Um dia antes do delegado Germano Miranda, da polícia Federal de Florianópolis, anunciar o indiciamento do ex-governador Leonel Pavan (PSDB) no caso das licenças fraudulentas emitidas pela Fatma de Itajaí, o DIARINHO entrevistou o representante do Ministério Público Federal, Pedro Nicolau Moura Sacco, responsável pelo início das investigações. O procurador também terá que decidir se há elementos suficientes para denunciar os envolvidos pelas licenças ambientais fraudulentas, o que pode resultar na condenação deles na dona justa.
DIARINHO - No que consiste a investigação sobre a Fatma?
Procurador Pedro: A investigação relativa às irregularidades na coordenadoria de Licenciamento e Desenvolvimento Ambiental (Codam) de Itajaí trata de fatos que são amplamente conhecidos: o problema da corrupção nos licenciamentos ambientais da Fatma de Itajaí. Um fato tradicional aqui. [Conhecidos por quem, procurador?] Creio que praticamente por todas as pessoas da nossa região. Inclusive quem mora aqui antes de mim sabe da questão das propinas para a liberação de empreendimentos da Fatma Itajaí. É um fato amplamente comentado pelas pessoas e não se trata meramente de boatos. [A investigação demonstra que existe esse pagamento de propina; um tipo de balcão de negócios na Fatma?] Sim. Já houve eventos isolados de pessoas que foram apanhadas recebendo propinas, só que isso não se trata de eventos isolados. A Fatma de Itajaí existe como balcão de negócios. Isso desde que foi criada, em 2005. É importante advertir que isso não quer dizer que todos os servidores da Fatma de Itajaí, fiscais, sejam corruptos. Mas aquele órgão existe como balcão de negócios, ainda que neste exato momento as irregularidades não estejam seguindo pelo caminho de Itajaí. Neste momento, os ilícitos, os crimes de licenças ambientais, percorrem outros caminhos para a liberação de empreendimentos na região.
DIARINHO Quando começou a investigação contra a Fatma?
Procurador Pedro: Essa investigação começou em meados do ano passado, mas na verdade nós sempre atentávamos para as licenças ambientais concedidas pela Fatma, que são licenças evidentemente incoerentes. Quando você pega uma licença da Fatma, você vê, por exemplo, que o licenciamento é totalmente incompatível com as condições. Ou seja, se libera um edifício sobre restingas, sobre dunas, com a condição de que não se construa sobre área de preservação permanente (APP). A própria condição já exclui aquele licenciamento. [Mesmo assim a licença é concedida] Sim. São licenças obviamente nulas, sem nenhuma consistência, ainda assim elas têm validades. [Em que etapa está a investigação?] A investigação está a cargo da delegacia de Crimes Ambientais de Florianópolis, ligada diretamente à superintendência da polícia Federal. Terias que obter uma resposta da polícia Federal de lá. [Qual o resultado das buscas feitas pela PF na Fatma e na casa do ex-coordenador da Fatma de Itajaí, Gabriel Santos de Souza?] Não irei me pronunciar sobre isso.
DIARINHO O senhor poderia citar algum dos empreendimentos que estão sendo investigados?
Procurador Pedro: Há construções de empreendimentos imobiliários, edifícios sobre dunas, sobre restingas, isso é algo muito comum na região. Licenciamentos totalmente irregulares. Há a questão das indústrias pesqueiras, por exemplo, que têm um licenciamento muito viciado na região. [Viciado em qual sentido?] Viciado nas estações de tratamentos de efluentes, que deveriam haver nesse tipo de empreendimento. Ou seja, há casos pontuais que são objetos da nossa atenção. Porém, o importante é ressaltar que há um contexto geral de fraude nos licenciamentos. [Isso na maioria das licenças dadas pela Fatma de Itajaí?] Eu diria que no passado recente sim, a maioria das licenças. Atualmente, isso está um pouco em suspenso, mas, até o passado, sem dúvida nenhuma, isso era normal. A maior parte das licenças era obtida por meios fraudulentos.
DIARINHO Quais são as cidades que têm empreendimentos que estão sendo investigados?
Procurador Pedro: Praticamente todas as cidades cobertas pela coordenadoria de Itajaí. Digamos, Balneário Camboriú, Itajaí, Bombinhas, Porto Belo, Piçarras. [O que acontecerá com esses empreendimentos?] É extremamente difícil, hoje em dia, no Brasil, comprovar a corrupção, principalmente a do corruptor, do empreendedor. As propinas são dadas apenas pessoalmente. A estipulação de valores ocorre também apenas pessoalmente, ou de maneira muito cifrada em diálogos telefônicos. É muito improvável, no Brasil de hoje, punir corruptores. Isso é algo que vai contra, não só à legislação, como também a todas decisões mais recorrentes do judiciário brasileiro. É praticamente impossível punir corruptores. [Demolir um prédio construído com base numa licença fraudulenta não deve acontecer nesta operação?] Creio que não.
DIARINHO Quem são os investigados? De que forma eles agiam dentro da Fatma ou de outras repartições públicas?
