filho para empresa. A criança tá com todo aquele gás, com toda aquela empolgação. Aí, o pai pega uma bloquinho de nota, pois não sabe o que vai fazer pelo filho e diz pro filho carimbar o bloquinho inteiro.Em cinco minutos tá pronto e o filho pergunta o que vai fazer. E o pai manda o filho carimbar o outro lado.Você matou teu filho. Criança não é boba. Criança sabe o que quer. Ela pode não ter a noção exata do que tem que ser feito, mas ela tem a noção exata de que ela tá sendo mal usada. Tá sendo feito um desperdício daquilo que ela tá fazendo, ao que ela se propõe a fazer. Jamais vire o bloquinho para carimbar no verso. Dê ocupação. Determine que ela terá uma hora por semana para coletar todos os papéis da sala e levá-los para a contabilidade, ou fazer a alimentação de folha na copiadora, ver se tem água nos bebedores, se tem papel higiênicos nos banheiros, arquivar todos os documentos do dia, perfurar tudo. Dê função para que ela termine o expediente com a sensação do dever cumprido. Teve começo, meio e fim. Ela criou uma expectativa. Nossos filhos sempre tiveram ocupação. Nunca foi dado o verso do bloco para eles carimbarem.
Continua depois da publicidade
DIARINHO Dolor, a empresa investe mais em marketing nos veículos nacionais. A Angel vende mais em Santa Catarina ou em outros estados?
Dolor Nós vendemos mais fora do estado. Nosso mercado, 80% dele, está no Sul e Sudeste. E o estado que nós temos o maior número de vendas é São Paulo, incluindo a cidade de São Paulo.[A que se deve essa demanda?] Primeiro, pelo próprio foco da empresa, que sempre teve uma visão mais regionalista. Até pela possibilidade de poder interagir com a clientela. Nós temos serviços de supervisão de lojas, nós oferecemos treinamento para os nossos clientes.Especialmente nas nossas franquias. Então, como nós temos uma administração mais regionalizada, então isso se torna um pouco mais fácil.
DIARINHO - Por que a Angel abandonou a linha infantil, que era o foco inicial?
Dolor Nós começamos com a linha infantil. Eu não sei se porque tivemos a influência dos nossos filhos, que começaram a crescer, e nós fomos acompanhando a roupa deles. Essa é uma decisão de mercado. Nós tivemos que escolher, porque, até então, chegou época em que nós fazíamos masculino, feminino, roupa de cama, roupa de banho, roupa íntima, e chega um momento em que tem de fazer uma opção, em um determinado estágio da empresa. Ou tu abraças tudo isso de uma forma eficiente, com mercado, cada segmento desses atuando especificamente naquele mercado, ou você faz uma opção por uma. Essa foi uma opção de vida nossa, do tempo da nossa empresa, de uma forma que a gente possa administrá-la, vamos dizer assim, visualmente. Estamos todos juntos trabalhando, e fizemos a opção pelo feminino. Só fazemos roupa feminina, voltada para o público jovem, independente da idade.
Continua depois da publicidade
DIARINHO Como surgiu a ideia da planta na China?
Dolor O mundo caminha para a China. Então, nós, aqui, não poderíamos ficar ausentes e darmos as costas para este mercado. Então fazemos todo o desenvolvimento e a criação aqui e a produção na China. Temos recebido produtos com altíssima qualidade e com as características nossas. Então, assim, nós fabricamos a roupa aqui dentro, mas estampamos fora. Nós costuramos algumas peças também em outras cidades, e ninguém fala: Ó, essa calça jeans nós fazemos lá em Rio do Sul. Essa calça que a senhora vai comprar nós fazemos em São Paulo.Essa blusa nós fazemos em Joinville. Ninguém fala isso. Mas, de qualquer maneira, de uma forma ou de outra, se estigmatiza.Ó, isso aqui é feito na China. O meu Ipod é feito na China. O Iphone é feito na China. A Sony é feita na China. O mundo é feito na China. Então, em qualquer lugar que seja, não importa se na China, Nova Trento, Brusque, São Paulo, Quixeramobim/CE, não importa. Nós vamos pagar pelo produto que nós queremos. Então, nós fizemos a opção do mercado chinês, e eles fazem o produto que nós queremos. Altíssima qualidade, numa relação custo-benefício que nós podemos repassar para o nosso cliente, e nós podemos dar giro.Temos condições de dar giro nesse produto.
