A família da dona de casa Dalva Honório, 55 anos, não vai esquecer tão cedo o pesadelo que viveu nesta semana. Ela comprou um plano de assistência familiar há mais de um ano e, na quarta-feira, 4, quando foi enterrar o sobrinho, não conseguiu.
Dalva conta que a pendenga começou na terça-feira à noite, quando o sobrinho dela, Arlan Cordeiro, faleceu. Os funcionários de uma funerária avisaram a família sobre o problema no cemitério, mas ela achou que se tratava de rivalidade e disputa por clientes. Dalva conta que os funcionários da funerária do plano, a São Cristóvão, garantiram que tava tudo certo. Eles arrumaram o corpo e, quando fomos ajeitar tudo no cemitério, o gerente avisou que não podia fazer nada, lembra, indignada.
Naquela altura do campeonato, eles já haviam feito a certidão de óbito informando que o corpo seria enterrado no Gravatá. Lembrei que temos um terreno no cemitério da Fazenda, mas quando chegamos lá eles disseram que não podiam enterrar porque no documento estava escrito que seria no Gravatá, conta. O marido de Dalva teve que fazer um segundo documento e registrá-lo em cartório pra conseguir enterrar o sobrinho no cemitério do bairro Fazenda.
Não fosse isso, meu sobrinho ficaria numa gaveta três anos até conseguir um lugar, diz. Além do plano funeral, que custou 24 parcelas de R$ 125 e não serviu pra nada, a família teve que pagar R$ 2.370 pelo caixão e mais R$ 650 pelo espaço no cemitério da Fazenda.
Revoltada, Dalva promete processar a empresa. A gente já prepara tudo antes pra nessa hora ter sossego, mas nem isso tivemos. Se eles estão com o cemitério irregular, vou processar, lasca.
Cemitério de problemas
O diretor de Fiscalização e Tributos da prefa dengo-dengosa, Marcos Müller, diz que irregularidade é o que não falta no cemitério Metropolitano. O bagrão conta que a Santa Catarina Assistência Familiar mantinha o local há 10 anos, usando o CNPJ da funerária e sem ter inscrição municipal. Isso significa que o cemitério, que é particular mas tem uma concessão pública pra atuar no município, está irregular desde quando abriu, há cerca de 10 anos.
Marcos diz que a treta foi descoberta porque os fiscais começaram uma batida geral nas seis mil empresas do município. Segundo ele, no início de setembro a firma foi notificada pra apresentar a documentação exigida. Como isso não rolou, os fiscais lacraram o cemitério no dia 2 de dezembro. Desde então, ninguém da empresa nos procurou, conta. Se a firma desrespeitar a decisão e enterrar um mortinho sequer, vai pagar multa de cerca de R$ 22 mil por dia.
Em abril, a direção da empresa assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público (MP) pra cumprir uma série de exigências, como a instalação de poços pra analisar a qualidade da água subterrânea. Além disso, o papéli prevê que, caso a fundação do Meio Ambiente da Santa & Bela (Fatma) considere impossível a renovação da licença ambiental, essencial pra reabertura, o cemitério vai ter que ser desativado em 30 dias.
A reportagem entrou em contato a empresa, mas a secretária informou que o gerente estava em reunião, sendo que ele não retornou as ligações.
Família diz que Arlan foi humilhado no hospital Marieta antes de morrer
O problema pra enterrar Arlan Cordeiro foi a gota dágua de uma série de perrengues enfrentados pela família. A esposa do falecido, Marilene Cordeiro, 33, diz que o marido começou a passar mal há 16 dias, quando começou a vomitar e a sentir fortes dores na barriga. Internado no hospital Marieta em 21 de novembro, Marilene conta que o marido ficou seis dias de rolo no pronto-socorro, sem um leito nem tratamento adequado. Um dizia uma coisa, outro dizia outra, mas a família nunca foi informada exatamente qual era a situação dele, conta.
Ele foi diagnosticado com pancreatite, mas ninguém dizia direito o que era a doença, nem por quais procedimentos ele teria que passar. Marilene está revoltada, porque diz que o marido foi tratado com descaso e desrespeito.
Segundo ela, na noite de 24 de novembro Arlan gritava da dor e estava muito fraco. Ele pediu ajuda da esposa pra conversar com um médico. Eu já tinha ido oito vezes até o balcão, mas as enfermeiras me mandavam voltar pra perto dele e esperar quietinha. Chamavam ele de ansioso, mas ele estava com dor e avisava que ia morrer, relembra, emocionada.
Depois de ter implorado por ajuda sem sucesso, Arlan pediu pra esposa abordar o médico no corredor. Ele pediu ajuda e disse que tinha a impressão de ter alguma coisa na barriga, já inchada por causa da pancreatite. Daí o médico olhou pra ele e respondeu: o que tem aí dentro da tua barriga é um bebê, e todos os enfermeiros começaram a rir, diz Marilene.
Segundo ela, o médico debochado é Darcio José Krieck Filho, que foi responsável pela internação de Arlan e teria tratado o pobre coitado com o maior descaso. Eu me senti a pessoa mais vulnerável do mundo por ver o meu marido com dor, naquela situação, e eles ainda debochando dele, lamenta.
Ela diz que o marido só foi avaliado por um especialista no dia 26 de novembro. Ele chegou a ser internado na UTI no dia 2 de dezembro, passou por uma cirurgia no dia seguinte, mas morreu bem na hora que a esposa foi visitá-lo.
Marilene promete que não vai deixar barato e vai carcar um processo contra o hospital. Porque o que eu sofri lá dentro nunca vai sair da minha alma, da minha mente. Vou processar pra que não aconteça com outra pessoa o que aconteceu com meu esposo, afirma.
A assessora jurídica do Marieta, Zilda Bueno, diz que o médico Darcio José Krieck Filho vai ser chamado na chincha e vai ter que se explicar direitinho sobre a denúncia de deboche pra cima do paciente. Segundo ela, a direção do hospital vai investigar o que aconteceu e deve se pronunciar sobre o assunto na segunda-feira.