Procurador Pedro: Há um leque muito grande de investigados porque nós não lidamos com atitudes individuais, com situações individuais. Nós lidamos com uma rede criminosa, com uma máfia! Inclusive, que não atua apenas em licenças ambientais fraudulentas, atua na corrupção em geral. Então, certamente há muitas pessoas envolvidas das quais, digamos assim, uma minoria vai se chegar a provas conclusivas. Claro que desponta nesse meio todo o ex-gerente da Fatma de Itajaí, o Gabriel Santos de Souza, que deixou oficialmente a Fatma no começo deste ano. O Gabriel é apenas uma peça em uma engrenagem. Ele é apenas parte de uma rede.
DIARINHO As pessoas investigadas estão dentro da Fatma, dentro do governo, onde elas estão?
Procurador Pedro: Elas estão em todo o lugar. Tanto no setor privado, como no setor público. O fato de estar dentro da Fatma não é tão importante assim. A Fatma foi loteada politicamente como um manancial de propinas. É uma pena, e até uma covardia que um órgão ambiental seja loteado politicamente para este objetivo. Eu diria que é algo mais danoso do que o desvio de verba pública, ou mesmo o desvio de merenda escolar, pois está sendo comprometida a vida das gerações futuras. Há um loteamento político para fins de cobrança de propina em um órgão ambiental. [Isso só em Itajaí ou na Fatma estadual também?] Eu fico um pouco constrangido de falar porque o foco é a Codan Itajaí, mas pelo que vimos aqui é fácil concluir que o problema é geral.
DIARINHO Na época que estourou o caso se falavam em 80 processos de licenciamentos fraudulentos. Este número foi confirmado?
Procurador Pedro: O número específico de licenciamentos ambientais fraudulentos nós jamais vamos saber, porque a maior parte dos licenciamentos ambientais da Codan Itajaí corre de maneira informal. Muitas licenças ambientais não têm autos processuais ou processos administrativos correspondentes. O empreendedor tem uma licença ambiental na mão dele e pronto! Não tem nenhum arquivo daquilo na Fatma, não tem nenhum processo administrativo correspondente, não tem nem o parecer que fundamentou aquela licença. A pessoa tem um papel na mão. Então jamais vai se chegar ao número exato de licenças ambientais fraudulentas. Isso é impossível de saber, não há um registros dessas licenças.
DIARINHO Foi descoberto que muitos processos de licenciamento não existiam ou estavam desaparecidos...
Procurador Pedro: De maneira muito oportuna, quando o ex-gerente saiu da Fatma de Itajaí, sumiram dezenas ou até mais que uma centena de processos ambientais. A maior parte continua sumida.
DIARINHO Qual a garantia que se tem ao verificar que uma obra foi licenciada pela Fatma, de que o licenciamento foi feito corretamente?
Procurador Pedro: Nenhuma. Nenhuma garantia. [Por quê?] Porque o órgão foi concebido e existe de uma maneira viciada. No momento que um órgão de licenciamento ambiental em geral, porque não trata apenas de licenças ambientais, é objeto de loteamento político, não há como garantir a idoneidade do que sai dali. Se fala muito do DNIT (departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte), em âmbito federal, que os partidos brigam pelo DNIT, pra ter o DNIT. Certamente eles não brigam pelo DNIT porque têm o ideal de que as estradas brasileiras sejam boas. Eles brigam porque aquilo ali lida com bilhões de reais anualmente, e há um desvio fabuloso de verba pública. Da mesma maneira, partidos que, na verdade, são grupos que se intitulam partidos, brigam pela Fatma, não brigam por amor ao meio ambiente. Brigam pelo dinheiro que é ocasionado pelos licenciamentos fraudulentos.
DIARINHO Há alguma forma de acabar com a corrupção dentro da Fatma?
Procurador Pedro: O problema é que a corrupção na Fatma está dentro de um quadro de corrupção geral, generalizada em todas as esferas de governo. É claro que é um caso mais chocante porque lida com licenças ambientais, o que é muita covardia, ao usar isso como manancial de propina. [O senhor vê uma forma de acabar com isso hoje?] Infelizmente, não. [É interessante para o governo do Estado que a Fatma seja gerida dessa maneira?] Creio que sim. Inclusive, é até interessante manter fiscais da Fatma recebendo um salário irrisório. Um fiscal da Fatma, que lida com licenciamentos de empreendimentos milionários, recebe R$ 3 mil. Claro que isso não implica que a pessoa seja corrupta, mas é um estímulo.
DIARINHO Como está a investigação deste caso?
Procurador Pedro: A investigação não foi de toda satisfatória porque, infelizmente, no final do ano passado ocorreu o vazamento da investigação para agentes locais dessa máfia. [Agentes em qual esfera?] Não poderia falar neste momento, mas claro que nós tentamos o tempo inteiro afastar essa investigação de agentes mafiosos locais, tendo em vista que a máfia local é muito arraigada e muito ampla. Também lida com todo o tipo de corrupção, não apenas ambiental... Mas ocorreu este vazamento que prejudicou bastante a investigação. [Esses agentes estão infiltrados em órgãos públicos?] Sim, podem estar infiltrados em vários órgãos públicos, porém, como falei, têm tentáculos de todos os tipos. [E essas pessoas devem responder por este vazamento de informação?] Espero que sim.
Somente usuários cadastrados podem postar comentários.