Continua depois da publicidade
DIARINHO A mão-de-obra chinesa é barata, além do país ser pouco restritivo quanto à legislação trabalhista e ambiental. Há perigo de a indústria brasileira falir com essa migração das indústrias para a China? O nosso futuro não será de desemprego?
Dolor Eu diria que o nosso país é hipócrita. Vamos botar o dedo na ferida? Aqui eu faço de conta que mando e o outro faz de conta que obedece. Estamos cansados de ver as leis que engessam quem tem endereço. Nós temos uma legislação trabalhista que já passou. Aliás, ela não deveria ter nascido. Por que não nos espelhamos nas relações de trabalho dos americanos? Eles estão errados lá? Eles são a primeira economia do mundo. Não importa que a China vá passar em termos de produto interno. Mas em renda per capita, a China, tudo o que eles produzem, é dividido por um bilhão e meio. Isso vai dar uma merreca de renda per capita. Então, continua sendo a América do Norte, pra mim, o grande referencial. Nós não podemos ter relações de trabalho paternalistas como temos aqui. Uma legislação antiga, jurássica. Se nós não mudarmos esse pensamento, acho que num espaço de tempo relativamente curto, vamos ter problemas, sim. Não é por causa da China, não, o problema está conosco, dentro do nosso país.
DIARINHO O senhor já recebeu oferta de grandes malharias? Pensa em vender a Angel?
Dolor Nós já fomos sondados algumas vezes e somos comerciantes. Não temos nenhuma placa de vende-se, mas somos comerciantes. Aqui não tem nada fechado. Nós não só vendemos como podemos comprar. Então, somos comerciantes. De vez em quando a gente é namorado porque temos uma marca. Eu costumo dizer que gostaria que nossa marca tivesse 10%, 1% do peso que tem o nome Angel. Eu gostaria imensamente, porque é um nome fácil. A marca que usamos tem um nome muito fácil. Onde tu fores, em qualquer lugar do planeta. Tu estás lá na China, como minha filha por vezes está lá, e ela vê na rua alguém vestindo uma camiseta Angel, a publicidade é Angel. Claro, não é a nossa, mas é o nome Angel. Então gostaria que a nossa marca tivesse 1% do peso do nome que nós tomamos emprestado como marca. É um nome fácil.As pessoas gostam.Invoca essa coisa toda de anjos. Tem uma mística, e nós, sempre, como seres humanos, não nos afastamos dela.
DIARINHO Há boatos nos meios políticos dizendo que o senhor pensa em sair candidato a prefeito de Itajaí. Isso é verdade?
Dolor Sou candidato. Já lancei minha candidatura a prefeito de Itajaí. Acho que nós precisamos mudar, nos mexer. Tem que mexer. Então, sou candidato a prefeito de Itajaí no ano que vem.[Por qual sigla?] Não tenho partido, até porque é um assunto que ainda tem alguns meses, algumas semanas. [Mas está conversando com algumas siglas? Há algo em vista?] Já fui sondado para poder me filiar. Tem uma emenda do senador Itamar Franco que libera as candidaturas de sigla. Nós poderíamos ter candidatos avulsos, como existe nos Estados Unidos e alguns países da Europa, que eu acho certo. Por que eu tenho de me filiar a um partido? Principalmente em nosso país. Onde está a ideologia partidária em nosso país? Não tem. Se for uma candidatura avulsa, para mim, melhor ainda. Fico sem ligação, sem comprometimento.
DIARINHO O que o lança à candidatura? O senhor tem algum projeto para Itajaí?
