Os carinhos foram muitos e as reações do povão também. Achei estranho no início, mas depois também ganhei um abraço. Muito boa a ideia deles, disse a aposentada Carmem Lúcia, 62 anos, que visitou o túmulo do marido ontem à tarde. Natural de Santos/SP, o missionário Davi Muniz, 29, chegou em Itajaí há três anos. Ontem, no meio da tarde, ele já tinha dado mais de 200 abraços em homens, mulheres e crianças, que chegavam a se emocionar com o ato fraternal de desconhecidos. Desabafos e agradecimentos, segundo Davi, eram as palavras mais frequentes que ouvia. Muitas pessoas ainda estão frágeis, pois perderam os parentes recentemente, então um consolo e uma palavra amiga ajudam a suportar a dor deste momento, acredita.
Este contato com as pessoas e suas histórias não trazia emoção somente pra quem desabafava, mas também pros missionários que, por vezes, não seguravam as lágrimas e choravam junto com um desconhecido qualquer. Davi perdeu as contas de quantas vezes o rosto ficou molhado na tarde ensolarada do dia de Finados. Olha, diversas vezes eu me emocionei junto com as pessoas, porque você acaba se aproximando daquela história e se envolve com isso, conta, confirmando que esta foi a primeira edição do abraço grátis. Ele espera repetir o gesto todos os anos a partir de agora. Depois desta experiência, vamos estar sempre aqui no dia de Finados, garante.
Há 15 anos o mesmo coveiro é responsável pelo cemitério da Barra, no Balneário
O chapéu de palha serve pra proteger do sol. A fala mansa demonstra a experiência de mais de 15 anos trampando como coveiro no cemitério Municipal da Barra, em Balneário Camboriú. Manoel Pereira, 56 anos, é um sujeito simples e simpático, que conhece como a palma da mão cada cantinho, cada lápide e sepultura espalhados pelos dois terrenos que formam o cemitério do bairro, perto da BR-101. O cemitério é onde vivo a maior parte do meu dia e hoje eu tô sentindo falta da minha mãe, que morreu há exatamente 14 anos, conta.
O trampo de Manoel é complicado. Segundo ele, tem dias em que chega a fazer cinco enterros entre a manhã e a tarde. Questionado se fica indiferente a tanta dor em sua volta, o coveiro não titubeia. Quase todo enterro que eu faço, eu choro também. Mesmo que eu nunca tenha visto a pessoa, preciso às vezes sair pro cantinho pra chorar sossegado, admite.
Comércio no feriado
No dia de Finados, muita gente também ganha um dinheirinho vendendo flores, caldo de cana ou picolés na entrada dos cemitérios. Em Balneário não foi diferente. A vendedora Cleusa Aparecida de Oliveira, 31, já havia vendido, no meio da tarde de ontem, mais de 20 arranjos com flores de plástico. Além das vendas, Cleusa também se torna ouvinte do povão. Muitos aproveitam e contam um pouco da história de quem morreu, diz.
O choro da família que ainda não superou a perda do patriarca
A pele enrugada de Osvaldina Oliveira da Silva, 72 anos, retrata a dor da perda do companheiro de mais de duas décadas. Depois de ter chorado bastante debaixo do sol forte, dona Nena começou a conversar com o DIARINHO e disse que o filho e o marido, que descansam no cemitério Municipal da Barra, em Balneário Camboriú, estão mais presentes do que nunca na sua vida. Eu sinto que eles ainda tão comigo, mesmo que não seja fisicamente, mesmo com saudade, parece que eles ainda tão aqui perto, revela.
O sentimento mais forte em dona Nena é a saudade. Por isso, ela costuma visitar o túmulo dos dois familiares com bastante frequência. A aposentada acredita que isso os deixa felizes, onde quer que estejam. O pedreiro Adriano Santos, 37, neto de Nena, disse que já havia retirado os matinhos que crescem ao redor da sepultura, limpado as manchas do mármore e enfeitado o túmulo com flores, além das velas acesas. Viemos em cinco pessoas de quatro gerações da família. Assim, posso passar pra minha filha, por exemplo, o respeito que se deve ter com os mortos, ensina.
Não muito longe de onde estava dona Nena, o pescador Raul Alexandre, 60, morador de Taquaras, calculava em 20 os familiares e amigos enterrados no cemitério da Barra. Com o neto a tiracolo, Raul afirma que hoje não sente tanta tristeza em visitar os que já se foram, porque, na visão dele, o momento não é pra ser triste, mas sim alegre por poder lembrar daqueles que passaram por aqui. Saudade a gente sempre tem, mas também temos alegria em lembrar as coisas que vivemos juntos, filosofa.
O cemitério da Maravilha do Atlântico teve um grande movimento durante toda a quarta-feira. Mas o que mais chamou a atenção da reportagem foi o choro descontrolado de dona Nena ao relembrar de Augusto Roberto de Souza, seu falecido marido, que foi atropelado no amanhecer de 25 de maio de 2008, quando voltava pra casa depois de um dia inteiro de trabalho. O Beto me faz uma falta danada, ele não sai da minha cabeça, relata.