Dolor Eu acho que já está na hora de os cidadãos começarem a se movimentar. Já está passando da hora. Nós não podemos mais ficar à margem do que está acontecendo. As coisas em nosso país não caminham bem. Por mais que a gente tenha o ingresso de tantos por cento que entram na classe B, mais tantos por cento subiram da D para a C, e assim vai, quando olhamos em volta, ficamos enclausurados em nossas casas. Você não pode deixar o carro lá embaixo por dois minutos pra vir aqui porque esqueceu alguma coisa, porque vão levar o que tem lá dentro. Não pode deixar uma máquina, uma lapiseira dentro do carro, tem de botar no porta-malas, mesmo assim não pode deixar as pessoas verem. Eu volto na questão que é muita hipocrisia no nosso país, é muita educação, educação, educação, mas onde está a educação? Nas escolas? Que escolas? Aqui é uma escola [Nilton Kucker, que fica ao lado da indústria]. E vamos visitar as outras escolas. Se nós não damos um ambiente adequado às nossas crianças. Eu até volto naquele chavão: Um país que não cuida de suas crianças é um país que não tem futuro. Sabe por quê? Criança é futuro, isso não pode ser um chavão. Isso é uma realidade. Nós somos o futuro. Nós, aqui, os adultos, somos a realização de futuro que foi dito nas nossas idades de crianças. Não vamos nos enganar dentro do mundinho que nós vivemos, porque existe uma periferia em que a realidade é outra. Eu vejo aqui com os nossos funcionários. Deixam as crianças onde? É uma dificuldade conseguir uma creche. Moram no São Vicente e têm que deixar uma criança lá na Fazenda. Moram na Fazenda e têm que deixar uma criança no São João. Quando não, têm que estar pedinchando, como se fosse um favor político a creche pro filho, que é um direito, um exercício da cidadania. Parece que estamos gastando dinheiro com bobagens sem tamanho, quando as coisas são mais simples, o que nós precisamos são de coisas mais simples, palpáveis, e não são caras. O que o cidadão precisa não é caro. Tu só precisas que seja vista a dignidade que ele precisa ter revestida. De que maneira? Com educação, uma creche de boa qualidade, para que o pai e a mãe possam trabalhar, com uma escola em período integral. Nós não podemos trabalhar com escolas no período entre as 7h30 até às 11h30. Quando é que os pais vão trabalhar? Como é que ficam esses pais, depois, na parte da tarde? Quem vai cuidar? O traficante? Essa revista Veja da semana passada [Edição 2222] é um alerta para essa história toda do crack. Nós não podemos ficar reféns de droga, de dependência. Isso é dependência química, é coisa séria. Como é que os pais deixam as crianças em casa e vão para o trabalho, com que cabeça? Ah, o brasileiro, a capacidade de produção é pequena. Eu acho até que é enorme, porque ele está trabalhando com apenas 10% da cabeça. Noventa por cento tá em casa.Como é que tá o filho? Será que ele tá em casa? Onde é que tá a tia? Será que a avó tá conseguindo cuidar? E a creche? Não teve aula hoje, ou sai às 17h. Ou sai às 16h, ou tem feriado. Ou tem greve. Então, essa pessoa produz pouco? Eu acho que não. Acho que produz muito, porque ela não está inteira, não está 100% com a cabeça em cima do seu trabalho. Acho que a questão passa por uma mobilização do cidadão. Sou candidato a prefeito, mais como desafio. [Qual o principal problema que Itajaí enfrenta, em sua opinião?] Itajaí, Brusque, Ilhota, São Paulo, Quixeramobim/CE, seja onde for, educação. Educação. As verdadeiras revoluções foram feitas através da educação. Não pode ficar na retórica. Temos que olhar o que foi feito no Japão, o que foi feito na Coreia, temos que olhar o que está sendo feito na China. Não podemos pensar que na China é o trabalho operário, o trabalho escravo. Eles estão se organizando com universidades, com escolas de qualidade, mas isso é uma geração, e uma geração é 25 anos. Para um cidadão, um terço, 25 anos, é uma geração, e um terço da expectativa de vida, até mais. A gente tem uma expectativa de vida aqui no Brasil de 72 anos. Com 25 anos já passou de um terço da expectativa de vida.Mas, para um país, isso não é nada. Para a história e para a humanidade, isso não é nem uma areia dentro do oceano. Mas tem de ser feito isso. O processo tem que ser pela educação. Eu diria assim: para tudo, e vamos trabalhar em cima da educação. Eu sei que vamos passar por um momento de dificuldade, mas vamos ter uma geração que vai sair conscientizada, respeitando o seu próximo, o seu país, a sua pátria. Porque, senão, é ninho de anu. O anu não aproveita o ninho da estação passada, constrói um em cima, e vai construindo um em cima do outro. É o que a gente chama de ninho de anu. É o que nós estamos fazendo.
DIARINHO O senhor montou o Fazedores de Chuva, um grupo que viaja em busca de aventuras. Quando surgiu a ideia da criação do grupo?
Dolor Essa ideia surgiu em 2003 quando fizemos nossa primeira viagem aos extremos da Terra pelo lado americano, que é a maior distância que pode ser percorrida por terra entre dois pontos. Entre Ushuaia, que fica na Terra do Fogo, na Argentina, e o norte do Alasca, num lugar chamado Prudhoe Bay, que é o lugar mais ao norte no Alasca, onde se pode ir rodando por estrada. Então, quando fizemos essa viagem [Dolor foi com a esposa Angela], levamos nove meses para fazer o roteiro, chegamos em casa em novembro de 2003; havíamos saído em fevereiro. Estávamos conversando em casa e soubemos que havia uma pessoa no Panamá, que estava fazendo a mesma viagem.Depois, ficamos sabendo de um outro, que estava fazendo uma viagem ao Recife, e havia um outro em São Paulo que já havia feito. Estávamos em casa, era final de novembro. Nós poderíamos fazer um encontro aqui em casa com as pessoas que fizeram essa viagem aos extremos da terra. Porque, como falei no início da entrevista, nós temos tudo, praticamente, batizado. Então, tínhamos de dar um nome. Surgiu, do nada, a ideia dos Fazedores de Chuva, uma alegoria à dificuldade que era, a brincadeira da dança da chuva dos índios, e tal, então, como é um negócio impossível de ser feito, não estou dizendo que seja, várias pessoas já fizeram, mas ela não é só a distância em si, porque, quando a gente se propõe a fazer uma viagem desta envergadura, isso traz modificações na vida da gente, no comportamento, pois nós não estamos falando de uma viagem de um fim de semana, de uma semana ou de um mês, estamos falando de uma viagem de meses. A pessoa tem de se organizar profissionalmente. Tem de estar com espírito para poder enfrentar uma série de novidades que irá encontrar no meio do caminho. Então, nós batizamos o grupo com o nome de Fazedores de Chuva. E começamos a contatar as pessoas que fizeram essa viagem. Identificamos oito. E, pelo telefone, me apresentei.Já tinha uma empatia e uma sinergia muito grande. O convite foi feito e foi aceito, e no dia 29 de dezembro de 2003 tínhamos oito fazedores de chuva, os oito identificados, celebrando a viagem que nós havíamos feito. [Para participar do grupo, tem que ter feito a viagem?] É assim. Se nós formos deixar o grupo muito fechado, aceitando somente os que fizeram a viagem, vamos ficar com um grupo muito restrito. Hoje, são 17 pessoas. O que se pensou: fazedor de chuva é toda pessoa que tem um espírito de aventura, especialmente com motocicleta. O que é que nos fizemos: todo mundo é bem-vindo ao grupo Fazedores de Chuva, e quem fez essa viagem aos extremos da Terra, entre o Ushuaia e Prudhoe Bay, passa a ser um grande cacique fazedor de chuva. E o nosso sétimo encontro internacional será em Guanajuato, no México. O ano passado foi em Lima, no Peru. O próximo será de 17 a 20 de novembro.
DIARINHO O senhor e sua esposa já conheceram quase todos os países das Américas. Pensam em explorar outros continentes também?
Dolor Nós fomos em 2003 para os Estados Unidos, voltamos no final, e em 2004 nós resolvemos estudar inglês por lá. Então, como nós não tínhamos muito tempo, transportamos nossa moto para Los Angeles. E nós alugamos uma casa num lugar chamado Riverside, e ficamos lá por dois anos estudando e viajando. E depois ficamos mais um ano só rodando. Então, nos Estados Unidos, dos 50 estados, nós estivemos em 49. E fizemos amizades por lá e nos enroscamos e ficamos cada vez mais.Passávamos seis meses, sete meses, e voltávamos, e agora é tempo de irmos para a Europa. Nós devemos ir para a Europa no mês de agosto e vamos alugar uma pequena casa na Provence [região turística da França, banhada pelo mar Mediterrâneo, próxima à cidade de Nice, outro ponto muito visitado por turistas]. Devemos ficar por lá. E vamos ficar rodando, porque tem que ter uma base. E a cada período, de três a quatro meses, a gente volta aqui pra casa, para poder ficar com a família, os amigos, e também os filhos vão pra lá.
DIARINHO Nessas viagens que o senhor fez aproveitou para trazer alguma tendência de moda para a Angel, ou foi com a mente livre do tema trabalho?
Dolor É sempre muito difícil a gente descansar sem carregar um pouco de pedra, porque a cabeça da gente, de qualquer maneira, sempre está no nosso negócio, e sempre que nós vemos alguma coisa que seja interessante, uma ideia, uma sugestão, um tema, nós alimentamos aqui o nosso pessoal para que pensem. Dizemos: Nós vimos isso, achamos essa ideia interessante, essa sugestão, se achar que devem aproveitar. [Tem alguma peça que foi produzida a partir disso?] Nós já fizemos coleções baseadas em algumas informações dessa natureza, principalmente Maia, Inca [civilizações que habitaram a América pré-colombiana]. Fizemos algumas peças com essa conotação, com esse multicolorido que a gente encontra aqui na América Central, no México, que é muito rico nessa parte de cores.
DIARINHO Essa vida de viagens muda muita coisa na vida do casal? Qual foi a principal mudança sentida?
Dolor Eu acho que muda, porque, depois que a gente passa por uma jornada de educação dos filhos... Nós sempre tivemos aqui em casa uma afirmativa: nossos filhos, quando completassem 23 anos, deveriam se mudar. Tocar suas vidas. Depois me questionaram: Por que aos 23?. Eu disse que porque 21 era maior idade, a gente dá mais 10% de chance. Eles não podem dizer que não foram avisados, né? Mas os meus filhos acabaram casando cedo, com 21 anos. Eu casei com 20 anos, talvez por isso tenham acabado casando mais cedo. Quando a gente tem filhos, eu também não conheço nenhum pai, quando digo pai, pai e mãe, não existe pai que não tenha se dedicado. Então não tem essa de que um se dedica mais do que o outro. Não tem pai e mãe que não goste do filho, que não queira o melhor. Então nós não queremos nada mais para os nossos do que os amigos não querem para os filhos dele. Isso é óbvio. Mas pensamos que essa jornada de educação é uma coisa cansativa. Tem de ter um ponto. Dizer assim: Tá pronto. Tá formado, está informado. Ele tem que seguir a vida dele.Vocês não seguiram a vida de vocês? Eu segui a minha vida. Por que os meus filhos não podem seguir, por que os filhos de vocês não podem seguir? Por que eles têm de ficar debaixo da asa? Vocês morreram? Nós morremos, aqui? Não. Nós seguimos, estamos na luta, essa é que é a grande realidade. Então é assim, eles vão completar os 23 anos e nós vamos sumir. Vamos voltar o casal um para o outro. Nunca nos afastamos, mas vamos voltar um para o outro sem os filhos, sem aquele comprometimento e compromisso de se estar em função dos filhos. E foi isso que nós fizemos. E optamos pela moto porque nos dava prazer, nós gostávamos, sempre tivemos moto, muitos anos, apesar de que não andávamos, porque os projetos eram sempre familiares, e a moto é uma coisa solitária, no máximo duas pessoas. Então em 1999 nós compramos a moto [uma honda Valkyrie 1500 cilindradas]. E quando chegou em 2003, já estávamos mais do que prontos para sair para um grande tiro, porque, de 1999 a 2003, ficamos até o final de 2002 dando tiros pela América do Sul, pelo Brasil. E é uma cachaça, né? É uma química incrível essa coisa de moto. Quanto mais tu andas, mais queres andar. Então, a gente tem que se policiar: Ah, vamos parar ali para olhar. Aqui em Itajaí tem a praia de Cabeçudas, que é muito bacana. Vamos dar uma olhada no morro da Cruz. Vamos lá na Atalia. Porque, senão, a gente diz: Ah, depois a gente vê. Vamos embora.Tu queres andar, andar. O grande barato disso aí é o casal maduro estar junto.
DIARINHO O senhor já pensou em escrever um livro contando todas essas histórias?
Dolor Eu tenho um livro. Está escrito, só não está publicado porque faltou o bonitão dar uma última lida para conferir uma vírgula, uma acentuação ou outra, e desde essa última lida faz seis anos que o livro está pronto na minha mesa de cabeceira. [Mas de seis anos para cá tem coisa para atualizar, né?] Nós contamos nesse livro a viagem que fizemos em 2003. Só que ficou um pouco diferente do que nós temos em nosso site, no www.ventocomsonho.com.br. No Vento com Sonho a gente conta a história da viagem. Fizemos uma coisa um pouco diferente daquele relato, ah, daí saí de casa, peguei um montão de areia, trovoada, nossa, que problema. Daí aparece um buraco na estrada. E um bicho aparece na frente. Uh, quase caí! Nós não saímos de casa para vermos problemas.[O ideal é aprofundar as histórias, né? ]. Saíamos de casa assim: deixa a cabeça dentro do capacete. A cabeça fica presa, mas o pensamento voa. Então o pensamento vai, vem, xereta, vai na casa do filho, do amigo, vai naquela cidade, vai naquele livro que tu leu, vai naquele lugar que tu visitou, volta para dentro do capacete. Então, esse livro, esse relato que está no site, conta passagens da vida, na realidade, usando os lugares por onde estávamos passando. Estamos chegando em Houston, no Texas. De repente, eu olhei e disse: Poxa, estou dentro do centro Espacial de Houston, de onde a Apollo 11 foi para a Lua, o homem pousou na Lua, e me lembrei de um relato aqui de um acontecimento que ocorreu conosco naquele dia de julho. Estávamos em casa vendo a chegada do homem à Lua, com um chuvisco na televisão, e aí me lembro de meus avós, meus pais. Então, tudo aquilo transforma o relato da viagem. Houston. A gente tava porque sinalizamos que estávamos em Houston, mas a história que foi contada se passou em Itajaí, na Vila Operária. Então, foi interessante, as pessoas gostaram.[Quem escreveu o livro?] Fui eu. Os relatos foram escritos por mim, daí foram lidos e relidos.
DIARINHO Tem algum sonho que ainda pretende realizar?
Dolor Não trabalhar. Isso para mim é o máximo, entendeu?[Já tem data marcada pra realizar esse sonho?] Olha, se eu não for prefeito de Itajaí, sabe, a minha data já tá passando. Eu acho horrível trabalhar, por mais antagônico que seja, o cara quer ser candidato a prefeito, mas não quer trabalhar, mas, na realidade, eu acho que a vida seria mais fácil se não tivesse ingredientes que atrapalham: soberba, falta de humildade, e por aí afora, que atrapalham a nossa vida. Que a torna complexa. Aliás, a gente não precisa nem ver esse tipo de sentimento. O tom de voz já modifica o relacionamento. Ah, você mandou eu calar a boca. Não, eu não mandei tu calares a boca. O pau já pega. Um casal brigou por quê? Os amigos brigaram por quê? Nada. Esse é o meu grande desafio: descansar. Andar, rodar. E a moto, se tu viajasses de carro, ia continuar um ilustre desconhecido, onde quer que tu estejas. Isso é fato. Passa um carro aqui do Chile, da Bolívia, da Argentina, como nós, às vezes estamos tão acostumados a ver, a gente não dá bola. Até olha, ah, um carro argentino, mas não é pelo mérito da questão. Mas quando tu vês uma moto da Argentina, do Chile, de onde quer que seja, ou mesmo do nosso país, mas fora, lá do Nordeste, ah, o cara veio de Recife, de Belém. Poxa, já quer saber quem é, porque a moto é um grande ponto de convergência. Eu também costumo dizer assim: a moto divide a humanidade em dois grandes blocos. Metade não subiria numa moto de jeito nenhum. E a outra metade que diz: Puxa, isso é exatamente o que eu queria fazer. De certa forma, seja cultural ou por informações que estamos recebendo de filmes, de mitos e de literatura, a moto encerra com ela toda essa coisa da leitura, até não coloco a rebeldia, mas o espírito da aventura, até porque quando a gente sente o vento batendo no rosto, a sensação de liberdade é diferente de quando tu sentes o ar-condicionado dentro do carro. Tu só poder levar calça jeans, um tênis; tu tá viajando com a tua mulher, cada um leva uma calça, uma meia dúzia de camisetas, e não tem mais espaço. Felizmente, o mundo todo não anda de moto, porque, senão, o que seria da nossa fábrica de roupas?
RAIO-X
Nome: Dolor Danúbio da Silva
Naturalidade: Itajaí /SC
Idade: 58 anos
Estado civil: casado, pai de três filhos
Formação: 2º grau completo
Trajetória profissional: O primeiro trabalho foi como cobrador do bondindinho, em Balneário Camboriú. Depois, atuou como professor em uma escola municipal de Itajaí. Foi recepcionista do hotel Marambaia, em Balneário Camboriú, e exerceu a mesma função em Laguna, São Paulo e Curitiba. Na década de 1980, fundou a Angel, que hoje produz, vende e revende roupas exclusivamente femininas.
Somente usuários cadastrados podem postar comentários.